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Oito pensamentos inspiradores de Valter Hugo Mãe para toda a lusofonia

Valter Hugo Mãe é um verdadeiro autor da lusofonia, de sangue angolano, nascido em 1971 na cidade de Saurimo e radicado em Portugal. Embora se ocupe de várias atividades artísticas, é mais conhecido como escritor. Entre os seus romances, destacam-se “o remorso de baltazar serapião” (2006), “a máquina de fazer espanhóis” (2010) e “o filho de mil homens” (2011). Além do seu reconhecimento internacional, que faz dele um autor aclamado em países como o Brasil, a Alemanha, a Espanha e a França, Valter Hugo Mãe é também um pensador contemporâneo. Algumas das suas reflexões desenrolam-se em torno de grandes questões como a felicidade, a morte, a existência de Deus, o amor e a paz.

 

Conheça alguns dos seus pensamentos e opiniões. Garantimos que, no mínimo, irá entrar numa viagem de reflexão sobre os temas que o autor aborda.

 

Num comentário sobre a Humanidade:

“A Humanidade é uma construção de proteção de coletivo que difere do bicho que somos. Imagine que você é uma espécie de tela e que nós vamos passar nela um filme… a Humanidade é esse filme; não é a tela. Você projeta nessa tela, eventualmente, um bom filme ou um mau filme”. (…)

 

“Ninguém é, apenas, individualmente alguém. Toda a nossa individualidade é uma espécie de reduto de coletivo. Você não nasce capaz de nada; você nasce e procede porque alguém, por algum motivo, cuidou de você. Em última análise, aquilo que você é depende do que outros também são. A sua identidade vai ser sempre uma questão coletiva, nunca vai ser uma questão absolutamente individual. Quando você acha que chegou a um estado absolutamente maduro de ser quem é, isso significa, eventualmente, que atingiu um equilíbrio com os outros — porque essa é a única maturidade. Se não estiver em equilíbrio com os outros, você deixa de ser gente”.

 

Num comentário sobre a liberdade:

“Não aceito que alguém possa excluir os outros. Eu acho que as pessoas são livres para, se quiserem, dormirem com menina ou menino, o que for… mas não são livres de impedir os outros de decidirem também. Por isso, tudo o que emagrece o direito do outro, e que não é uma componente do nosso direito coletivo — é apenas um direito individual e íntimo do outro — eu acho que não é possível sequer discutir”.

 

Num comentário sobre a vida, a morte e a existência de Deus:

“Seria quase injusto que a experiência de estarmos aqui valesse só depois da morte. Como se precisássemos de morrer para criar uma espécie de satisfação ou de equilíbrio. Acho que isso é completamente o contrário do que nos compete. A gente tem que conquistar, ou tem que angustiar-se com essa busca, antes. Eu vejo a morte como a grande oportunidade. Das duas uma: ou nos vai levar à transcendência e vamos todos viver felizes nas nuvens, numa temperatura parecida com a do Brasil, onde o inverno é ótimo, não é… ou existe essa transcendência de facto e alguém nos espera, eventualmente, ou então não existe rigorosamente nada e nós vamos sossegar absolutamente. Porque a gente não vai ter mais angústias, a gente não vai ter nada, a gente não vai ter, não vai ser. Por isso, a morte parece-me sempre uma coisa que nós tememos porque ela não nos está revelada, mas eu não tenho dúvida que ela só pode ser isto”. (…)

 

“A primeira pessoa que eu queria convocar era Deus; a primeira pessoa que eu precisava que descesse diante de mim e se responsabilizasse pelas respostas que eu procurava era Deus. Por isso, o nosso reino, esse primeiro romance, ele é toda uma espécie de provocação a Deus. Ao mesmo tempo, é um ganho de consciência de que, antes de convocar Deus, nós precisamos de convocar os homens. Eu até costumo dizer que a gente só tem legitimidade para acreditar em Deus depois de acreditar nos homens, porque esse é de facto o nosso desafio. Enquanto não conseguirmos estabelecer uma harmonia respeitosa entre uns e os outros, e se não conseguirmos estabelecer essa harmonia, até é bom que Deus nem exista. Porque Deus, se existir e nos tiver inventado — e nós precisarmos de atingir esse equilíbrio e não tivermos atingido — vai estar muito zangado connosco. No fundo, o que eu estou a dizer para você é: eu não sei se Deus existe… talvez acredite mais em São Bento. Mas, até que eu possa chegar ao tempo da minha morte, eu quero viver de consciência limpa e acho que, no fundo, o objetivo é esse. Limparmos a consciência aquém da ideia de transcendência”.

 

Num comentário sobre a felicidade:

“A gente desenvolve uma ideia muito prática da felicidade. As pessoas acham que a felicidade é um exercício, como manter o desporto, como manter uma atividade qualquer — vou-me manter ativo na felicidade. Claro que, eventualmente, vai falhar, e é sobretudo uma construção muito superficial, porque a felicidade é uma coisa muito endémica e tem de ser uma consciência, tem de ser uma consciencialização. Por isso, a felicidade está muito mais perto da inteligência do que da ignorância. Aquela ideia de que o ignorante é feliz… não, o ignorante passa pela vida, eventualmente, como uma abstração. A felicidade é uma coisa que a gente constrói através duma esperteza, duma lucidez, e nunca da alienação”.

 

Num comentário sobre a Literatura como Arte:

“Eu gosto de coisas que constantemente me possam deslocar e me possam exigir uma decisão. Como se me estivessem a perguntar o que é que eu penso sobre isto, mais do que eu concordar ou discordar com o livro — o livro impor que eu saiba responder a uma determinada questão. Eu isso gosto. Acho que a literatura só é arte quando atinge esse patamar. Se for uma coisa tão suavezinha que não nos retire do nosso conforto, eventualmente, não é uma obra de arte; é só um relato. A literatura precisa de colocar em perigo o conforto do leitor, para que o leitor sinta que ler aquele livro pode mudar alguma coisa; pode ter implicações na sua própria conduta. Isso é que vale a pena”.

 

Num comentário sobre José Saramago:

“Quando conheci o José Saramago, enfim… as pessoas que passaram perto dele elogiavam muito a obra, a obra, a obra. O meu discurso foi muito no sentido de dizer a honra que eu tinha de estar com, especificamente, aquele homem, que tinha muita coisa com a qual eu discordava, mas que foi sempre um indivíduo que se incomodou. Ele esteve sempre incomodado com o coletivo, sempre incomodado com os assuntos de defesa do coletivo. Ele ganhou o Nobel e virou ainda mais chato! Podia pensar assim: ganhei o Nobel, tenho uma casa maravilhosa numa ilha, dinheiro, uma mulher maravilhosa, nova; o que é que ele podia estar a problematizar, a colocar defeito à sua vida? No entanto, ele virou ainda mais contestatário, punha mais a boca no trombone, incomodava-se com todas as coisas, era muito presente nos assuntos portugueses, opinava sobre tudo. Informava-se, opinava e, a maior parte das vezes, até acertava. Eu admiro muito estas pessoas”.

 

Num comentário sobre a forma como usa a língua portuguesa:

“O modo como escrevo, o despudor com que eu uso a língua portuguesa, tem muito que ver com o fascínio que tenho pelo modo como chega a língua portuguesa de outros lugares. Porque a gente, quando fica num só lugar, entra numa certa ortodoxia do uso da língua, usamos de uma determinada forma. Mas quando a mesma língua chega de outro lugar, do depois do mar, chega deturpada. Para nós ela é outra coisa, para vocês [brasileiros/as] é uma regra, uma norma; para nós é uma coisa esdrúxula, uma coisa bizarra. Isso foi uma das maiores aprendizagens que eu tive”.

 

Num comentário sobre Portugal e o povo português:

“Geograficamente, Portugal é um canto da Europa.  Fernando Pessoa diria que é o rosto com que a Europa fita o mundo. Mas viver ali, ficar ali… há uma certa sensação de compressão, a gente fica meio esmagada de encontro à água; e o mar, sendo iminentemente um sinal de fuga, de ponto de partida, ao mesmo tempo é uma fronteira, um paredão líquido que o povo português enfrenta. Então, há uma certa ansiedade no português, uma ansiedade antiga de poder sair: a maravilha de ver outros povos e de estar em lugares, talvez até mais centrais, onde se perceba mais a mesclagem. Quando a gente fica assim num canto de uma coisa parece que mescla menos, vira assim um reduto duma espécie de pureza de qualquer coisa. E a pureza não é muito contemporânea e não é tão interessante assim”.

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