Conexão Lusófona

País de contrastes: entre a tempestade e a bonança

(Imagem: Reprodução <a href=“Imagem de Freepik)

Os brasileiros são a maior comunidade imigrante em Portugal. Apesar de estarem debaixo do mesmo céu, o sol nem sempre brilha de igual forma para todos e no caminho enfrentam momentos de incerteza. Gilma Trancoso, Manuella Rainha, Jacqueline Alexandre e Sarah Lopes revelam o que os trouxe a Portugal e que pedras encontraram no caminho até se sentirem integradas

 

Portugal acolhe milhares de brasileiros diariamente. De acordo com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), cerca de 233.138 mil pessoas atravessaram o Atlântico, à procura de uma nova casa e uma nova vida neste cantinho da Europa. O início é atribulado, em especial por causa da burocracia exigida na legalização. Às habituais dificuldades de um começo, junta-se o medo e a incerteza. Ainda assim, nada demove os emigrantes e lhes rouba a vontade de começar do zero.

Gilma Aguiar, 27 anos, decidiu deixar tudo para trás e partir para Portugal à procura de uma nova vida. Ao desafio de era criar a filha de apenas quatro anos sozinha, juntavam-se as dificuldades económicas que se faziam sentir no Brasil. Apesar de já estar estabelecida em Portugal há 16 anos, o objetivo inicial não era ficar por cá, mas sim poupar dinheiro para se mudar para Inglaterra: “A minha vida estava toda dando errado. A minha ideia era vir para cá, aperfeiçoar o inglês, trabalhar e ganhar algum dinheiro durante julho e agosto. Depois, ir para a Inglaterra, conseguir um emprego lá por mais quatro meses e, depois, voltar para o Brasil em dezembro, já com outros rendimentos. Nunca foi Portugal o destino, mas Portugal foi consequência”.

Deixar a filha num país do outro lado do oceano foi o pior momento da vida de Gilma. Sabia que no Brasil não ia encontrar a qualidade de vida que queria dar a Sophia e que emigrar seria a escolha mais acertada, mas, ainda assim, confessa que foram anos muito complicados. “Já tive vontade de ir embora. Quando olhamos para o lado e não temos o que comer, bate aquele desespero. Depois, pensava na minha filha e, aí, ganhava motivação e vontade de correr atrás da vida que eu queria para ela.” Durante esse período, a filha ficou a viver com os avós e, ao fim de oito anos, Gilma conseguiu finalmente trazer a menina para Portugal. Analisando esses tempos. Guilma Aquilar admite que “naquela época, não tinha maturidade para resolver os problemas”. E acrescenta, convicta: “Se fosse hoje, certamente teria feito as coisas de forma diferente.”

A sua estreia em Portugal foi tranquila. “Cheguei a Peniche dia 14 de julho e dia 21 já estava a trabalhar”, refere. Ainda assim, nem tudo foi um mar de rosas, já que o dinheiro que fazia com esse part-time não era suficiente para se sustentar. Decidiu mudar-se para a capital, onde tinha um familiar. “A minha tia morava em Lisboa e me convidou para ir morar com ela. Dizia que seria muito mais fácil arranjar trabalho.” Infelizmente, os planos em Lisboa não correram como esperado. Gilma não conseguiu encontrar um emprego a tempo integral e as poupanças que tinha dos meses anteriores começaram a escassear. “Como não conseguia trabalho fixo, a minha tia sugeriu que fosse para a prostituição. Dizia-me que brasileira que não conseguia trabalho, tinha de trabalhar na noite”, conta. Mas não eram esses os princípios que trazia consigo: “Não eram esses os valores que eu tinha na minha casa. Por isso, decidi voltar para Peniche, onde já tinha alguns conhecidos que me podiam ajudar.” Assim que conseguiu, fez as malas e voltou para a vila da zona oeste que desde sempre a acolheu e onde, num curto espaço de tempo, arranjou um quarto e um emprego. “Lembro-me perfeitamente desse dia. Era uma terça-feira”, refere.

Ao longo deste percurso, Gilma conta nunca ter tido ajuda de associações e considera que estes grupos de apoio a imigrantes não funcionam: “Não acredito muito nessas associações. Muitas vezes, quem mais precisa é quem menos recebe”. E acrescenta que, para ela, “o fundamental é fazer tudo dentro da lei”, aconselhando outros conterrâneos “a recorrerem ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, caso surja algum problema”.

“Portugal não é um país para você ficar rico, mas é um país de oportunidade”. Foi a partir desta frase que a imigrante regeu o seu caminho por terras lusitanas, ao longo destes anos. Gilma estava habituada a ouvir tiroteios diariamente e, por isso, o motivo que a levou a ficar por cá e a desistir da mudança para Inglaterra foi a segurança que sentiu. “Portugal reúne todas as qualidades de um país para quem quer viver bem, sobretudo, a nível de segurança, e é isso que o diferencia.” Além disso, confessa que os portugueses foram incansáveis desde que chegou e que não suporta quem fale mal daquele que já considera ser o seu país: “Hoje, vejo Portugal como minha casa. Foi o país que me acolheu quando eu mais precisava e quando, talvez, eu menos merecia”. Passados 16 anos de ter chegado, Gilma vive com as duas filhas e o companheiro. Hoje, tem a sua própria empresa, A Menina da Horta, que produz e entrega frutas e legumes da região.

 

À procura de novos desafios

Jacqueline Alexandre começou a pensar em mudar-se para Portugal assim que acabou o ensino médio. No entanto, foi apenas com 31 anos que deixou da Bahia rumo a Lisboa. À procura da sua independência e de uma aventura, Jacqueline escolheu Portugal como destino. No velho país da Europa, descobriu como era viver sozinha e estar num país novo completamente só. “A verdade é que decidi me mudar para aqui em busca de novas oportunidades e experiências de vida. Estava em um momento da minha vida em que procurava novos desafios e Portugal me atraiu por conta da sua cultura”, revela.

Depois de se mudar para Lisboa, rebentou a pandemia Covid-19. Jacqueline conta as dificuldades que enfrentou, nessa altura, para a encontrar uma casa e, finalmente, viver sozinha: “Demorou algum tempo para me estabelecer completamente, encontrar uma moradia fixa, algo que apenas consegui no último ano, por conta da pandemia. Nos primeiros tempos anos, estava em num quarto de uma casa de família e sempre me senti assim meio como se, não sei… como se estivesse ocupando o mesmo lugar que ocupava em casa, apenas noutro país.”

A chegada a Portugal foi tranquila e confessa que sempre foi bem recebida pelos portugueses, apesar de algum preconceito que sentiu. Com a licenciatura terminada, estava na hora de encontrar um caminho para prosseguir os estudos: “Ao chegar a Portugal, enfrentei o desafio de construir tudo do início: amizades, arranjar um trabalho… Nessa altura, estava também decidida a ingressar num mestrado. Então, foi necessário sair da minha zona de conforto e encontrar um jeito de juntar tudo isso. A universidade foi o local perfeito.” Poderiam ter indicado qual a área que estudou, uma vez que à frente escrevem que a cozinha é o que mais gosta.

À semelhança da chegada, a adaptação a Portugal também diz ter sido simples: “Ao longo do tempo, fui-me adaptando cada vez mais à vida em Portugal e estabelecendo laços mais fortes com as pessoas. Fui aprendendo a como me movimentar em Lisboa: os transportes, o metro e assim. Construí um grupo de amigos forte e consegui encontrar aquilo que eu digo que foi um equilíbrio perfeito entre a cultura brasileira e a portuguesa.”

A cozinha é a maior paixão de Jacqueline Alexandre. A maior diferença cultural que diz ter sentido na mudança de país foram mesmo os hábitos gastronómicos dos portugueses: “A comida é incrível, mas completamente o oposto da brasileira. Por exemplo, algo que eu achei muito engraçado é que existe um hábito de comer peixe ao almoço e carne ao jantar e percebi isso especialmente por estar, como já disse, na casa de uma família. A forma como se educam as crianças a comer dessa forma é muito interessante.” Foi apenas neste que considera o seu novo país que abraçou a sua paixão. Inspirada pelo prazer em manusear e confecionar alimentos, decidiu trazer para Portugal um pedaço daquilo que aprendeu no país natal. “Sempre amei cozinhar. Então, decidi que aqui seria a altura perfeita para aperfeiçoar as minhas técnicas. Hoje, trabalho num pequeno restaurante que fica perto do meu apartamento e, todas as noites, mesmo quando termino tarde, gosto de fazer o meu jantar, muitas vezes, receitas que trouxe do Brasil”, conta.

A ajuda que recebeu dos portugueses ao chegar foi, como revela, exclusivamente, da família com quem viveu nos primeiros anos da sua estadia em Portugal e do dinheiro que já tinha começado a economizar para a mudança. “Tinha o apoio dos meus pais e familiares que me ajudaram com algumas das despesas, enquanto não encontrei um emprego estável. Claro que estar a pagar o mestrado não ajudou. Mesmo assim, sempre recusei receber algum apoio de organizações, sabendo das que há pessoas que realmente precisam. Acho que Portugal está a fazer um ótimo trabalho na ajuda aos brasileiros”, afirma.

Dos desafios que enfrentou durante o processo de adaptação em Portugal, aponta a língua como a principal barreira, por causa das diferenças entre o português-europeu e o português-brasileiro. “Achei difícil a adaptação ao sotaque português e, especialmente, às palavras que são diferentes aqui, como ‘autocarro’ e ‘ônibus’, ‘casa de banho’ e ‘banheiro’”, descreve. As oportunidades que os imigrantes encontram quando chegam o país depende, no entender de Jacqueline Alexandre, “da formação e experiência de cada um”. A jovem considera que “existe uma maior seleção e oferta de pessoas brasileiras em setores como o turismo e, especialmente, a hotelaria, limpeza de casas, babysitting e esse tipo de empregos”. Hoje, finalmente na tão aguardada casa, Jacqueline vive sozinha e sente-se realizada com um emprego estável e oportunidade de visitar a sua família regularmente.

 

Imagem Freepik

 

Reencontro de origens

Com algumas raízes portuguesas, Manuella Rainha ou Manu, como gosta de ser chamada, veio do Brasil a 9 de fevereiro de 2019, juntamente com a mãe e com o irmão mais novo, depois de ter sido garantida a estabilidade por parte do pai, que emigrou um ano antes para Portugal. O facto de ter família portuguesa foi uma mais-valia no processo de emigração. O motivo de força maior que os levou a mudarem-se foi, sobretudo, a ausência de segurança no Brasil. Tal como a família de Manuella, muitas outras pessoas também abandonam o país pela mesma razão. “Viver num lugar onde o medo é constante, não é viver, é tentar sobreviver”, desabafa.

Apesar de ter entrado na escola a meio do ano, Manu conta que nunca se sentiu excluída pelos colegas e criou amizades que traz até hoje. “Senti-me muita mais incluída e muito melhor em Portugal. Criei relações de amizade que tenho até hoje”, refere.

O preconceito que cai sobre as comunidades brasileiras é visível, sobretudo, quando, como denuncia Manu, se tenta arranjar um trabalho que, muitas das vezes, é negado. O maior desafio – garante – de adaptação em Portugal. “Em relação aos meus pais, que tiveram mais experiências, acho que conseguir um emprego estável foi o mais difícil, pois no início houve muitos comentários xenófobos e muitos empregos que não aceitavam imigrantes”, acrescenta Manuela, ao recordar-se das maiores dificuldades.

Independentemente das desavenças, nada foi motivo para que Manuela Rainha se tivesse arrependido da mudança, depois de quatro anos a viver em Portugal. “Me sinto totalmente integrada, fui muito bem rececionada na minha faculdade e gosto de viver cá”, refere.

 

As facilidades dos pequenos meios

Sarah Lopes, 22 anos, mudou-se para Portugal em 2017. Veio com a mãe e o irmão mais novo, à procura de melhores condições de vida, tal como milhares de brasileiros que chegam ao país. Sozinha e com dois filhos, Eliane, mãe de Sarah, após o divórcio, decidiu que Portugal era o país ideal para proporcionar aos filhos melhores condições de vida. Deixando para trás família, amigos e a sua vida numa cidade grande no Brasil, rumaram a Ourique, uma pequena vila no Alentejo. Sarah revela que, com o passar do tempo, o Alentejo e Portugal se tornaram-se no seu lar, apesar de ter considerado inicialmente difícil a adaptação a um meio mais pequeno e calmo. “Estava habituada à vida mais movimentada da cidade grande no Brasil”, afirma.

O processo de integração desta família foi relativamente fácil, uma vez que por ser um meio mais pequeno receberam ajuda de muitas pessoas. As maiores dificuldades que sentiu na adaptação foi os contrastes culturais “No início, foi como um ‘choque’ com uma cultura nova, novas pessoas e até mesmo com a língua. Era super complicado perceber com o sotaque português.”

Após sete anos a viver em Portugal, esta família está completamente integrada na comunidade local. Sarah completou a escolaridade na Escola Básica e Secundária de Ourique e trabalha agora, tal como a sua mãe, em negócios e com pessoas da vila. O irmão Samuel, com 14 anos, estuda também nessa mesma escola, onde a irmã concluiu os estudos.

 

Por Duarte Ferreira, Inês Pascoalinho, Júlia Cardoso e Maria Ana Carmo, alunos da licenciatura em Jornalismo da Escola Superior de Comunicação Social de Lisboa.

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