Porque é que ser ativista no Brasil é (quase) uma sentença de morte?
Se consultarmos o dicionário de Língua Portuguesa e procurarmos o significado de “ativista”, encontramos a seguinte definição: “pessoa que trabalha de modo ativo por uma causa”; “quem atua e se move por uma ideologia política e/ou social”. Esta palavra advém do latim “activus”, de “actus”, que significa “algo feito”, aglutinada com o termo “agere” que, por sua vez, quer dizer “agir, realizar, fazer ou colocar em movimento”. Tendo em conta esta simbologia, pergunto-lhe: como é que é possível que alguém que se move por uma causa, em prol do bem-estar social, seja assassinado brutalmente, em pleno século XXI e em pleno estado democrático? Pelo segundo ano consecutivo, o Brasil ocupa o primeiro lugar no balanço realizado pela ONG Global Witnes – “A que preço?” -, como o país com o maior número de mortes de ativistas ambientais. Em 2017, morreram 57.
Segundo os dados divulgados, o ano de 2017 foi o mais violento para os defensores do meio ambiente. No total, pelo mundo, foram assassinadas 207 pessoas que lutavam contra as imposições políticas, a corrupção, o impacto ambiental e as pressões sociais. 60 % dessas mortes deram-se na América Latina e o território brasileiro foi considerado o mais letal para os ativistas. Se analisarmos um período mais alargado – que compreende 11 anos (de 2002 a 2013) -, 908 pessoas perderam a vida enquanto defendiam a preservação do meio ambiente. Mais uma vez, os países da América Latina destacam-se pela taxa de assassinatos. Em segundo lugar no ranking publicado, está as Filipinas, com 48 mortes; em terceiro, a Colômbia, com 24 mortes. No continente africano, morreram 19 ativistas, sendo que 12 eram da República Democrática do Congo: um dos países mais pobres do mundo. Estes números foram apenas os que foram identificados e ganharam voz, mas a grande maioria das vítimas não são declaradas. As vidas são ceifadas – paulatinamente – como se não valessem nada.
A Global Witness revelou que a maioria dos ativistas foram executados porque se opuseram a projetos florestais, a esquemas agroindustriais e a propostas de empresas de mineração. O agronegócio, relacionado com as plantações de café, óleo de palma e banana, foi o setor identificado como o intensificador dos ataques antiambientalistas. É importante realçar que a plantação de palma, no Brasil, quadruplicou nos últimos oito anos. Entre as vítimas estão os líderes locais, encarregados de proteger a fauna e a flora selvagens, e as “pessoas comuns” que tentavam apenas defender as suas propriedades.
Modus operandi
A maioria destes assassinatos ocorre sempre da mesma forma – tal como os procedimentos de um serial killer. Primeiro surgem as ameaças contínuas contra as comunidades a abater. Através de campanhas de difamação e de discursos de ódio, os povos indígenas são os que mais sofrem. “Obstáculos que enviesam o desenvolvimento”, “terroristas”, “primitivos” ou “bandidos”, são algumas das justificações utilizadas. Rapidamente surgem os mandatos de prisão, baseados em acusações falsas, que, na maioria das vezes, acabam por ficar pendentes, mas servem para que as comunidades ativistas vivam sob uma ameaça perpétua, evitando que ripostem. Quando decidem reivindicar aquilo que é deles por direito, muitos dos líderes indígenas são presos e permanecem anos encarcerados, à espera do julgamento. Nos piores casos, o militarismo, a legislação antiterrorista e os “estados de emergência” são os termos utilizados para justificarem a crescente violência física.
Para facilitar a visualização desta carnificina, pedimos-lhe que recue connosco no tempo. Em 2017, durante o mês de maio, a comunidade dos índios Gamela, do interior do estado do Maranhão, foi brutalmente atacada devido a uma disputa de território. Repletos de armas, um grupo de fazendeiros atacou as pessoas da etnia Gamela, ferindo 22 pessoas, incluindo crianças. Porquê? Por causa de disputas de território, em função do lucro e do dinheiro. As pessoas foram completamente apanhadas de surpresa e pouco puderam fazer para se defenderem. Para reforçarem a ameaça, os fazendeiros deceparam as mãos dos moradores e tentaram esquartejá-los. O que foi feito? Nada. Nenhum dos responsáveis foi julgado, refletindo a ampla cultura de impunidade brasileira, bem como a falta de ações que defendam os ativistas e as comunidades.
Este tipo de ataques é cada vez mais frequente, principalmente no Brasil. O governo do Presidente Michel Temer e as medidas legislativas têm enfraquecido a capacidade de criação de leis e instituições, capazes de protegerem os direitos dos povos indígenas e dos ativistas. Segundo consta no relatório da Witness, o governo brasileiro continua a promover os investimentos das grandes empresas, que não se preocupam minimamente com a devastação humana ou ambiental. Aliás, estas são vistas como “a solução” para os problemas económicos do país, deixando de lado os impactos que estas possam causar nos ecossistemas mais frágeis.
Em 2004, o governo brasileiro criou um programa de proteção para ativistas, conhecido como o Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH). Monitorizar os locais de atuação dos ativistas, proteção policial e assistência federal são apenas algumas das medidas que o plano tenta implementar. Este foi expandido em 2005, após a morte da missionária e ativista ambiental na Amazónia, Dorothy Stang. Contudo, segundo o Comité Brasileiro de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos (CBDDH), a iniciativa sofre com a falta de verbas e com o sucessivo desinteresse político do país. Durante a governação de Temer, este apoio quase não foi mencionado. Aliás, a impunidade é um dos fatores que ajuda a fortalecer a violência, incrementando as ameaças contra ativistas e defensores ambientais e sociais.
A ONG Global Witness, aquando da divulgação do relatório, deixou uma série de recomendações para travar estes números. Fortalecer os orçamentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e da Fundação Nacional do Índio (Funai), são apenas alguns dos exemplos. Além disso, alertou que é fundamental priorizar e investir em projetos como o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos.
Se o Brasil é um país onde a democracia impera, a liberdade de expressão não deveria ser um direito solene e indiscutível? Enquanto nos debatemos com esta questão, algum ativista é assassinado porque decidiu lutar a favor de uma causa social. O direito a um meio ambiente sustentável é fundamental para o bem-estar coletivo. Aliás, os direitos ambientais estão consagrados nas Constituições de mais de 100 países, incluindo na do Brasil. Contudo, as pessoas que decidem apoiar uma causa e dedicar-se à conquista de concessões que a dignifiquem, são assassinadas e, muitas das vezes, o crime não é penalizado ou analisado. Se estiver interessado e quiser saber mais sobre o estudo desenvolvido, consulte a página da Global Witness e descarregue o estudo realizado, de forma gratuita.
Em baixo, deixamos-lhe o vídeo que resume a campanha de sensibilização da ONG britânica. Aqui, podemos encontrar alguns dos ativistas ambientais que fazem parte de um movimento global que visa proteger o planeta. São exemplos de pessoas que estão na linha da frente de combate, contra as mudanças climáticas e os interesses económicos, em benefício dos ecossistemas e da proteção dos direitos humanos. Defendem causas como a sustentabilidade, a biodiversidade e a justiça; causas que não têm preço.
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