Aviso à navegação: e se um barco misterioso mudasse todo o curso da música cabo-verdiana? Parece-lhe estranho? Bem, garantimos-lhe que esta história, que tem todos os ingredientes para ser um filme de ficção científica (com grandes doses de mistério), poderia ajudar a desvendar como foi traçado o caminho da música popular de Cabo Verde, mas não passa apenas de uma narrativa muito bem elaborada. Este enredo foi criado pela editora Analogafrica, aquando do lançamento do disco de música cósmica e eletrónica: “Space Echo: The Mistery Behind The Cosmic Sound Of Cabo Verde Finally Revealed”. Curioso? Encontre uma posição confortável, prepare as pipocas e divirta-se com este guião (servimo-nos do texto que foi reportado na página do Bandcamp da produtora).
Corria a primavera de 1968, quando um navio carregado de instrumentos musicais saiu do porto de Baltimore, nos Estados Unidos da América. Este barco rumava até ao Brasil com o intuito de levar a sua carga musical para a “Exposição Mundial do Som”, que iria decorrer na cidade do Rio de Janeiro. Era a primeira vez que um evento desta envergadura se realizava no hemisfério sul e, por isso, a expectativa era enorme. Este navio transportava os novos teclados eletrónicos da Moog, Rhodes, Korg e Farfisa; tudo era novidade. Graças a esses factos, pairava uma gigantesca nuvem de curiosidade sobre este ansiado acontecimento e sobre as peças que iriam ser oficialmente apresentadas ao público. Até aqui, o relato desta história parece preencher todos os requisitos da normalidade, certo? Pois…as revelações misteriosas serão mencionadas agora. Ora, apesar de toda a viagem estar a decorrer sem sobressaltos, porque as condições climáticas assim o previam, o navio desapareceu dos radares e a sua rota não foi cumprida. Ninguém conseguiu explicar este desaparecimento. Para onde terá ido este “barco musical”? A resposta apareceu meses depois, quando o navio aportou na ilha de São Nicolau, em Cabo Verde. Uma vez que os locais não tinham qualquer informação sobre a tal exposição que deveria decorrer no Brasil e sobre o transporte marítimo que misteriosamente havia desaparecido, nenhuma autoridade marítima foi avisada sobre esta descoberta insólita.
Ironia do destino ou não, o navio, apesar dos danos na proa e de não apresentar sinais de tripulação, chegou a Cabo Verde com a carga intacta. A principal tarefa que agora se impunha era descobrir a finalidade da mesma. Depois de uma rusga policial, descobriu-se que o tal barco “fantasma” transportava instrumentos musicais elétricos. Contudo, na ilha de São Nicolau ainda não existia eletricidade e, por esse motivo, a carga acabou por ser distribuída pela povoação mais próxima. Aproveitando-se dessa realidade, o histórico líder anticolonial, Amílcar Cabral, ordenou que os instrumentos descobertos fossem distribuídos pelas escolas das ilhas que tinham instalação elétrica. Graças a esta divisão, Cabral, além de liderar o caminho rumo à independência tanto de Cabo Verde como da Guiné-Bissau, acabou também por ser reconhecido como o principal promotor da música popular cabo-verdiana.
Em meados dos anos 70, uma panóplia rara de teclados eletrónicos passou a fazer parte dos materiais didáticos, disponíveis nas infraestruturas escolares. Como o que é novo é apetecível, imensas crianças, quando se depararam com esta diversidade de instrumentos musicais, começaram a fazer alguns testes de som. Mais tarde, já os conseguiam dominar como ninguém.
Da noite para o dia, uma geração inteira de jovens cabo-verdianos passou a ter acesso ao mais moderno equipamento musical da sua época. Na altura, Cabo Verde já era reconhecido pela sua sonoridade, mas, graças a esta contribuição – que atravessou literalmente o mar -, começaram a surgir as misturações dos ritmos tradicionais. Ao funaná, às mornas e ao ferrinho, juntou-se a sonoridade futurista dos teclados eletrónicos.
Recentemente, o resultado de toda essa mistura foi compilado no álbum “Space Echo: The Mistery Behind The Cosmic Sound Of Cabo Verde Finally Revealed”. O nome do disco é longo, mas é justificável quando analisamos o seu conteúdo, já que comporta uma imensa coletânea de artistas cabo-verdianos reconhecidos mundialmente. Abel Lima, António Sanches, Quirino do Canto e Tchiss Lopes são apenas alguns dos nomes que, em 15 temas, ajudam a divulgar os sons que fizeram (e fazem) parte do vasto repertório musical do país.
Este navio misterioso nunca chegou a aportar na ilha de São Nicolau. No entanto, o legado musical de Cabo Verde foi aumentado além-fronteiras e chegou mesmo a cruzar os mares. Este recente álbum compila parte da diversidade sonora e rítmica da música cabo-verdiana, reforçando as batidas cósmicas que a ajudaram a conectar-se com o mundo. Apesar da narrativa que o promove ser ficcional, esta fez com que parte da história da música deste arquipélago fosse ouvida (e debatida).
Em baixo, deixamos-lhe uma música do álbum “Space Echo: The Mistery Behind The Cosmic Sound Of Cabo Verde Finally Revealed”.
AVISO IMPORTANTE:
ERRATA: A primeira versão deste texto foi construída de forma falaciosa, dando a entender que este se serviu de factos históricos e reais de Cabo Verde. Inicialmente este artigo foi redigido com base (entre outras fontes) num artigo publicado pelo jornal de renome The Guardian. Depois de uma investigação detalhada, descobrimos que a história contada era, na verdade, baseada em acontecimentos ficcionais. A nova versão foi publicada às 22:40 GMT, a 20/9/2018.