Os tecidos africanos e os seus padrões vão muito além de peças de roupa, têm uma história, fazem parte de culturas, e detêm mensagens que foram passadas de geração para geração. Não são apenas tecidos africanos, trata-se da história que se pode criar com eles, da mensagem que se pode passar, a mudança de um guarda-roupa ou de uma sociedade, onde o objetivo é abraçar o novo e com ele viver. São cores vivas, são padrões com movimento que marcam a diferença. São personalidade em tecidos que se envolvem com a pessoa e o seu quotidiano, e quem veste é assim mesmo, são pessoas livres que sabem o que querem e gostam de deixar a sua marca onde quer que passem, são pessoas decididas e divertidas.
Uma fusão afro-europeia, é assim a melhor maneira para distinguir o trabalho de Roselyn Silva, bem como a sua personalidade vibrante, alegre e cheia de vida.
Desde pequena, brincava com os “trapos” em casa, onde descobria o sonho, sentia a essência, a força e poder das cores e estampas. Os inúmeros padrões sempre fizeram parte da família e sempre foram peças fundamentais na sua cultura de origem, que hoje a designer alia ao corte cuidadoso e contemporâneo. Assim nasceu Roselyn Silva, a marca de roupas que “despimos” nesta entrevista exclusiva ao portal Conexão Lusófona.
Quem é a Roselyn Silva?
Roselyn Silva é uma mulher que se pode dizer que se sente realizada, que sonhou e sonha muito e correu atrás do seu sonho e conseguiu realizar.
De onde nasceu a ideia de transformar o teu nome numa marca?
Eu percebi que as pessoas se identificavam com o meu estilo, porque eu vestia as minhas roupas, e foi assim que comecei a dar nas vistas, porque as pessoas viam-me com as peças vestidas e diziam “Ai que giro, onde é que comprou? Também quero!” e eu dizia que eram criações minhas, então achei que as minhas criações estavam muito ligadas à minha personalidade, à maneira de ser a minha pessoa. Então fez mais sentido ter o meu próprio nome nas peças. Sempre ouvi dizer que tinha um nome diferente e giro, e achei que a nível artístico podia correr bem, e foi assim que nasceu “Roselyn Silva”.
E a vontade de criar peças de roupa, quando surgiu?
Desde muito nova sempre tive gosto pelos tecidos, para mim é algo familiar, é muito normal nós em África termos acesso aos tecidos, ou é o tio ou a avó, ou alguém nos oferece. Tinha sempre tecidos em casa. No meu caso em particular eram as cores sempre me chamaram a atenção, os padrões. Mas eu sou uma rapariga que cresceu na Europa, o meu estilo não era propriamente o estilo tradicional, não usava os tecidos de forma tradicional, mas eu quando olhava para o espelho e pensava “epá, isso ficava tão bem num blazer, numa saia ou um vestido”, peças mais modernas, e foi aí que comecei a sentir atraída pelos padrões. Naquela altura não tinha coragem de tocar neles, eu pensava: “um dia quando eu souber realmente como trabalhar esses tecidos vou mexer neles”. E tinha alguns guardados até ao início deste projeto, porque tinha a certeza que quando fosse trabalhá-los tinha de trabalhá-los bem.
O quanto a tua origem são-tomense influencia e inspira o teu trabalho?
Nasci em São Tomé e vim para Portugal muito nova, com quatro anos. Os meus pais, como a maior parte dos pais africanos, vieram à procura de melhores condições de vida. Este projeto é uma forma de eu transmitir um pouco mais da cultura de São Tomé, eu tenho muito orgulho do meu país, sempre que eu posso incluo um pouco de São Tomé no meu trabalho, a nível visual e intelectual. É uma missão de poder levar o nome do país “além-fronteiras”, para não ouvirmos aquelas expressões “São Tomé? Onde é que fica?”. Às vezes as pessoas não sabem, acho isso um pouco esquisito, mas é a realidade. E eu sinto-me um pouco responsável por dar a saber, e por isso mesmo São Tomé e Príncipe inspira-me. Felizmente, por causa do trabalho tenho tido oportunidade de ir mais vezes a São Tomé e Príncipe, não só para apresentar trabalho mas também de férias e sempre que regresso a Portugal, volto sempre muito entusiasmada e inspirada. Já fiz trabalhos de moda, vídeos, trabalhos fotográficos em São Tomé e Príncipe e foi muito bom mesmo.
E uma loja em São Tomé e Príncipe, para quando?
Trabalhou-se muito para a marca chegar até ao nível onde está, por isso todo o resto que vier, tem de ser a manter o mesmo nível de qualidade. Enquanto eu reúno essas condições, São Tomé e Príncipe é um destino possível para a marca Roselyn Silva, só que as coisas têm de ser passo a passo, com calma. Mesmo assim, tenho muitos clientes em São Tomé e Príncipe. A marca trabalha muito por encomendas e tenho lá muito clientes.
No início desenhavas e confecionas todas as tuas peças sozinha?
Há aqui duas coisas diferentes: se és designer, tens de saber os conceitos de costura e etc, mas há costureiras profissionais que realmente fazem muito bem esse trabalho e nós como designers muitas vezes não temos tempo, porque requer muito tempo confecionar uma peça, imagina uma coleção inteira. Eu comecei por diversão, aprendi e a fazer peças para mim, mas não tinha aquele grau de perfeição que eu exijo hoje na marca, então subcontratava serviços de costureiras e ateliês de rua. Mas chegou a um ponto que eu tinha de ter a minha própria confeção, porque muitas vezes não se consegue controlar as coisas à distância, e o facto de eu ser muito exigente fez com que por vezes as coisas não corressem tão bem e gastava imenso tempo e dinheiro, fora o stress, as coisas não corriam como eu esperava e tornava-se numa frustração tremenda. Decidi que precisava de ter o meu próprio espaço, e decidi também deixar o meu antigo trabalho. Foi uma decisão difícil, mas quando se vai atrás de um sonho, nada parece impossível, despedi-me e decidi abrir o meu próprio espaço.
Como foi participar no Shark Tank? (Roselyn participou da temporada de 2015 do programa)
Arrisquei, precisava de um financiamento, de sócios. Precisava de alguém que acreditasse e investisse. Fui a primeira a ser gravada, não foi fácil, expor o projeto e dar a cara, podia correr bem ou mal. No meu caso correu bem, mas não é assim a todos, e hoje estou grata a Deus por ter conseguido realizar passo a passo. Aliás, é até muito depressa comparando com pessoas que já estão no mercado há muito anos a lutar, e eu em três anos vejo o que já consegui, e só posso dizer que sou uma abençoada. Tenho uma boa relação com os sócios, mas também tive de arranjar forma de os cativar, pois sendo homens bem sucedidos, têm outras negócios e pessoas para trabalhar. Nós falamos sempre, opinam quanto ao meu trabalho, nas coleções, se vale a pena avançar ou não. Eles abriram-me a porta, financiaram, mas a outra parte tenho de ser eu e saber como fazer e fazer jus ao investimento.
Achas que o teu trabalho tem sido bem aceite e reconhecido pelo povo português?
Tem, e também estou grata a isso. Quero acreditar que se deve ao mérito do meu trabalho mas por outro lado o público português aceitou muito bem e reconhece a qualidade do que eu faço. Apesar de muitos pensarem que é novidade, há muitos estilistas a trabalhar com tecidos africanos, étnicos. Mas por algum motivo eu me destaquei e dizem ter a ver com a qualidade, o corte a própria maneira como eu comunico com a marca, que também é importante, o marketing é fundamental. E cada vez que nós temos figuras públicas a dar a cara pela marca, isso é mais um reconhecimento e o público no geral gosta e sente-se atraído por isso.
O que destaca o teu trabalho dos outros na tua opinião?
Eu acho que a minha simplicidade e o bom gosto, digo isso de boca cheia, porque é o que me chega, opiniões e comentários que eu ouço, dizem que tenho um corte simples, as peças são simples, mas vestem muito bem, têm uma qualidade e acabamentos excelentes e que tenho um gosto elegante, e bom gosto, acho que é o que me destaca do trabalho dos outros.
O que é bom e mau neste ramo de trabalho?
Bom é realmente o reconhecimento e as pessoas gostarem, o que é mau é que muitas vezes as pessoas não têm consciência do trabalho que está do lado de cá, acham que é tudo bonito e tudo fácil. Esta é a parte que me desgasta porque tenho de estar constantemente a dar mais e mais e já percebi que não posso estar à espera que as pessoas percebam isso. As pessoas não percebem, vêm o produto final, gostam ou não, compram ou não, mas não têm muita noção, mas só quem está na área é que tem essa perceção. O que vale é que já consegui direcionar a marca ao público-alvo que eu pretendia. Mas no início foi complicado, tive de ser fiel aos meus princípios e manter-me firme por mais difícil que tenha sido dizer que não. Eu disse e tinha de dizer que não, essa é a parte chata, o cliente queria mas não aceitava o preço, e eu dizia “obrigada e uma boa tarde” e era frustrante, deixava de vender uma peça, mas tinha de ser assim porque não seria justa comigo mesma, porque trabalho imenso e tenho pessoas a trabalhar para mim e não seria justo. Saber dizer “não” é difícil.
Está muito na moda usar tecidos africanos nos dias de hoje, achas que nas próximas temporadas estará igual ou será apenas uma fase?
Eu acredito que agora é muito tendência, não queira dizer que isto não vá continuar. Mas é responsabilidade dos criadores e designers renovar isso. Muita gente me diz que os tecidos africanos vão fartar, eu respondo que é um problema que já está a ser trabalhado por mim, que para mim nem sequer é um problema, é uma forma de eu também inovar, criar e saber como reutilizar estes padrões de uma forma diferente, e se os designers pensarem assim, nunca se tornará cansativo. Há que saber inovar, porque esses padrões são tão ricos, têm tanto potencial, mas as pessoas acham que é só roupa. Não é, e daqui a algum tempo eu vou mostrar como se pode transformar isso em outras coisas.
Qual o papel da tua família nessa caminhada?
Houve vezes em que ia para casa a chorar porque as coisas não corriam como eu queria ou a roupa não ficava bem, e a minha mãe dizia que se eu acreditasse realmente no que estava a fazer, que no dia seguinte ia correr melhor, aquele apoio incondicional da mãe, irmãos e família. Porque investes todo o dinheiro naquilo que acreditas porque achas que vai dar certo, não era uma decisão fácil, no início investi tudo o que tinha e não tinha. Usar as poupanças e abrir um negócio não é fácil. E houve momentos em que precisei do apoio deles e lá estavam eles, e hoje em dia o projeto é deles, tem um pouco da mão deles, da ajuda, seja ela financeira ou psicológica. E a família teve e tem um papel fundamental.
Como foi essa mudança de planos, licenciada em Engenharia para o mundo da moda?
Isso não foi nada pensado, as coisas foram acontecendo, comecei por ser técnica de construção civil era desenhadora projetista na empresa, depois mais tarde fui para a faculdade tirar Engenharia. Nesta passagem surge a moda em 2012, quando comecei apenas por hobby, andava com papeis onde desenhava bonecas sem cabeça, e só me interessava a roupa. Depois acabei por criar uma página no facebook – e toda a gente sabe que nos dias de hoje estas plataformas das redes sociais são tudo, e há negócios que rendem milhões sem sair das plataformas online. Após criar a minha página, ia expondo alguns trabalhos, algumas ideias, coisas de que gostava e isso foi despertando a atenção de várias pessoas, até que fiz uma peça para uma amiga em Londres e ela incentivou-me a apostar nisso, falou de mim a um promotor de eventos que estava a prepara um desfile com moda africana, e ele convidou-me e chamou-me de “estilista”, para meu espanto (risos). Convidou-me para ir a Londres fazer um desfile, e aí caiu-me tudo, não estava nada à espera do convite, e aí pensei “como é que se faz um desfile?”. No final correu tudo muito bem, adoraram e a coleção estava espetacular e percebi que afinal há mercado.
Comecei a trabalhar em paralelo, tinha o meu emprego e depois à noite ia a correr para casa para fazer desenhos e depois à hora de almoço ia à costureira e depois novamente à noite ia visitar as clientes, andava com os tecidos às costas, andava de casa em casa, tirava as medidas das pessoas… Não tinha vida, mas divertia-me até chegar ao ponto de que as coisas já não davam, andava cansada e não conseguia fazer bem as coisas nos dois lados, na empresa estava cansada, em casa estava cansada…
Em 2013 recebi um convite para fazer um desfile em Macau e senti-me uma verdadeira estilista, foi um sucesso, adorei! Quando voltei, tomei então a decisão que queria mesmo apostar nessa área, entretanto já havia tirado o curso de moda, consegui fazer tudo ao mesmo tempo sem saber como.
Define moda numa palavra.
“Diferente”. Eu sou apologista de que cada faz a sua moda, há uma tendência mundial onde certas entidades ditam o estilo, uma cor, um material para esta estação, mas a moda em si é o que faz sentir bem, é o teu estilo, é o que cada um é. Nós criadores limitamos a criar peças para um determinado estilo, para um determinado grupo, mas nós não somos a moda, a moda é o que cada um faz. E para mim moda é ser diferente, ter algo que te identifique, te faz ser diferente dos outros.
Como são as pessoas que vestem a tua marca?
São pessoas acima de tudo ousadas e ao mesmo tempo muito extrovertidas, os padrões revelam muita ousadia, uma pessoa muito tímida dificilmente vestiria Roselyn Silva, e se vestir vai ao padrões mais simples, muito discretos. Mas quem veste Roselyn Silva procura algo diferente, gosta de marcar a diferença. Existe a questão de vestir o que está na moda, a tendência: há clientes que vêm e compram porque está na moda, porque viram alguém famoso a usar, e eu noto que só irão vestir aquela peça uma vez porque está agora na moda, enquanto que há outros clientes que vêm e gostam mesmo do que compram, e não têm vergonha de usar um vermelho, um amarelo, uma mistura de padrões e noto que são pessoas seguras de si e com muita personalidade.
Às vezes é necessário dar aquele passo importante para que o cliente veja, experimente e goste, mas também tem muito a ver com a cultura portuguesa, porque os portugueses agora é que estão mais abertos a novos estilos, estão mais vaidosos, antes eram mais conservadoras e hoje em dia já não existe aquele maneira de vestir padrão, ou muito cinzento, azul, ou muito preto, roupas básicas de uma só cor, a nossa geração já é diferente e ousada. O ateliê está numa zona em que passam muitos turistas, e os visitantes de países como Alemanha e Suécia adoram e ficam encantados com as cores e os padrões. Como fazemos vendas por encomenda, acabamos sempre por vender para fora para muitos clientes que apenas estão aqui de passagem.
Há alguma estação do ano ou peça que seja “marca registada” da Roselyn Silva?
No verão, onde há imensas festas, há sempre muitos clientes a querer usar mais padrões, nos meses de verão se compra mais saias e vestidos.
Até batizei as saias midi como “best-seller” aqui do ateliê, sem me aperceber eu revolucionei o guarda-roupa das portuguesas quanto às saias, a mulher europeia não usa muito saias, é mais fácil encontrar uma portuguesa de calções ou calças. Estas saias mais volumosas, as midi, muito estilo anos 50, eu voltei a trazê-las, mas com tecidos africanos o que não se vê muito na rua e não é muito comum, e o facto de algumas figuras públicas, celebridades usarem peças e saias e elogiarem a marca, passa a confiança ao público. E as saias ficaram como um registo da marca, irei ter sempre saias nas minhas coleções.
E para o futuro? Daqui a cinco anos, onde estará Roselyn Silva?
Neste momento estamos a conseguir alcançar os nossos objetivos, aqui em Portugal e fora, nomeadamente Estados Unidos e outros locais que estão à espera da Roselyn Silva, há muito mercado lá fora do qual não tinha noção.
Daqui a cinco anos, a Roselyn Silva vai estar a preparar coleções para as grandes semanas de moda, Paris, Milão, Nova Iorque, mas acima de tudo uma Roselyn Silva em outras áreas que não é só o vestiário, provavelmente áreas como decoração, casa, bebés… Há muito por onde se pegar com os tecidos africanos para além de roupa, têm muito potencial e eu já estou a estudar o mercado onde me possa inserir. E espero que de todos os projetos que temos na mesa, daqui a cinco anos dois deles estejam bem consolidados, e um deles é na área de decoração.