Turismo literário: uma viagem pelo Brasil através dos seus grandes escritores
A herança literária brasileira é muito vasta. É impossível fazer jus aos inúmeros escritores que deixaram a sua marca indelével na cultura popular do Brasil. Perante a impossibilidade de destacar todos os génios que alimentaram a sexta arte universal, resolvemos filtrar a nossa viagem pelo mundo das letras através das personalidades mais emblemáticas que marcaram cinco estados brasileiros: Bahia, Maranhão, Pernambuco, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Comecemos por Ferreira Gullar, o mestre da poesia que embelezou a exuberante paisagem do Maranhão com os seus versos intemporais.
Escrito durante o período do seu exílio em Buenos Aires, na Argentina, no ano de 1975 mas publicado somente no ano seguinte (em 1976), o Poema Sujo é um dos mais importantes textos poéticos da obra de Ferreira Gullar, pseudónimo de José Ribamar Ferreira (1930-2016).
Magoado e revoltado com a ditadura militar imposta no Brasil em 1964, o poeta decide abandonar a pátria canarinha para se fixar, primeiro, em Moscovo (na Rússia), depois em Santiago do Chile e em Lima (no Peru) e, finalmente, na capital argentina, onde levou aproximadamente seis meses a criar o poema. Composto por mais de 2000 versos, as palavras de Ferreira Gullar foram ouvidas, apreciadas e gravadas por outro grande poeta brasileiro, Vinícius de Moraes, que o leu em voz alta e o preservou das malhas da censura e sobre o qual pronunciou o seguinte comentário:
«Ferreira Gullar […] acaba de escrever um dos mais importantes poemas deste meio século, pelo menos nas línguas que eu conheço; e certamente o mais rico, generoso (e paralelamente rigoroso) e transbordante de vida de toda a literatura brasileira.»
É um poema lírico e político marcado pela dor, pela solidão e pela nostalgia mas ao mesmo tempo um poderoso testemunho sobre a arte da liberdade e do amor. Poema Sujo, combinando vários elementos típicos da linguagem de Ferreira Gullar, também é um inspirado e comovente elogio à sua terra natal, São Luís do Maranhão.
Nascido de uma família humilde da classe média, crescendo ao lado de 11 irmãos, a infância de Ferreira Gullar decorreu entre agradáveis passeios pelo coreto da praça Benedito Leite (onde aos domingos à noite tocava a banda da Polícia Militar) e a fonte do Ribeirão, local serpenteado por inúmeras galerias subterrâneas que ligavam a complexa rede de igrejas edificadas na cidade, ensombradas por mitos e lendas folclóricas.
A profunda paixão de Ferreira Gullar – um dos «imortais» da Academia Brasileira de Letras – pela capital do Maranhão que o viu nascer e tornar-se Prémio Camões em 2010, revela-se tão singularmente nos versos melódicos que os leitores podem ouvir em passagens como esta guardadas nesse Poema Sujo envolvido pela angústia amarga e pela fraternidade de um sorriso:
«Que importa um nome a esta hora do anoitecer em São Luís
do Maranhão à mesa do jantar sob uma luz de febre entre irmãos
e pais dentro que um enigma?»
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