O grande teste à democracia Moçambicana
Tema recorrente no último ano de norte a sul de Moçambique as eleições gerais de dia 15 de Outubro têm sido pouco faladas além-fronteiras. Excepção feita aos investidores com interesses directos em Moçambique, a comunidade internacional parece não reconhecer a estas eleições a sua devida importância.
Em dia de eleições para Presidente, Assembleia da República e assembleias provinciais, as dúvidas são grandes, as incertezas enormes – mas parece consensual a ideia de que este arrisca ser um momento de mudança histórica no país.
Resulta esta circunstância da conjugação de três factores principais: a mudança radical em curso do paradigma económico, o momento de transição geracional e o enquadramento actual dos partidos políticos.
Em primeiro lugar, consideremos que nos últimos anos Moçambique se transformou, aos olhos do mundo, de um país pobre e dependente de ajuda externa, num dos países mais promissores do mundo em termos de riqueza e crescimento económico. Compreenda-se, no entanto, que, na prática, Moçambique é ainda um país pobre e dependente de muita ajuda externa, e que toda a sua riqueza não passa ainda de recursos por explorar, e de expectativas de crescimento.
Pese embora, o potencial económico é real e lentamente se começa a materializar. A mudança de paradigma é brutal e os desafios colocados aos moçambicanos não menos drásticos: como, de um momento para o outro, ser capaz de gerir tanta riqueza, crescimento de receitas, investimento externo, inflação, tensões sociais, entre outros potenciais desafios. Estas eleições marcam o início da legislatura em que provavelmente se tomarão as mais críticas decisões que definirão o futuro económico e social do país.
Em segundo lugar, considerem-se as grandes mudanças ao nível da sociedade moçambicana, especialmente pelo momento de transição geracional. Moçambique é um país jovem, mas de uma juventude que é hoje, mais do que nunca, cada vez mais instruída, informada, globalizada e urbana. Mais do que isso, a maioria da população Moçambicana representa já gerações que nasceram livres e independentes, e uma grande parte é juventude que viveu toda ou grande parte da sua vida em tempo de paz. É impossível negar o efeito político que isto poderá ter num país que foi desde a independência governado por um só partido mas que apresenta uma crescente dinâmica partidária e democrática.
Em terceiro lugar, considere-se a actual situação partidária no país. A Frelimo, no poder há quase 40 anos, está particularmente desgastada aos olhos da população após os seus dois últimos mandatos e apresenta agora um candidato jovem que é o primeiro candidato “não ex-combatente”. A Renamo, oposição de força (até mesmo armada), arrastando multidões, parece ressurgir das cinzas com perspectiva de reconquistar o seu eleitorado, sendo vista por muitos como a única capaz de fazer frente à “arrogante” Frelimo. O MDM, partido recente que já garantiu significantes vitórias nas últimas eleições municipais, apela aos jovens e às populações urbanas pela sua mensagem de corte com os partidos do passado e da guerra civil.
Desta dinâmica resultou já, este ano, a campanha mais intensa desde 1999, poderá muito provavelmente sair o resultado mais disputado de sempre ou, até mesmo, a primeira grande mudança político-partidária desde a independência.
Naturalmente que, apesar de se vaticinarem mudanças, a imprevisibilidade é a única certeza nestas eleições. No entanto, é possível desenhar alguns cenários.
O primeiro cenário possível será sempre a continuação da situação actual com a Frelimo a manter o presidente, governo e maioria qualificada na assembleia nacional. Outro cenário, talvez mais provável, veria a Frelimo eleger o presidente, formar governo mas perder maioria qualificada na assembleia. Não seria uma mudança dramática mas seria já uma grande mudança para um país governado há quase 40 anos por um mesmo partido e com pouca ou nenhuma oposição ao nível dos órgãos democráticos.
Um terceiro cenário – mais complicado – resultaria de uma segunda volta nas eleições presidenciais (algo nunca antes visto no país) a ditar o risco de um presidente sem apoio de maioria parlamentar.
Em qualquer dos cenários de alteração face à situação actual existe a possibilidade de melhorias ao nível do funcionamento da democracia – será quebrado o “quase mono-partidarismo”, aumentará a pressão para a despartidarização do Estado, da justiça e da economia, serão exigidos consensos entre partidos, existirão condições para aumento da transparência, da responsabilização e da abertura do poder político.
No entanto, existem enormes riscos num cenário de mudança. Primeiro que tudo, aceitarão os partidos os resultados em paz política? Depois, serão os partidos, fraccionados, capazes de fazer funcionar o Estado: existirão consensos, existirá estabilidade, será o governo capaz de governar e o parlamento capaz de legislar?
Nestas eleições, poderá sair a ganhar a democracia ou poderá sair a perder o país se resultar uma situação de ingovernabilidade e instabilidade política.
Uma coisa é verdade, Moçambique e os moçambicanos (povo e partidos) têm uma oportunidade soberana de afirmar a sua maturidade cívica enquanto jovem nação. Se as eleições forem consideradas justas e os resultados aceites pelos partidos este será já um enorme feito para o país após uma campanha tão disputada.
Moçambique tem alma para grandes feitos: é um país reconhecido na região pela sua estabilidade, é louvável o nível de democratização, liberdade de expressão e imprensa quando comparado com tantos outros países africanos (apesar de haver tanto ainda a melhorar em termos de justiça, liberdade e equidade).
Se Moçambique for capaz de concluir com serenidade e responsabilidade este disputado processo eleitoral – qualquer que seja o resultado – existem razões para acreditar que o país está no caminho da paz e estabilidade duradoura, e motivos para ter esperança em que as suas enormes riquezas e potencialidades se venham a traduzir em desenvolvimento inclusivo, equilibrado e sustentável.
Se forem capazes de, pelo menos, caminhar nesta direcção, os moçambicanos poder-se-ão tornar um grande exemplo não só para o continente africano mas para todo o mundo.
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