Algumas coisas confirmam claramente o caminho que está longe de ser seguido nas escolas públicas brasileiras, aliás, no abissal desastre que esse arcaico sistema educacional insiste em ficar. E antes que reativos e conformados refutem defesas de que é um sistema relativamente novo, de que já evoluiu muito, que estamos caminhando… Não, não é novo, não evoluiu muito e não estamos caminhando, estamos sufocando.
Em 2013, atuando como professor eventual em uma escola estadual na cidade em que vivo, presenciei num determinado dia uma das cenas mais arbitrárias contra jovens que já vi em minha vida, coisa da idade média, e esta cena pode ser o retrato geral do sistema.
Naquele dia, preparei um material sobre tecnologias para apresentar aos colegas professores, estávamos na sala de multimídia, aproximadamente umas vinte pessoas, e um clima tenso pairava no ar, a maioria sabia do que se tratava, menos eu – um professor eventual, e para o sistema, “eventual” serve apenas para tapar buracos.
Os minutos passavam e me pediram para aguardar um pouco, pois iriam cuidar de um assunto antes. O “assunto” chegou, era um jovem de 14 ou 15 anos, acompanhando do pai e da mãe. Após entrar na sala, os três foram posicionados na frente de diretores, assistentes, mediadores e professores (tipo paredão), e o espetáculo começou. Um massacre moral, repressor e humilhante, muito humilhante.
Foram desferidas várias acusações diretas e extremamente ofensivas contra o aluno, culpando de tabela também seus genitores ali presentes. Um grupo de pessoas graduadas que inibia a formulação de qualquer argumentação por parte dos “acusados”.
O garoto devia ter cometido algum delito, uma reincidência qualquer. De fato, pelo resumo de seu histórico, não era nenhum exemplo de obediência esperada pelo sistema, mas a inquisição foi implacável. Percebia-se um certo prazer no apontamento de dedos coletivo, cruel, desnecessário. Não sei até hoje o porquê daquela vergonhosa cena se antes já haviam decidido se livrar do aluno o transferindo para outra escola – expulsar alunos não é permitido pelo sistema. A impressão é de que foi uma espécie de vingança dos professores. Não seria mais prudente e sábio chamar a família em particular e comunicar a decisão?
O ponto central aqui nem é sobre “tirar a fruta podre da cesta”, é de como lidar com isso, uma vez que não se trata obviamente de um alimento e sim de um ser humano em formação. Mas as regras, regulamentos e principalmente as estatísticas, pedem que a paz reine naquele estabelecimento, naquele feliz e harmonioso “ambiente de aprendizagem”. Aprendizagem de que? De como ser cruel, como se vingar, como humilhar os outros, como penalizar pessoas, como oprimir, coagir? O tipo de ensino fornecido foi sobre como se livrar de um problema, sobre como não enfrentá-lo, como fugir dele. Assim são criadas as pessoas fracas, e neste caso, isto foi feito de forma magistral (irônico né!).
Outros motivos reforçam estas conclusões. Um deles refere-se aos obstáculos impostos para realização de pesquisas junto aos alunos do sistema. O medo da transparência vem à tona, a desconfiança de serem avaliados e seus empregos colocados em risco impera. Graduandos ou institutos de pesquisa têm que implorar para realizar qualquer tipo de estudo, seja acadêmico ou não.
Outro, e bem mais complexo motivo, refere-se mais uma vez à mentalidade, questionada também no artigo “Heróis da Resistência” deste mesmo autor. A diretora, pivô dos relatos até agora apresentados, se superou magnificamente quando respondeu a uma proposta sobre um minicurso complementar gratuito para piloto de avião, oferecido como um projeto experimental por especialistas na área, que tinha como finalidade gerar conhecimento e estimular alunos para o aprendizado de novas profissões. Além de atrativo, o curso exige aplicação das disciplinas oficiais da grade (matemática, física, geografia, etc). A resposta dela não poderia ser mais fugaz:
– Minha preocupação é criar expectativa e depois os alunos se frustrarem, uma vez que eles não têm condições de seguir carreira nesta área que é muito cara.
Ora, minha cara diretora, chegou a considerar que as pessoas têm o direito de decidir por si mesmas se têm ou não condições de seguir em frente, seja lá no que for, e que a frustração faz parte do processo de desenvolvimento do ser humano? Faz parte da vida. A senhora acredita mesmo que tem o poder de pensar pelos outros? Pensou sequer por um momento que não há somente a profissão de piloto na área de aviação?
Pois é! Pode-se até tentar justificar seu comportamento pela pressão que o sistema imprime, pela burocracia que a mantém muito ocupada e por toda responsabilidade social que lhe é atribuída, mas não, a culpa é sua mesmo, você contribui com sua mentalidade e sua posição para que as coisas não caminhem e fiquem como estão.
Daí, culpar insistentemente os jovens por não terem interesse na escola, não serem educados, serem desobedientes, não quererem trabalhar… é fácil, mas percebe que o problema não são eles?
Quero realmente acreditar que sua intenção pode ser a melhor possível, mas não consigo, não dá. Isso talvez explique por que sua escola figurou entre as melhores do Estado, porque é subserviente e quadrada, e segue as míopes regras exigidas. Um modelo que a maioria dos pais e, acredito, dos professores, também não querem.
Que tal então, prezada senhora, deixá-los sentir o que os cerca e permitir que decidam se algo lhes interessa ou não? Não os leve junto para seu abismo.