Conexão Lusófona

Portugal de encantar: descubra as histórias perdidas dos seus castelos

Castelo de Almourol, em Vila Nova da Barquinha (Santarém) - Fotografia: Guia da Cidade

Os castelos nem sempre foram sinónimos de beleza arquitetónica, apreciados pelos turistas e enaltecidos pela população local. Outrora, eram vistos como construções fortificadas e megalómanas da Idade Média, servindo de residência real ou feudal. Hoje em dia, são reconhecidos como museus que preservam a História de tempos idos. Portugal é um país de castelos: em cada recanto podem ser encontrados vestígios de construções de cariz militar, edificadas para defender as fronteiras nacionais contra os espanhóis e os mouros. São autênticas fortalezas que simbolizam a resistência da pátria lusitana. Por isso, decidimos planear uma viagem no tempo e descodificar as estórias da História que permanecem encrostadas nas pedras muralhadas. Sente-se confortavelmente e relembre, através da leitura, as aventuras que os castelos portugueses têm para contar.

 

Castelo de Guimarães – o berço de Portugal

 

Classificado como Monumento Nacional, o Castelo de Guimarães é reconhecido pelos episódios históricos que deram origem à nação portuguesa. No século X, a Condessa Mumadona Dias, tia do Rei Ramiro II de Leão e viúva do Conde Hermenegildo Gonçalves, ordenou que fosse erguido, na pequena vila de Vimaranes – hoje conhecida como cidade de Guimarães – um mosteiro. Esta construção servia para proteger monges e freiras, defensores do cristianismo, dos normandos – os povos oriundos do norte da Europa. Pouco tempo depois, para proteger o edifício que abrigava as ordens religiosas, a Condessa decide erguer um castelo. De forma organizada, Vimaranes vai-se desenvolvendo e crescendo à volta de dois polos dinamizadores: o mosteiro e o castelo.

 

Castelo de Guimarães, em Guimarães (Braga) – Fotografia: Guia da Cidade

O Condado Portucalense, fundado no século IX, esteve apagado durante algumas décadas até reemergir pela mão do Conde D. Henrique e da sua esposa, D. Teresa de Leão. Este punhado de terra abrangia as zonas do Minho e do alto Douro (incluindo Vimaranes) e foi um presente do Rei de Castela e Leão, aquando do casamento da sua filha (D. Teresa de Leão) com o tal Conde D. Henrique, no século XI. Estes nobres decidiram instalar-se em Vimaranes e continuaram o trabalho da Condessa Mumadona Dias. Rapidamente, as estruturas defensivas do castelo foram ampliadas e a vila continuou a expandir-se. Do casamento destes dois nobres, nasceu D. Afonso Henriques. Depois da morte do seu marido, D. Teresa ficou responsável pela governação do território, uma vez que o seu filho ainda era muito novo para governar. Ficou conhecida como a nobre que favoreceu os interesses espanhóis e que negligenciou os desejos de independência do povo que se instalara em Vimaranes. Para fazer jus aos anseios dos habitantes e para honrar a memória do seu pai, D. Afonso Henriques arma-se a si próprio cavaleiro – com apenas 14 anos – e decide reivindicar aquilo que era seu por direito. Ficou conhecido como o filho que se revoltou contra a própria mãe, desafiando-a para uma batalha que iria decidir o curso da história do Condado Portucalense. Sucede-se a batalha de São Mamede, da qual D. Afonso Henriques sai vitorioso. Tomadas as rédeas do território, este jovem nobre conquista o cognome de primeiro Rei de Portugal. Depois da assinatura do Tratado de Zamora, um acordo de paz entre Castela e o Condado Portucalense, o título de independente é conquistado e o Reino de Portugal nasce, dando origem à nação portuguesa.

 

Depois de séculos, o Castelo de Guimarães continua a ser um símbolo histórico, plantado no coração nortenho do território português (distrito de Braga). Está aberto a todos os curiosos que pretendam conhecer e explorar mais sobre o “berço” do país. Saiba mais aqui.

 

Castelo de Guimarães, em Guimarães (Braga) – Fotografia: Turismo em Guimarães

 

Castelo de Almourol – o bastião dos Cavaleiros Templários

 

Este imponente edifício é um dos mais singulares do país. Está edificado numa ilha, rodeada de pedras, no curso médio do rio Tejo. O concelho de Vila Nova da Barquinha, que pertence ao distrito de Santarém, abraça este monumento militar medieval, há muitos séculos. Não se sabe com precisão as origens da ocupação deste local. Contudo, o que importa reter é que os muçulmanos conquistaram a ilha aos Visigodos, durante o século VIII. Depois disso, quando os cristãos conquistaram a Península Ibérica, D. Afonso Henriques (a tal figura que fundou o Reino de Portugal) entregou o castelo à Ordem dos Templários – os monges guerreiros que se fixaram em Portugal e ajudaram a conquistar vários territórios aos mouros (ou árabes). Este já existia, mas tinha um aspeto e nome diferentes: era conhecido como Almorolan. Os Templários rapidamente converteram o monumento numa fortaleza, visando defender a antiga capital do reino: Coimbra. Apesar do castelo ter sido reconstruído, muitas das suas características arquitetónicas originais foram preservadas e, até hoje, continuam visíveis. Através de uma epígrafe, colocada sobre a porta principal do edifício, sabemos que a conclusão das obras deu-se em 1171.

 

Castelo de Almourol, em Santarém – Fotografia: Câmara Municipal de Vila Nova da Barquinha

Com a extinção da Ordem dos Templários e afastada a conjuntura reconquistadora que justificou a sua utilização na época medieval, o Castelo de Almourol passou por um período de esquecimento e abandono progressivos. No século XIX, quando o processo mental pela procura da revalorização da Idade Média começou a surgir, este monumento foi reinventado à luz dos padrões românticos da medievalidade. Consequentemente, muitas das estruturas primitivas foram sacrificadas, em benefício de uma ideologia que pretendia transformar os edifícios medievais em verdadeiras obras-primas, repletas de pormenores, sem precedentes na herança patrimonial.

 

Durante o século XX, o local foi escolhido para ser uma residência oficial da República. Foram realizados alguns eventos durante o regime ditatorial do Estado Novo, mas o castelo nunca mais foi habitado. Hoje, para o visitar precisa de o fazer de barco, a partir do cais de Tancos.

 

Castelo de Almourol, em Santarém – Fotografia: Câmara Municipal de Vila Nova da Barquinha

Se é um apreciador de lendas, deixamos-lhe uma a título de curiosidade. Conta-se que, no século XII, o senhor deste castelo chamava-se Almorolon – um árabe – que deu origem ao nome do edifício. Segundo os relatos, era pai de uma filha formosíssima. Ora, quis o destino que esta jovem donzela se apaixonasse por um cavaleiro cristão – o inimigo mortal dos árabes. Devido a este enamoramento, a jovem revelou ao seu apaixonado como entrar à socapa no castelo. A essas incursões amorosas seguiu-se uma emboscada, protagonizada pelos outros cavaleiros cristãos que haviam seguido o companheiro. Desta forma romântica (e traiçoeira), o castelo de Almorolon foi conquistado aos mouros. Diz-se que os dois apaixonados se atiraram ao rio, preferindo a morte ao cativeiro que resultou de tão vil derrota.

 

Para observar o Castelo de Almourol visto do céu, carregue aqui.

 

Castelo de Santa Maria da Feira – a obra que resistiu ao tempo

 

O Castelo de Santa Maria da Feira localiza-se na cidade e concelho que lhe tomaram o nome (Santa Maria da Feira), no distrito de Aveiro. Este edifício é considerado um dos exemplos mais completos da arquitetura militar medieval portuguesa. Embora a ocupação do local remonte à pré-história, este ganhou uma maior relevância quando os lusitanos decidiram erguer um templo em honra da divindade Bandeve-Lugo Tueræus. Nomes de deuses (complicados) à parte, durante o período da Reconquista Cristã realizava-se, no local, uma grande feira regional. Graças à magnitude desse evento, o nome da atual cidade – onde está sediado o castelo – passou a ser Feira.

 

Além de espelhar a diversidade dos recursos defensivos utilizados entre os séculos XI e XVI, o Castelo da Feira teve uma grande importância político-cultural. Recorda-se da batalha de São Mamede? Aquela que foi travada por D. Afonso Henriques e por D. Teresa de Leão, sua mãe? Pois bem, foi graças ao alcaide (governador) deste castelo, Pêro Gonçalves de Marnel, que a batalha foi vencida tão rapidamente. Este ajudou o primeiro rei de Portugal no processo de reconquista e autonomia do Condado de Portucalense, tomando o seu partido e assegurando-lhe força militar.

 

Mais tarde, D. Sancho I, filho de D. Afonso Henriques, redigiu um documento real que oficializava este castelo como um dos locais eleitos para um eventual refúgio da rainha de Portugal – se ficasse viúva – e das infantas.

 

Castelo de Santa Maria da Feira, no distrito de Aveiro – Fotografia: Direção Regional de Cultura do Norte

As grandes obras que lhe regulam o aspeto e lhe definem o caráter arquitetónico visível datam de finais do século XV. Na posse da coroa ou de particulares, tendo em conta os emaranhamentos da história portuguesa, o castelo foi sofrendo algumas obras de conservação e remodelação, mas nunca perdeu o seu caráter medieval inicial. Decorria o século XVIII quando sofreu um violento incêndio, evento que marcou o início do seu declínio e ruína. No século XX, com a criação da Comissão de Proteção e de Conservação do Castelo, iniciou-se a sua reabilitação, continuada até 2006. Hoje, o Castelo da Feira continua a resistir ao tempo, alimentando a ligação passado-presente.

 

Castelo de Santa Maria da Feira, no distrito de Aveiro – Fotografia: Direção Regional de Cultura do Norte

Se é um adepto de festas icónicas, preste atenção: todos os anos, a cidade da Feira viaja, literalmente, no tempo. Durante 12 dias, no mês de agosto, o município celebra a Viagem Medieval: evento que recria os momentos históricos de Portugal. Pelas ruas, encontram-se saltimbancos, malabaristas, cuspidores de fogo, reis e rainhas, bruxas, ferreiros, almocreves e outras personagens que ajudam os visitantes a viajarem pelo passado. Todos os anos, é eleita uma época histórica e segue-se à risca o desenvolvimento da mesma. Se visitar o Castelo de Santa Maria da Feira nesta altura, poderá apreciar cenas da vida quotidiana de tempos idos, participar nos famosos festins e saborear as iguarias da época, em volta da fogueira. Explore mais aqui.

 

Castelo de Óbidos – a cidadela impenetrável

 

Estima-se que Óbidos tenha sido edificado pelos Celtas no ano 308 a.C.. Ao longo do tempo, este local tentou ser dominado pelo povo Fenício – vindo da Eritreia -, mas esta tentativa falhou graças à resistência militar dos Celtas – habitantes indo-europeus. Mais tarde, este mesmo povo acabou por ceder perante os romanos, que conquistaram esta terra, considerada de primeira ordem devido à sua localização geográfica (fica situada perto do mar, facilitando o comércio marítimo). Segundo alguns historiadores, o nome Óbidos descende da denominação romana Oppidum que significa vila fortificada.

 

Com o declínio do Império Romano, vários povos foram invadindo Portugal, como os Alanos, os Suevos e os Godos, aos quais se sucederam as invasões Árabes. Tal como aconteceu com quase todo o território português, a vila de Óbidos passou a ser administrada pelos mouros, que continuaram a fortificar o local e permaneceram nesta terra de 711 a 1148.

 

Após a conquista de Lisboa, D. Afonso Henriques decidiu reivindicar Óbidos. A história deste local começa a ficar interessante exatamente a partir desta iniciativa militar. Foi conquistado devido a uma estratégia inteligente, utilizada pelos portugueses. O castelo era famoso por ser considerado “impenetrável”. Por isso, foi necessário delinear um estratagema que facilitasse a entrada dos portugueses. Conta-se que, durante a noite, um grupo de cavaleiros lusitanos tentou invadir o local pela parte nascente, enquanto os restantes militares chamavam a atenção dos árabes na porta do castelo, situada a poente, conhecida como a “Porta da Vila”. Os cavaleiros que tentavam entrar à socapa estavam camuflados com arbustos e moitas. Foram descobertos pela filha do governador do local. Consequentemente, o alcaide, ao ser informado sobre a tentativa de invasão, julgou que tinha sido traído por alguém e gritou, como sinal de alarme, as palavras “traição, traição”, fazendo com que a tal “Porta da Vila” passasse a ser conhecida também como a “Porta da Traição”.

 

Castelo de Óbidos e a sua vila, no distrito de Leiria – Fotografia: Waugsberg

De acordo com a história, a batalha foi renhida. Contudo, os mouros foram conquistados, depois de muito resistirem, e o Castelo de Óbidos e a vila que este envolve passaram a ser espaços geridos pelos portugueses.

 

Durante anos, o Castelo de Óbidos ficou nas mãos da coroa nacional. No reinado de D. Dinis, este local foi oferecido a D. Isabel, a sua esposa, no século XIII. A partir desse momento, este passou a pertencer à Casa das Rainhas: conjunto de bens outorgados pelos monarcas portugueses às suas consortes. Ao longo das várias dinastias, as rainhas portuguesas foram beneficiando e enriquecendo aquela terra. É devido a este facto – porque as mulheres da época eram muito devotas – que existem tantas igrejas nesta pequena localidade.

 

O Castelo de Óbidos pertence ao distrito de Leiria. Está muito perto de Lisboa, debruçado sobre o mar. Devido ao terramoto de 1755, que assolou a capital portuguesa, este edifício sofreu alguns desgastes. Ao longo do tempo, foi restaurado e muitos dos traços árabes e medievais ainda são visíveis.

 

Castelo de Óbidos, no distrito de Leiria – Fotografia: Joaquim Gaspar

Garantimos-lhe, desde já, que qualquer altura é boa para visitar esta zona tão pitoresca. As muralhas do castelo envolvem uma pequena vila, cheia de histórias para explorar. Se quiser, pode pernoitar uma noite no castelo e desfrutar de um verdadeiro ambiente real. Saiba mais aqui.

 

Castelo de São Jorge – a fortificação reconstruída 

 

O Castelo de São Jorge está localizado na zona nobre da antiga cidadela medieval (alcáçova). Esta zona é constituída pelo castelo, pelos vestígios do antigo paço real e por uma área residencial exclusiva para elites. Está situado numa posição dominante, sobre a mais alta colina do centro histórico de Lisboa, proporcionando, a quem o visita, umas das vistas mais deslumbrantes sobre a cidade e o estuário do rio Tejo.

 

A construção deste castelo foi supervisionada pelos mouros, mantendo-se sob a sua alçada até 1147. Neste ano, D. Afonso Henriques – que marcou presença em quase todas as conquistas territoriais portuguesas – , apoderou-se de Lisboa, angariando mais um castelo para a sua coleção. O Castelo de São Jorge conheceu o seu período áureo enquanto espaço cortesão. O antigo edifício de origem árabe foi adaptado e ampliado para acolher o rei, a corte e o bispo, servindo também de arquivo real.

 

Transformado em paço real pelos reis de Portugal, durante o século XIII, este edifício muralhado foi o local eleito para se receberem as mais ilustres personagens nacionais e estrangeiras. Além disso, foi palco de festas luxuosas e assistiu à aclamação de reis portugueses ao longo dos séculos XIV, XV e XVI.

 

Ganhou o nome de Castelo de São Jorge, por ordem de D. João I – o Mestre de Avis -, durante o século XIV, homenageando o santo padroeiro dos cavaleiros e das cruzadas.

 

Castelo de São Jorge, no distrito de Lisboa – Fotografia: François Philipp

O aspeto medieval foi-se perdendo no tempo. Após o terramoto de 1755, o castelo ficou parcialmente destruído e foi sendo reconstruído, escondendo algumas das ruínas mais antigas que compunham o seu ADN.

 

Durante o período do Estado Novo – regime ditatorial que vigorou em Portugal durante 40 anos -, este edifício sofreu ainda mais reparos. A reconstrução do Castelo de São Jorge não respeitou quase nada da traça original da antiga fortaleza. O país estava mergulhado num profundo orgulho nacionalista e era fundamental exaltar a beleza dos monumentos portugueses, que simbolizavam os tempos áureos de Portugal. De 1938 a 1940, o tecido urbano envolvente foi modificado em grande escala. Foram demolidos diversos edifícios do quartel e foram reaproveitados alguns vestígios de construções anteriores. No meio de tantas demolições, estima-se que se tenha tirado um total de entulho de 120.000 m³, sendo que, em alguns casos, as escavações atingiram profundidades de 8 metros. As obras de restauro foram tão densas que alguns historiadores referem que o Castelo de São Jorge deixou de ser uma construção com séculos, para passar a ser um edifício com cerca de 80 anos.

 

É importante realçar que, também graças a estas obras, os vestígios do antigo paço real foram descobertos. Parte do castelo voltou a adquirir um valor histórico secular. No final do século XX, as investigações arqueológicas promovidas, em várias zonas do edifício, ajudaram a repescar algumas antiguidades, fundamentando a classificação do Castelo de São Jorge como Monumento Nacional.

 

Antigo Paço da Alcáçova – Castelo de São Jorge, antes das remodelações – Ilustração: Alfredo Roque Gameiro

 

Castelo de São Jorge, no distrito de Lisboa, depois do período de restauro – Fotografia: Stefan Didam

Os testemunhos dessas marcas do passado são, agora, dados a conhecer na Exposição Permanente, localizada no Sítio Arqueológico. Saiba mais aqui.

 

 

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