Porque é que todos falam de Conan Osiris
3 minDa sua dimensão pessoal, poderia ignorar-se tudo e fazer do sucesso atual o foco absoluto do seu retrato; mas Conan Osiris é um artista e, como tal, não cria a partir do nada. Nasceu em Lisboa, em 1989, com o nome de Tiago Miranda. Atualmente, está a viver uma das fases mais promissoras da sua carreira enquanto Conan Osiris, mas parece evidente que este e Tiago são a mesma pessoa, porque a “personagem” emana genuinidade.
Depois de já ter dado muito que falar, parece que ainda maior popularidade e fama chegaram para assegurar a continuação da sua carreira. Visibilidade não lhe tem faltado; mas, em simultâneo, também não escasseia o talento e o esforço, que permitiram a sua ascendência até ao sucesso. Depois de ter passado a maior parte da sua vida, em frente ao computador, “a vender dildos” e a tirar férias para conseguir compor os seus álbuns de raiz, como referiu durante uma conversa informal na Mega Hits, Osiris é uma história de sucesso francamente atípica.
Com a recente vitória do Festival da Canção, em Portugal, cujo resultado foi ditado pela votação popular, o músico garantiu o seu lugar no Festival da Eurovisão como representante nacional. É de realçar, também, que o lisboeta assegurou o seu apuramento através de uma votação que, esmagadoramente, o preferiu em detrimento dos restantes candidatos. Há quem diga que o mesmo pode acontecer durante a competição europeia, mas esse já é outro assunto que, para já, soa precoce.
A música de Conan Osiris
Ele define-a como “música normal”, dá para acreditar? Pois. O músico do momento, que não encaixa em nada do que já se ouviu até agora no contexto português, apelida as suas criações de normais. No entanto, os motivos por detrás dessa sua expressão — e desengane-se quem acha que ele faz afirmações acidentais quando os assuntos são de maior profundidade — ficam muito bem explicados. No fundo, Conan sente que a música que faz é a música dele, da sua história, do seu intelecto. Por isso, para ele, é a sua normalidade. Tendo em conta que isto é dito por uma pessoa que defende a diferença como normalidade, erradamente considerada ou rotulada como anormalidade, faz todo o sentido.
Felizmente, desde o seu trabalho até à forma como se apresenta, de normativo Osiris tem zero ou quase nada. As suas influências vão desde os ritmos africanos, árabes e ciganos até ao fado e à música psicadélica. Essa mistura resulta num som único em Portugal. Portanto, à sua imagem irreverente, que se pauta pelas vestes excêntricas e detalhes visuais peculiares (como os cortes nas sobrancelhas), junta-se um estilo musical realmente distintivo. Talvez por isso seja tão frequentemente comparado a António Variações (1944 – 1984), emblemático artista português que marcou a história da música nacional pelo seu carisma, originalidade, composição, estilo e pioneirismo.
Pioneirismo?
O que é certo é que Conan Osiris é pioneiro em qualquer coisa; quiçá, em mais do que uma coisa, até. Desde o cenário queer que representa até ao cântico fadista anti-herói que carrega na voz, o português não deixa de soar altamente despretensioso, honesto e criativo. As suas letras são polémicas, pela aleatoriedade e pela mundanidade do que retratam (assuntos como a celulite, os telemóveis, amigdalites ou bolos), mas desafiam o mais desinteressado ouvinte a prestar atenção. As suas batidas, sendo igualmente inovadoras, são quase viciantes.
Até ao momento, Osiris já lançou dois álbuns de estúdio, “Música, Normal” (2016) e “Adoro Bolos” (2017) — este último sendo considerado uma peça de culto. Antes disso, e desde 2008, o cantautor já desenvolvia outros projetos musicais, em parcerias e individualmente, também na língua inglesa. A licenciatura em Design de Comunicação e Produção Audiovisual, que frequentou na Escola Superior de Artes Aplicadas de Castelo Branco, pode ter ajudado a melhorar o seu engenho; no entanto, garante que aprendeu música sozinho.
Não se sabe bem o que vem a seguir, porque os holofotes da Eurovisão ainda estão por acender. Independentemente disso, e da sua classificação, não há dúvida de que Tiago Miranda já cá andava antes; agora ganhou umas asas muito particulares, cedidas pela catapulta que estes festivais — da Canção e da Eurovisão —, naturalmente, possibilitam.
Conan Osiris nas bocas do mundo
O facto de o fenómeno Conan Osiris ter acontecido em Portugal também aponta a carência da cultura pop no cenário nacional. Não se trata, propriamente, de um panorama com muita “oferta”, tampouco de sons revolucionários e desafiantes ou personagens desconstrutivas. Ainda assim, não é só em Portugal que Osiris soa bem ou refrescante. Já foi merecedor de muitas apreciações positivas e é visto como um forte concorrente do concurso de canções europeu.
O seu nome artístico também não deixa ninguém indiferente. Conan serve de menção à série de animação japonesa “Conan — o rapaz do futuro”, de Hayao Miyazaki, e Osíris é um deus da mitologia egípcia. Assim, algures num espaço e tempo indefinidos entre o futuro e o mítico, numa mixórdia que cozinha o tradicional com o moderno, Tiago Miranda é a inovação na medida certa. Talvez a medida certa seja aquela que parece errada à primeira vista — como acontece, usualmente, com as transgressões e os/as transgressores/as.
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