(Imagem: Reprodução Expresso)
Se acha o facto de ter feito dois trocadilhos no título bastante ridículo, então sente-se bem, relaxe e prepare-se para ouvir a estória que tenho para lhe contar e que tive o (des)prazer de ler no Expresso. Acreditamos que já tenha lido muita coisa sobre o novo acordo ortográfico, mas nenhuma tão sórdida quanto esta.
Decorria em Díli a XIV Conferência de Ministros da Justiça da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). No fim da reunião, houve a redação e a leitura da ata e foi aí, apenas aí que a verdadeira discussão ocorreu, já que até então o consenso tinha imperado. O texto final de 17 páginas estava escrito segundo a grafia do novo acordo ortográfico. António Bento Bembe, Secretário de Estado dos Direitos Humanos de Angola, manifestou-se contra tal facto, uma vez que Angola ainda não ratificou o novo acordo e foi secundado por Abdurremane Lino de Almeida, Ministro da Justiça de Moçambique e pelo representante da Guiné-Bissau.
Estava instalada a confusão geral. Portugal, país onde o novo acordo já vigora obrigatoriamente, defendeu pela pessoa de António Manuel da Costa Moura, Secretário de Estado da Justiça, que a grafia a utilizar na ata da reunião teria necessariamente de ser a grafia do país organizador da mesma, como aliás é praxe na instituição. Sendo uma reunião em Díli, Timor-Leste, país que já ratificou o novo acordo ortográfico, a ata estaria correta. Angola, Moçambique e Guiné-Bissau não se convenceram com o argumento.
“Uma vez que se chega a este acordo na base do consenso, não posso assinar este documento que não está escrito da forma que se fala em Angola. Camões não escreveu assim“, defendeu Antóno Bento Bembe. O Representante da Guiné-Bissau chegou mesmo a invocar que ao escrever-se “ata” isso poderia induzir as pessoas em erro, levando-as a pensar que se estaria a conjugar o verbo “atar”. “Quando a forma ortográfica muda, as palavras não significam a mesma coisa”, atirou o governante angolano.
O Ministro da Justiça de Cabo Verde propôs uma solução alternativa: fazer uma ata e uma acta, isto é, duas versões do mesmo documento, uma na versão do novo acordo ortográfico e outra na versão antiga. Portugal, Brasil e São Tomé e Príncipe rejeitam por considerarem não fazer qualquer sentido, numa comunidade que fala a mesma língua.
“Ter duas atas seria um prato de lentilhas para quem quisesse explorar divergências sobre a língua numa comunidade que fala português. Percebo a questão e tenho até uma opinião pessoal. Mas ter duas versões de uma mesma língua, de uma reunião, de uma comunidade, que fala uma língua não será muito boa ideia” advoga o representante português.
O impasse mantém-se devido à intransigência de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Abdurremane Lino de Almeida, Ministro da Justiça de Moçambique, lembra que alguns documentos da CPLP já foram “devolvidos” no passado por elementos governativos do seu país por conterem “erros de português”, leia-se, estarem escritos num acordo que não é o que vigora no país.
No final, tal como em relação ao acordo ortográfico, chegou-se a uma resolução que não agradou a nenhuma das partes em desacordo. Adotou-se duas grafias no mesmo texto (sempre que uma palavra tinha mais de uma forma possível de escrita, a versão do antigo acordo surgia entre parêntesis) e ficou registado em ata a oposição de Angola, Guiné-Bissau e Moçambique quanto à grafia do mesmo.
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