Assim como os poetas e pintores exprimem os seus sentimentos mais ofuscados entre o papel e as telas, Pancho escrevia e pintava em forma de edifícios mudos, mas que no seu interior gritam aspirações e sentimentos de um artista multifacetado.
Um mês após a sua morte, a capital moçambicana acolheu uma exposição fotográfica contendo imagens de alguns edifícios bastante representativos construídos pela mão do arquitecto.
Denominada “Homenagem a Pancho Guedes”, a exposição juntou dois apreciadores da sua emblemática obra – Eliseu Patife e Manuel de Jesus.
No evento os dois expositores retratam em fotografias algumas das obras criadas e moldadas pelo arquitecto que se encontram espalhadas pelas artérias da Cidade de Maputo, maior parte delas erguidas na época colonial.
“Manter Pancho vivo é manter a nossa própria identidade. Para nós ele foi um dos maiores construtores de Moçambique. O urbanismo que temos hoje, o que nós temos como riqueza urbana devemos a ele. A exposição é um convite a cada um para que possa conhecer o principal edificador da cidade de Maputo e outras cidades africanas”.
Pancho Guedes é aqui descrito como o homem que idealizou o pulsar de uma cidade africana com características peculiares e distintas, um arquitecto mítico que deixou traços físicos espalhados pelo território.
Definir a sua arquitectura é coisa que exige muita atenção pois esta tem dentro de si muitos estilos, traços e muitas histórias. Reduzir a arte de Pancho a uma única definição seria parco.
Digamos que a arquitectura era a sua principal ferramenta, mas a arte era o seu maior horizonte. Também navegou pelos mares da pintura, da escultura e da fotografia.
Quem hoje visita Maputo, antes Lourenço Marques, ainda pode encontrar alguns desses traços que ficaram memorizados nas paredes de cada edifício mas não por muito tempo, pois nem o homem, nem o tempo perdoam.
Nesta cidade colonial, estima-se que tenha desenhado mais de 600 edifícios. Ainda em vida nunca escondeu a dor por muitos dos seus edifícios estarem a ser feridos, mutados e até mesmo mortos pelos ventos da mudança que aos poucos apagam suas marcas.
É nesta cidade, aliás, que Pancho Guedes deixa grande parte da sua obra. Ele é visto como um dos arquitectos da Lourenço Marques moderna, tendo projectado diversos apartamentos, igrejas, conventos, escolas, estações de serviço.
Outros dos edifícios a destacar no portfólio deste arquitecto, são a Igreja da Sagrada Família (1964), na Machava, a padaria Saipal, os apartamentos Prometheus, a igreja de São Cipriano do Chamanculo, o Convento de São José de Lhanguene. Fora da Capital, projectou o Hotel e Escola de Agricultura em Boane, e o Colégio de Nossa Senhora da Conceição, em Inhambane.
Sem dúvidas foi um dos arquitectos que marcou a história ao longo do século XX. Ao longo de 25 anos Pancho Guedes construiu o suficiente para fazer uma cidade de tamanho médio.
Com as recentes modernizações nas cidades tende-se a perder alguns traços identitários, portanto, viu-se nesta exposição uma forma de eternizar a sua obra.
Guedes além fronteiras
O arquitecto português não se limitou ao espaço moçambicano, a sua obra teve passagens por outros quadrantes, a destacar Angola, África do Sul e Zimbabwe. Em Guedes é difícil diferenciar a arquitectura das artes. Parece que se cruzam a todo instante. Moderno, imprevisível, único, distinto, preservado e revolucionário são os atributos dados ao “artista da pedra” e que foram bem referenciados pelos presentes na cerimónia de lançamento desta exposição.
Em Angola é de sua autoria o Banco Totta Standard, em Tombua, e no Reino da Suazilândia é autor da Escola de Waterford.
Em Portugal assinou o projecto de arquitectura do Casal dos Olhos, em Eugaria, no concelho de Sintra.
Na África do Sul, Pancho Guedes fundou o departamento de arquitectura na Universidade de Witwatersrand, em Joanesburgo, e foi professor na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa e na Universidade Lusófona, na capital portuguesa.
“Reivindico para os arquitectos os direitos e as liberdades que sempre os poetas e os pintores tiveram”. (Pancho Guedes).
“Guedes é uma estatua em movimento”. (G. Mutuque).
“Devemos preservar o seu nome e o seu legado como citadinos deste país do qual ele foi filho”. (Mauro Pinto).