(Imagem: Shutterstock)
No último 26 de Outubro Dilma Rousseff, a primeira presidente mulher do Brasil, foi reeleita para mais quatro anos de governo, dando ao seu partido (Partido dos Trabalhadores – PT) a perspectiva de consolidar 16 anos no poder. Originalmente eleita para dar continuidade ao governo do seu antecessor Luiz Inácio Lula da Silva, durante seu mandato demonstrou personalidade própria, implementando claras diferenças na forma de gerir o país. Infelizmente e para a frustração e infelicidade de grande parte da população brasileira.
Nunca na história democrática do Brasil um processo eleitoral havia sido tão tenso, disputado e imprevisível. A morte de um presidenciável (Eduardo Campos, do Partido Socialista Brasileiro), a ascensão e queda meteórica da candidata Marina Silva (candidata que substituiu Campos), e uma sucessão de escândalos inteligentemente geridos por marqueteiros políticos com verbas milionárias, foram alguns capítulos que facilmente transformariam as eleições de 2014 em um enredo de suspense policial para as telas do cinema.
O final desse filme acabou por ganhar o formato dos famosos bailes funk cariocas da década de 1980, onde a pista de dança se dividia em “lado A” e “lado B”, e a dança muitas vezes dava espaço à rivalidade e à violência.
A imagem acima ilustra os “lados” brasileiros: uma clara polarização geopolítica com as regiões Sul e Sudeste predominantemente apoiando Aécio Neves e Norte e Nordeste não só apoiando, mas garantindo a reeleição da presidente.
Toda a alegoria de notícias e análises que hoje permeiam intensamente a mídia, as redes sociais e as conversas de botequim me fazem recordar da época em que governantes no Brasil promoviam clássicos (jogos) do futebol quando precisavam aprovar algo impopular. Mesma fórmula: a maior parte da cidade/Estado se dividia entre “time A” e “time B” e todas as atenções providencialmente se ocupavam de tentar prever qual seria o resultado da partida, suas consequências para os próximos jogos e o futuro do técnico A ou B. Enquanto isso, o que realmente importava passava bem longe dos holofotes.
No jogo da política, onde as estrelas são tão ou mais bem pagas do que no esporte, a singular diferença é que o perdedor é quase sempre o mesmo: o povo. É preciso olhar através do nevoeiro das grandes campanhas publicitárias e midiáticas e perceber o que estamos deixando passar diante dos nossos olhos.
Os três maiores problemas do Brasil são:
1. O Bolsa Família, da forma como foi implementado;
2. O modus operandi da política brasileira;
3. A educação de péssima qualidade.
Sem tratar esses três assuntos como prioridade absoluta, a sociedade brasileira se perpetuará como a plateia de um jogo do qual sairá sempre perdedora.
Bolsa Família
Afirmar que o Bolsa Família da forma como foi implementado é um dos piores cânceres a remover da sociedade brasileira pode soar elitista ou irresponsável, mas é a realidade.
Aos leitores que não conhecem a fundo o Brasil, o Bolsa Família é a renomeação dada por Lula a um programa chamado Bolsa Escola, originalmente criado por Cristóvão Buarque, e que ganhou alcance nacional em 2001. Tratava-se de um grande programa de transferência de renda que visava romper com um paradigma histórico do país, reeducando através do estímulo financeiro as famílias pobres a manterem seus filhos na escola. Isso resolveria problemas como a evasão escolar e a baixa qualificação da população no longo prazo.
Na teoria é brilhante. Na prática, o Bolsa Família transformou o país em um grande curral eleitoral do governo. Como o voto é obrigatório e a maioria da população brasileira é pobre ou de classe média baixa, não há um presidenciável de direita ou esquerda, que ouse levantar a hipótese de sequer rever o programa. Seria a certeza da impossibilidade de vitória. Hoje quase 50 milhões de pessoas recebem o benefício e formam uma gigantesca massa crítica de eleitores com baixíssima instrução e grande vulnerabilidade às manipulações políticas. Em suma, hoje os critérios-chave de escolha de um presidenciável não estão relacionados com o seu programa de governo, sua real competência de gestão ou idoneidade, mas sim com a escolha do candidato que mais provavelmente não interromperá – e se possível ampliará – o pagamento dos benefícios.
Os números confirmam essa visão. A tabela e os gráficos infra ilustram a performance dos presidenciáveis no segundo turno e o percentual de beneficiários do Bolsa Família, por Estado da Federação. É interessante observar a grande semelhança de trajetória dos gráficos e o seu significado prático. Cruzamos o percentual de beneficiários do programa com a performance por Estado de Dilma Rousseff, a candidata com a imagem mais fortemente associada à continuidade do Bolsa Família.
O resultado foi um índice de correspondência de 78,65% para o território nacional, o que revela uma correlação altíssima entre votos e beneficiários.
Há sociólogos que veem com bons olhos. Argumentam que isso é o exercício da democracia. Se a classe pobre é a maioria, nada mais natural que eles elejam os critérios mais sensíveis à sua realidade como prioridades.
O problema é que na prática essa parcela da população acaba por tomar decisões sem pensamento estratégico e de cunho imediatista. Como consequência, acabam sendo os maiores prejudicados no longo prazo, pois representam a parcela mais economicamente vulnerável da sociedade.
O que se tem visto nos últimos 15 anos é que ao invés das famílias usarem os benefícios para se organizar e gerar riqueza e poupança por conta própria através do trabalho e do empreendedorismo, o que os desligaria automaticamente do programa, uma parcela muito relevante das famílias se acomodou com o benefício, e criou um problema adicional: passaram a ter mais filhos, para que pudessem aumentar o número de benefícios na mesma casa. Isso gera uma espiral ascendente de pobreza sustentada pelo aumento da taxa de natalidade dessa classe social e a dispersão da pouca riqueza gerada. Todo o dinheiro que recebem acaba por fluir para as classes ricas, donas dos negócios que fornecem os bens de primeira necessidade que lhes são vendidos. A pior parte é que o resultado dessa política desastrosa está sendo maquiado há anos por meio de artificiais baixas taxas de desemprego, o que só aumenta o problema no longo prazo. Ano a ano forma-se uma horda de pessoas que “não estão à procura de emprego”, e se sustentam direta ou indiretamente com “salários Bolsa Família”. Isso cria dezenas de outros problemas, para citar alguns: o enfraquecimento do espírito empreendedor que o brasileiro sempre teve, estímulo à inflação, escassez de mão de obra, dependência do Governo, etc.
O lado kafkiano dessa questão é que não há vontade política para alterar essa estrutura. O que todos querem é tomar o poder de alguma forma e manter o mesmo sistema. Assim, sem grande dificuldades, nas eleições seguintes, o povo com as suas mesadas devidamente em dia, provavelmente reelegerá o candidato. Se não há interesse da maior parte da população nem da classe política, qual a perspectiva de mudança? Quase nenhuma.
Os problemas não param por aí. Hoje funcionários públicos, empresários, estrangeiros e até gente que já morreu recebem o benefício. Basta “googlar” na internet para identificar centenas de casos oficialmente investigados. Como já é de praxe no país, a corrupção está instalada no programa, e por mais que se investigue hoje já é quase impossível estimar a fortuna que é desviada todos os meses.
Não há dúvida de que a falta de educação/instrução é o maior problema do país, porém parece estar claro que não apenas o Bolsa Família não soluciona esse problema como desconstrói a legitimidade do sistema eleitoral brasileiro.
O modus operandi da política brasileira
Se por um lado o sistema político atual é alvo de duras críticas, a verdade é que ainda não inventaram nada testado em larga escala que funcione melhor do que a democracia por votos sejam eles diretos ou indiretos.
No Brasil, contudo, a classe política parece abusar dessa prerrogativa e para operacionalizar o sistema se remunera a peso de ouro, e na prática entrega mais problemas do que soluções.
O Brasil é um dos países com mais partidos políticos com representação efetiva no poder e cadeiras nas bancadas. O que na teoria deveria ser um sinal de franca democracia e decisões partilhadas se tornou na prática um gatilho para a corrupção.
Conseguir aprovar emendas, decretos e orçamentos se tornou um exercício de camaradagem pluripartidária marcada pela compra de votos, financiada pela corrupção. Ter maioria nas bancadas há muito deixou de ser um processo de consenso ideológico para se tornar um assunto financeiro. Os votos já não tem convicções, mas um preço.
Isso sempre existiu no Brasil, mas nas últimas décadas se intensificou de forma exponencial. O que se vê hoje em escândalos como o da Petrobrás é a ponta de um iceberg de falcatruas que literalmente drenam o dinheiro público. Isso tem de ser necessariamente visto como um dos três piores problemas brasileiros, pelo simples fato de que esse buraco negro cresce junto com o país, e acaba por transferir todo o esforço coletivo da nação e suas riquezas geradas em proventos particulares de uns poucos, guardada em contas de paraísos fiscais.
Para agravar o quadro, esse modus operandi da política brasileira ainda é excessivamente remunerado para o pouco trabalho que apresenta. A título comparativo: o salário de um Deputado italiano, um dos mais bem pagos da Europa, ronda os €15.000 mensais incluindo os subsídios e subvenções. Um deputado brasileiro com a mesma função recebe €40.000 por mês. Na Europa um deputado domina ao menos três idiomas e possui uma qualificação mínima para o cargo. Na terra do futebol palhaços que não sabem sequer ler e escrever são as pessoas mais votadas do país.
A forma como se faz política no Brasil faz as teorias de Maquiavel parecerem história em quadrinhos para crianças.
A educação de péssima qualidade
A importância de uma boa educação é verdade consensual, em qualquer lugar do mundo não há quem discorde da sua relevância para a construção de uma nação mais justa e próspera.
No caso do Brasil, entretanto, esse assunto acaba por ganhar um viés cênico. O somatório de numerosos programas governamentais como o Bolsa Família, o Pronatec*, o Prouni, que de forma direta ou indireta em teoria qualificam e levam educação a “todos”, associados à divulgação anual de números recordes de jovens e adultos a estudar pintam um quadro de melhoria consistente na educação do país.
Mas a realidade caminha para o lado oposto. A taxa de analfabetismo tem crescido. Segundo o próprio IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia Estatística), nos últimos anos o Brasil ganhou mais de 300.000 analfabetos. O analfabetismo funcional também apresenta índices alarmantes. A performance dos alunos brasileiros frente ao resto do mundo só tem piorado. Segundo a OCDE (Organização e Cooperação para o Desenvolvimento Econômico), o Brasil ocupa hoje a 38ª posição entre os 45 países participantes.
Na prática, o que se tem feito é formar pessoas suficientemente instruídas para acreditarem que sabem o que estão fazendo, e eficientemente manipuláveis e com grande dificuldade de organizar um pensamento crítico autônomo e uma análise de cenário com algum grau de profundidade.
Infra um infográfico da escolaridade dos eleitores brasileiros.
Como uma população pode avaliar e escolher governantes, criar e gerir empresas prósperas e responsáveis e criar planos para o futuro com um dos piores desempenhos em educação do mundo?