Há quem diga que as cidades são a maior criação da humanidade. Pois bem, neste contexto, não há dúvidas que as construções de um centro urbano possam ser vistas como testemunhas – ou testemunhos – da história de um bairro e ajudem a construir a identidade da cidade como um todo.
O projeto Rio – Casas e Prédios Antigos resgata a história de prédios e casas da zona sul do Rio de Janeiro, promovendo um levantamento das construções – históricas ou não – e revelando o que lá se passou.
A página de Facebook, criada por Rafael Bokor em 2013, apresenta uma coletânea de histórias. O próprio Rafael faz a curadoria das construções e a pesquisa das histórias.
– Sempre gostei de imóveis antigos. Moro num edifício de 1951, no Leblon, desde criança e meu pai foi corretor de imóveis. Ele me levava em alguns edifícios antigos, a maioria em Copacabana, e eu ficava encantado com tudo o que via. Criei também, pois percebi que existia um interesse imenso por esse assunto no Facebook – axplica.
O jornalista e publicitário se diz sempre surpreso ao descobrir as narrativas que cada construção já viveu.
– Eu me surpreendo com a maioria. Quase todas as construções são mais bonitas por dentro do que por fora – frisa.
Entre palacetes que abrigaram famílias nobres a casas que foram locação de novelas e filmes, as histórias mais bizarras ou macabras, é claro, acabam ganhando mais destaque, como o Castelinho do Flamengo, o Palácio do Catete e o Edifício Seabra, na praia do Flamengo.
Castelinho do Flamengo
Castelinho do Flamengo está localizado na Praia do Flamengo nº 158. Projetado em 1916 pelo italiano Gino Copede, o imóvel em estilo eclético teve sua construção finalizada em 1918. Possui três andares e 31 ambientes diferentes Até 1932 foi residência de Joaquim Silva Cardoso, proprietário que a construiu. Em seguida, o imóvel tornou-se a moradia de Avelino Fernandes, sua esposa Rosalina Feu Fernandes e a sua filha Maria de Lourdes Feu Fernandes. Relatos indicam que o casal Fernandes morreu, na década de 1930, atropelado em frente ao Castelinho. Maria de Lourdes, a filha, passou a ser criada por um tutor que a roubou e maltratou, deixando-a presa na torre principal da construção.
Dizem que quando Maria morreu, ela retornou para assombrar o lugar, em busca de vingança. Anos mais tarde a residência teve seu último morador, o senador Mendonça Martins falecido em 1964. O espólio de sua família se arrastou até 1983, quando foi aprovado o seu tombamento.
Em 1989, depois de sucessivas ocupações irregulares e predatórias, iniciou-se a restauração do prédio que custou cerca de U$ 1,200.000 (um milhão e duzentos mil dólares). Pessoas que ocuparam o imóvel durante a década de 1980 relataram ter passado por situações “fantasmagóricas” no local. Finalmente, em 1992, a Prefeitura entregou o “Castelinho do Flamengo” à população batizado agora de Centro Cultural Municipal Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974), em homenagem ao dramaturgo que trabalhou aqui no Rio de Janeiro.
Palácio do Catete
Palácio do Catete está localizado na Rua do Catete nº 153. Projetado pelo arquiteto alemão Carl Friedrich Gustav Waehneldt, em 1858, teve sua construção finalizada em 1867, porém as obras de acabamento prosseguiram ainda por alguns anos. O edifício é um dos exemplos da arquitetura eclética no país. Foi erguido como residência da família do cafeicultor luso-brasileiro António Clemente Pinto, o Barão de Nova Friburgo, na então capital do Império do Brasil. Era denominado Palacete do Largo do Valdetaro ou Palácio de Nova Friburgo. Após o falecimento do barão e da baronesa, o filho destes, o Conde de São Clemente, vendeu o imóvel em 1889, pouco antes da Proclamação da República do Brasil, para um grupo de investidores, que fundou a Companhia Grande Hotel Internacional.
O empreendimento, entretanto, não teve sucesso em transformar o palácio em um hotel de luxo. Devido à crise econômica da virada do século XIX para o XX, o hotel veio a falir, sendo os seus títulos adquiridos pelo conselheiro Francisco de Paula Mayrink, que, cinco anos mais tarde, quitou as dívidas do imóvel. À época, a sede do Poder Executivo do Brasil era o Palácio do Itamaraty no Rio de Janeiro. Em 1897, o presidente Prudente de Morais adoeceu e em seguida assumiu o governo o vice-presidente, Manuel Vitorino, que adquiriu o palácio e instalou a nova sede do governo. Oficialmente, o palácio foi sede do Governo Federal de 24 de fevereiro de 1897 até 1960 quando a capital e o Distrito Federal foram transferidos para Brasília. A partir de abril de 1960, o palácio passou a ser organizado para abrigar o Museu da República, que funciona no mesmo lugar até hoje.
Vários eventos históricos aconteceram nas salas do palácio, tais como a morte do presidente Afonso Pena, em 1909; a assinatura da declaração de guerra contra a Alemanha em 1917, durante a Primeira Guerra Mundial; a visita e hospedagem do cardeal Pacelli, futuro papa Pio XII, em 1934; a declaração de guerra contra o Eixo, na Segunda Guerra Mundial, em 1942 e o suicídio do presidente Getúlio Vargas, em 24 de agosto de 1954, com um tiro no coração, em seu quarto no terceiro andar do palácio, que é o mais conhecido de todos.
Edifício Seabra
Edifício Seabra, de 1931, está localizado na Praia do Flamengo nº 88. É também conhecido como o Dakota carioca, numa referência ao prédio em Nova York onde morou John Lennon e foi filmado o “Bebê de Rosemary”. Escuro, com base de granito, colunas e arcos o Seabra se destaca em meio a tantas construções claras do bairro. Em estilo eclético, a edificação de 12 andares foi inaugurada em 1931, numa época em que a praia do Flamengo ainda não tinha sido aterrada e os ricos habitavam casarões. Encomendada pelo banqueiro e bem-sucedido industrial do ramo têxtil, o comendador português Gervásio dos Santos Seabra, a construção do prédio surpreendeu o Rio De Janeiro no início da década de 1930. Casado com a italiana Assunta Grimaldi Seabra, que queria erguer um edifício ao estilo da Primeira Renascença, uma maneira grandiosa de aproximar a matriarca de suas origens europeias. Projetado pelo arquiteto italiano Mario Vodret (que incluiu diversos elementos toscanos na obra) e executado pela empresa J.A.Costa & Cia, o Seabra tem seu interior rico em detalhes mais impressionante que a sua fachada.
O hall divide-se em duas alas, com escadarias de mármore italiano de degraus amplos, e nas paredes há desenhos geométricos com aplicações em ouro. Lustres e arandelas em ferro batido dão um toque aristocrático aos ambientes. Dos 12 andares, os três últimos eram reservados à família Seabra, uma cobertura tríplex de dois mil metros quadrados. Para manter a privacidade, havia uma entrada exclusiva, na Rua Ferreira Viana, e um elevador privativo. No térreo, lojas, quartos de empregados e quatro vagas para carros também eram da família. Fechada desde 2002 a cobertura foi vendida pelos herdeiros dos Seabra, em 2011, por cerca de R$ 7 milhões. Os outros andares contam com quatro apartamentos por andar, num total de 38 unidades, entre 160 e 400 metros quadrados. Ao construir o prédio para ser a residência de luxo da família, o comendador e sua esposa pensaram em cada detalhe para garantir o conforto e luxo. O pé direito do edifício, varia entre 3,75 e 3,90 m e as paredes, têm espessura entre 50 e 60 cm.
Além do privativo, com entrada pelo hall da Praia do Flamengo, o prédio tem outros quatro elevadores que servem ao demais moradores. No hall de entrada, destaque para os pisos em mármore Giallo Siena. Quem já teve a oportunidade de conhecer a cobertura conta que o espaço era repleto de obras de arte. Um dos destaques era o banheiro art déco, que está sendo preservado na reforma. Vida longa a essa construção que foi um dos primeiros prédios de apartamentos do Rio de Janeiro e do Brasil.