Acompanho à distância há exatamente um ano. Em agosto do ano passado deixei Brasília para trás com a certeza de que o que aconteceria por lá seria histórico e histérico. E assim foi. Há exatamente doze meses acompanho a sangria da política brasileira de longe e, talvez por isso, tenho me isentado de palpitar. No entanto, como o momento é agudo, quero que meu relato fique aqui registrado.
Usei todos os meios possíveis para seguir os momentos de maior importância desse processo. Cobri os protestos contra e um a favor realizados em Lisboa e acompanhei os demais pela internet. No dia da Revolução dos Cravos, centenas de brasileiros marcharam ao lado dos portugueses para defender a democracia.
Falei com políticos brasileiros que estiveram em Portugal nesse período. Ouvi de FHC, ainda no ano passado, a orientação para que o seu partido apoiasse o impeachment. De Roberto Requião recebi a resposta simpática e explosiva quando perguntei, cheio de ironia, “o que o senhor ainda está fazendo no PMDB?”. “Tu quer que eu vá pra onde? Pro PT?”, disse ele.
Vi o senador petista Lindbergh Farias sair às pressas do meu campo de visão quando perguntei se ele apoiava a ideia de um plebiscito por novas eleições. Escutei as explicações da senadora Vanessa Grazziotin sobre como os colegas de Congresso não aguentavam mais a Dilma. Recebi uma explicação detalhada do deputado Arlindo Chinaglia sobre porque os petistas estavam relutantes com a ideia de apoiar o plebiscito.
Na tela do celular vi Eduardo Cunha sendo cínico, Delcídio Amaral sendo preso e, depois, tentando levar um companheiro de cela, vi Lula se defender em rede nacional no mesmo dia que foi interrogado pela Polícia Federal e, balancei a cabeça negativamente várias vezes ao ver Dilma ignorar a chegada do tsunami.
Estava quase dormindo no chão de uma rodoviária inglesa quando soube que o pedido de impeachment começava a andar pelas mãos de Cunha. Não vou pensar nisso, refleti, já, por óbvio, pensando naquilo.
Em uma ocasião fingi que prestava atenção no professor, mas no fone ouvia a fala de Dilma logo após o pedido de impeachment ser aceito, quando ela alfinetou Cunha pelas contas na Suíça, e me segurava para, ao lado de uma colega brasileira, não vibrar com a resposta.
Numa estação de trem qualquer joguei a mochila num canto e sentei no chão para ouvir os áudios “bombásticos” após um juiz decidir que tinha direito de grampear a presidenta da República e divulgar para a imprensa.
Estava vendo o sol se pôr em um miradouro lisboeta quando soube que o PMDB começava a abandonar o governo e, pela cerveja ou pela certeza, lembrei como essa traição era óbvia, esperada e definitiva.
Há um ano, quando decidi colocar a vida de repórter em segundo plano e voltar aos estudos, deixei um país que caminhava para o caos político, mas ainda tinha salvação com um pouco de bom senso. Quando e se voltar não sei o que me espera.
Tentei acompanhar, por dever cívico ou profissional, às vezes por “esporte”, os capítulos mais importantes da crise política que devastou o meu país. O que vejo é que o caos não está perto do fim e a descrença só vai piorar.
Processos distorcidos, informações desmentidas, vazamentos seletivos e explosões acusatórias irresponsáveis. A sequência de cenas surreais me jogou num limbo de onde não sou mais capaz de explicar, de forma rápida e concisa, o que aconteceu com o Brasil.
Há dois anos, quando botei o pé na Europa pela primeira vez, ficava ansioso para que um estrangeiro perguntasse logo de onde eu vim. Queria poder falar de como o meu país estava melhorando, ficando menos desigual e mais importante aos olhos do mundo. Gostava, confesso, de ouvir as respostas, quase sempre elogiosas ao Brasil.
Hoje, quando um estrangeiro adivinha que sou brasileiro e solta a temida pergunta sobre o que está acontecendo com o Brasil, minha reação instintiva é desviar o assunto para qualquer direção. Me identifiquei com dois norte-americanos com quem conversei em viagem recente na Espanha. Quando perguntei sobre Trump, eles tiveram a mesma reação.
Tenho vergonha de explicar os pormenores repugnantes e assim dar aos estrangeiros a certeza de que no Brasil tudo pode acontecer. A história recente está contaminada pela raiva e pela histeria coletiva, mas o futuro não precisa ser assim. Se quase nos tornamos um dos países mais respeitados do mundo há alguns anos, é sinal que temos a chance de, no futuro, tentar ocupar o lugar que merecemos.
Isso, no entanto, não será feito pelas mãos desses senhores ricos, brancos e de cabelo acaju/preto artificial. Os interesses deles são outros. Deixemos, então, que tentem. Em dois anos eles vão sentir novamente o sabor amargo da derrota que estão tão acostumados a provar a cada eleição.