Quando falamos de Portugal – país pacato e de brandos costumes – é inevitável não fazermos menção ao seu passado triunfante e conquistador. O país que “navegou por mares nunca antes navegados” é famoso, até aos dias de hoje, pelo baixo índice de violência e pela taxa elevada de segurança pública. Este pedaço de terra lusitana tem um dos menores índices de terrorismo, gastos com armas, participação em conflitos e violência policial, a nível global. Tendo em conta estas estatísticas, não precisamos de perder muito tempo a elencar razões que sedimentem o seu estatuto enquanto país pacífico, quando comparado com outras nações. O que talvez não saiba é que nem todo o seu passado foi considerado irrepreensível, principalmente devido aos serial killers que marcaram a segurança nacional. Se é um curioso por natureza e, de vez em quando, demonstra um certo entusiasmo por histórias macabras, preste atenção a este artigo. Iremos fazer uma viagem pelo passado e traçar alguns perfis de figuras bizarras, populares pelo legado violento.
Comecemos pelo século XVIII
Luísa de Jesus, 23 anos; Coimbra.
Esta mulher confessou ter asfixiado 28 crianças, mas as investigações revelaram 33 corpos dos 34 que haviam sido dados como desaparecidos. Intrigado? Revelemos mais pormenores sobre esta figura.
Portugal, ainda no decorrer da Idade Média, criou um sistema para evitar o infanticídio: a roda. Este era um sistema mecânico cilíndrico, criado para evitar o abandono de bebés recém-nascidos na rua. As crianças eram colocadas sobre uma plataforma e esta era rodada. De seguida, tocava-se uma sineta para avisar quem estava do outro lado e estas eram recolhidas, de forma sigilosa. Normalmente, este sistema era colocado à porta de instituições de caridade. Ora, as vítimas de Luísa de Jesus – cujo apelido não lhe garantiu a redenção – foram os bebés abandonados na roda, na Confraria da Misericórdia da cidade de Coimbra. Esta mulher recolhia as crianças abandonadas e, poucos metros depois, desfazia-se delas, apertando-lhes o pescoço e enterrando-as no alto do Montarroio (Coimbra). As que não matava de imediato, levava para a sua casa onde – perdoem-me as pessoas mais sensíveis – se preparava para as desmembrar. Todos os pedaços arrancados eram colocados num pote, debaixo de palha ou em buracos no chão. O que ganhava com isso? Dinheiro. A pessoa que se encarregasse dos bebés, abandonados na roda, ganhava 600 reis em dinheiro, um berço e meio metro de tecido de lã. O objetivo de Luísa era fazer a recolha de crianças, livrando-se delas posteriormente, para ficar com o que era oferecido. Estima-se que tenha conseguido angariar cerca de 20 mil réis, o equivalente, na época, ao ordenado de seis meses de uma cozinheira ou ao de um ano de uma ajudante de cozinha do Hospital Real das Caldas.
Decorria o ano de 1772 quando começaram a circular as suspeitas. Depois de levantar mais de duas dezenas de crianças, num espaço muito curto de tempo, a autoridade policial começou a desconfiar do seu comportamento e seguiu-lhe os passos. Na sequência do interrogatório, Luísa confessou que havia matado 28 crianças, mas foram descobertos 33 corpos de recém-nascidos. O tribunal culpou-a de todos os homicídios, condenando-a à forca. Foi a última mulher executada em Portugal. A título de curiosidade, 40 anos depois – em 1810 -, Isabel de Roxas Lemos, conhecida por “Rainha Pamplona”, também foi condenada à morte por traição, mas conseguiu fugir antes de ser enforcada.
Façamos uma visita ao século XIX
Diogo Alves, 31 anos; Lisboa.
Não nasceu em Portugal. Alves era natural da Galiza (Espanha), mas foi viver para Lisboa ainda muito jovem. Este homem ficou conhecido como o “assassino do Aqueduto das Águas Livres”. Segundo as investigações realizadas sobre o percurso deste serial killer, concluiu-se que Diogo Alves era o cabecilha de uma quadrilha de ladrões. Atuava de madrugada e roubava todos os transeuntes do Aqueduto das Águas Livres, em Lisboa, que, durante a década de 1830, foi utilizado como caminho pedonal. Depois de assaltar as vítimas, atirava-as Aqueduto abaixo – de uma altura de 65 metros. O mais estranho é que, durante muito tempo, as autoridades policiais não desconfiaram da existência de um serial killer. Na época, Portugal estava mergulhado numa profunda crise económica e, por esse motivo, a polícia achava – quando os corpos começaram a surgir – que as pessoas tinham cometido suicídio por estarem desesperadas com a escassez de dinheiro. Contudo, como o número de vítimas continuava a crescer diariamente, o local foi fechado e manteve-se assim por muitas décadas. Ora, devido ao seu encerramento, o criminoso foi forçado a arranjar um novo método para angariar dinheiro: assaltos a casas de famílias endinheiradas. Na sequência de um roubo mal planeado, Diogo Alvos acabou por ser detido. Neste seu último crime, o serial killer assassinou todos os proprietários da habitação que assaltara, inclusive os criados. Devido à brutalidade da cena, os gritos de pânico das vítimas foram tão grandes que chamaram a atenção das autoridades. Alves foi apanhado em flagrante.
Só conseguiram ser comprovados 17 homicídios, mas suspeita-se, segundo investigações posteriores, que este homem tenha cometido mais de 70 assassinatos. A história do “Assassino do Aqueduto de Lisboa” foi considerada tão macabra que alguns dos cientistas da Escola Médico-Cirúrgica da capital portuguesa quiseram estudar o cérebro do serial killer, com o intuito de identificarem a origem da sua maldade. A cabeça decepada ainda se encontra guardada num recipiente de vidro (como se vê na imagem acima), com uma solução de formol, na atual Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
Diogo Alves foi condenado à morte. Curiosamente, também foi o último homem a ser executado em Portugal.
Foquemo-nos no século XX
Vicente Urbino de Freitas, 64 anos; Porto.
Foi a icónica Rua das Flores, situada em pleno coração portuense, o palco escolhido para o desenvolvimento desta história. Nesta via, assistiu-se a um dos mais insólitos casos de envenenamento, protagonizado por uma reconhecida figura da cidade: o médico Vicente Urbino de Freitas. No final do século XIX, este homem contraiu matrimónio com uma filha de um rico comerciante de linhos daquela zona, conhecida por Maria das Dores. Alguns anos após o casamento, sucederam-se um conjunto de mortes – aparentemente por motivos estranhos – de familiares diretos da sua esposa. Primeiro morreram os irmãos e, pouco tempo depois, os sobrinhos. Todo este cenário poderia ser encarado como uma simples e casual fatalidade, quiçá provocada pelo destino, mas não foi bem isso que aconteceu.
Todos os familiares de Maria das Dores morreram, depois de serem atendidos pelo médico da família: Urbino de Freitas. No seguimento das autópsias realizadas aos corpos das vítimas, chegou-se à conclusão que todas continham propriedades tóxicas no organismo, como se tivessem ingerido veneno. As desconfianças começaram a crescer. Uma vez que tinha sido Urbino de Freitas o responsável pelo acompanhamento da saúde dos parentes, este acabou por ser indiciado como culpado. É importante realçar que esta figura era muito acarinhada pelos portugueses e tinha imenso poder e influência. Rapidamente, a imprensa começou a divulgar todos os contornos do julgamento do médico e a população não se conformava com aquele escrutínio todo. O caso foi arrastado pelos tribunais durante anos. Especulou-se, tendo em conta alguns contornos da estória, que este médico poderia ter sido o responsável pela morte da família da mulher, porque pretendia herdar a fortuna do sogro. No entanto, não foi possível provar o seu envolvimento direto nos assassinatos. Urbino de Freitas, depois de ter fugido para o Brasil e de lá ter permanecido alguns anos, regressou a Portugal. Até morrer, em 1913, travou uma batalha jurídica muito longa. Ao seu lado manteve-se a esposa, com uma fé inquebrável sobre a sua inocência.
Nunca foi condenado pelos crimes.
José Borrego, 54 anos; Lisboa.
Nasceu em Trás-os-Montes, no interior de Portugal, em 1917. Decidiu partir rumo a Lisboa na década de 1960, com a missão de “acabar com o pecado”. Este homem, popularmente conhecido como Zé Borrego, era robusto e cheio de fé. Deste modo, não resistiu à voz de Nossa Senhora de Fátima que, por milagre, resolveu aparecer-lhe dentro da cabeça. O que lhe disse? “Livra-te dos homossexuais”. E ele assim o fez. Ao todo, seduziu cinco vítimas. Eram todos homens e todos gays. O seu modus operandi era sempre o mesmo: seduzia alguém do sexo masculino, convenci-o a acompanhá-lo até a uma pensão e, quando estavam prestes a consumar o encontro sexual, Borrego asfixiava as vítimas e esquartejava-as, lançando os restos mortais ao rio Tejo. Pouco tempo depois, foi apanhado pela polícia. Confessou todos os crimes, mas não esperou pela condenação. Aguardava o julgamento na cadeia mas, antes deste começar, decidiu entregar a sua alma ao Criador, poupando trabalho aos tribunais portugueses.