Passam mais de dois anos que não chove em Pfukwe, uma localidade recôndita da Província de Gaza, uma das mais críticas de Moçambique quando o assunto são os efeitos das mudanças climáticas. Só nesta província do sul de Moçambique foram perdidas mais de 200 mil cabeças de gado bovino.
Com cerca de 4.000 habitantes, esta localidade parece ter sido amaldiçoada. A terra secou, dela não sai água nem planta alguma. Para além do Rio Limpopo que se encontra completamente seco, as famílias desta região perdem diariamente várias cabeças de gado que morrem de fome e sede.
Deambulam por esta aldeia animais que mal se equilibram, buscando o que a terra fértil não pode produzir sem água. No trajecto para este lugar é possível encontrar carcaças do gado que não resistiu à fome intensa.
Campos de cultivo vazios, animais que disputam alimentos com os seus donos, terras áridas e com rachas de uma seca que ainda não tem previsão para terminar.
Em Pfukwe, já se aprende o significado de resiliência. As espigas de milho que antes, sem nenhum valor eram queimadas, hoje, em tempo crítico, servem de alimento para os animais. Culturas como as de batata-doce e abóbora são agora misturadas com as papas de milho como forma de enriquecer as poucas refeições que chegam à mesa destas famílias, uma, senão duas vezes por dia com alguma sorte.
Teresa Mapswaganhe passou toda a sua vida nesta aldeia, sobrevivendo da criação de gado e da agricultura. Há dois anos sente os efeitos de um fenómeno nunca antes visto e tão prolongado. Amargurada vê diariamente o seu gado desfalecer de fome e sede sem nada poder fazer. A luta pela sobrevivência é constante dos dois lados.
– Desde 2014 que não chove aqui. O gado percorre longas distâncias a procura de alimentos. Sem sucesso, sucumbe. Já perdi oito cabeças de um total de 21. Tenho também uma machamba que nada produz porque não chove – afirma.
Desde que se a seca se agravou nesta localidade, durante as noites, os estábulos de gado já não são fechados. O gado é liberto para que por si busque pela sobrevivência. Nas machambas desta população estacas e troncos são usados como vedação para que estes animais soltos não acabem com o pouco que há. Os animais em situação muito crítica são colocados em estábulos com alguns blocos de sais minerais para que se possam recuperar. Esta é uma técnica de resiliência que os pastores tem estado a aprender através do programa de emergência das Organizações das Nações Unidas que tem prestado algum apoio para a campanha agrícola iniciada recentemente.
O Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, falando na abertura da campanha agrícola 2016/17, fez referência ao fenómeno El Niño, dizendo que Moçambique continua a ser assolado por ciclos de secas e cheias.
– Nas últimas campanhas o efeito El Niño dizimou os campos de produção, agravando os níveis de insegurança alimentar. Mais de 1.5 milhões de moçambicanos ainda vivem em situação de insegurança alimentar e nutricional – afirmou.
Para Filipe Nyusi, o lançamento da Campanha Agrária 2016/2017 representa o início de mais um ciclo de esperança para os moçambicanos e “o desafio é de superar as previsões de cerca de 420 mil toneladas reduzindo o défice para 89 mil toneladas que deverá ser superado nos próximos dois anos”.
Falando à imprensa, o Representante da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura em Moçambique (FAO), Castro Camarada, afirmou que “os efeitos das mudanças do clima têm estado a minar os esforços para acabar com a fome e todas as outras formas de malnutrição no mundo até 2030 mas, há um reconhecimento internacional crescente de que o sector agrário pode desempenhar um papel transformador no combate ao impacto destas mudanças porque abrange a maioria da população economicamente activa no país”.
Apesar de maior parte da população moçambicana dedicar-se à agricultura, os níveis de desnutrição crónica são alarmantes no país chegando a atingir cerca de 43 por cento das crianças entre os zero e cinco anos de idade (estudo de base SETSAN 2013).
Em Moçambique, a agricultura emprega mais de 80% da população e contribui com cerca de 25% no produto interno bruto (PIB) e 16% das exportações nacionais. O sector agrário familiar concentra cerca de 99% do universo de 4.270.000 explorações agropecuárias, e destes, apenas 1% comporta machambas com áreas mínimas de 5 hectares, que utilizam uma agricultura de subsistência com pequenos excedentes para o mercado. A perda pós-colheita se situa actualmente em 24% da produção nacional.
Nos últimos dois anos o sul de África conheceu a campanha agrícola mais crítica em 35 anos. Numa região onde cerca de 70% da população é dependente da agricultura, os dois a três anos de seca causados pelo fenómeno El Niño, provocado pelo aquecimento das águas do Oceano Pacífico, criaram um impacto devastador onde em diversos países da África Austral foram declarados em estado de emergência e Moçambique atingiu o alerta vermelho.
Mais de 643 mil cabeças de gado foram perdidas em 5 países da África Austral por falta de água, alimentos e doenças emergentes e registou-se um défice de 9.3 milhões de toneladas de cereais o que, consequentemente gerou um aumento nos preços dos alimentos básicos, limitando o poder de compra das famílias vulneráveis.
Das cerca de 40 milhões de pessoas projetadas para insegurança alimentar na temporada de carência de 2016/17, 22 milhões precisam de assistência imediata segundo dados da organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
O continente prepara-se agora para enfrentar o fenómeno La Ninã, que é o oposto do anterior e consiste na diminuição da temperatura da superfície das águas do Oceano Pacífico Tropical Central e Oriental. Assim como o El Niño, sua ocorrência gera uma série de mudanças significativas nos padrões de precipitação e temperatura ao redor da Terra e para Moçambique prevê-se que o nível de precipitação esteja acima da média, alastrando ainda mais o futuro de incertezas para quem vive do que produz.