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O futuro dos outros

Leya

 

Brasil, início de 2016, está veiculando na TV aberta, em horário mais do que nobre, com atores mais do que símbolos de alguma coisa fútil (como a maioria das coisas desta mídia em massa), um comercial interessante: pai, mãe e filho – este aparentemente recém formado em algum curso técnico ou numa faculdade convencional, todos terminando o café da manhã que continha o produto do anunciante. A família se despede e os pais desejam boa sorte ao filho que iria a uma entrevista de trabalho. Na entrevista, quando questionado sobre qual seu diferencial, o rapaz responde com peito estufado e cheio de segurança: “A força!” lembrando o farto sanduíche que sua mãe colocou em sua maleta (contendo o produto do anunciante, é claro!) e deixando o entrevistador bem satisfeito com essa comprometida resposta.

 

Genial! Nesse filme, a engrenagem está funcionando perfeitamente e mais uma peça está prestes a ser inserida no mecanismo. Aquela que dedicará a maior parte de sua vida para a produção máxima, para o cumprimento de metas e mais metas diárias, para fazer de tudo para que a corporação tenha o maior lucro e sucesso possível, almejará incansavelmente o privilégio de ter sua foto na parede; competirá com seus “colegas” de trabalho para ter a chance de uma promoção com o incentivo de alguns trocados a mais, o qual comprometerá para adquirir um novo bem material que o diferencie dos demais… e por aí afora. E a preparação para se chegar a esse ponto foi exaustiva, anos e anos de condicionamento mental, avaliações sistêmicas e ajustamentos disciplinares. Tudo isso a partir da desperdiçada fase mais criativa e livre do ser humano: a infância. Salas de aula estruturadas para produção em série (vide formato padrão do layout destas salas: cadeiras enfileiradas voltadas para um único lado, horários rígidos e campainhas de adestramento), seguido de uma escalada gradativa de fases: educação infantil, fundamental, média e superior (sistema brasileiro, mas não tão diferente em todo o mundo), e por fim, o ingresso no mercado de trabalho que aguardava com grande ansiedade sua chegada. O detalhe mais interessante do comercial é que tudo leva a crer que esse é o melhor caminho a ser seguindo pelo jovem. Que essa é a melhor saída profissional para ele ou para a vida dele.

 

Em recente artigo com o título “Manda Quem Pode, Obedece Quem Tem Juízo” mencionei uma pesquisa mundial realizada com jovens, principalmente adolescentes, que apontava para uma expectativa bem diferente a do cenário descrito no comercial. Seus desejos e aspirações não contêm submissão, opressão, regras temporais ditando sua cadência de vida, que horas deve entrar, que horas deve sair, o que pode fazer, o que não pode. Em outra pesquisa, mais recente ainda, coordenada pelo autor deste artigo, com jovens de 12 a 17 anos, realizada no interior do estado de São Paulo, numa cidade com total vocação fabril (onde instituições de cursos técnicos e profissionalizante predominam, propondo uma alternativa de inserção de jovens no mercado de trabalho), uma das perguntas explora a questão da preferência sobre a relação entre muito dinheiro e nenhuma felicidade no trabalho ou pouco dinheiro e felicidade no trabalho, resultando em 95%  para a segunda opção. Em outra questão, sobre preferência de trabalhar para alguém (ser empregado) ou ser autônomo (ter o negócio próprio), 82% preferem a autonomia.

 

Mas a ideia veiculada massivamente pelo comercial parece apontar para outra direção: dê sua força, não sua capacidade ou talento. Ora, isso parece um convite para não pensar e tolhe substancialmente a liberdade de um indivíduo. Reforçando esta conclusão, o final do comercial exibe a mãe recebendo uma mensagem no celular sobre a aprovação do filho naquele emprego, dá um sorriso aliviado, como se estivesse se livrando de um fardo gigantesco e antes de “todos viveram felizes para sempre” vem a martelada final com a frase “Alimente os sonhos da sua família!“. E os sonhos do jovem? Mais fundo ainda, será que realmente aquele é o sonho da família dele? Não se sabe se os responsáveis pela criação e produção deste comercial queriam vender o produto ou uma vaga de emprego. Talvez uma ideologia ou um modelo “correto” de profissional, ou, na mais gananciosa forma de pensamento, garantir o funcionamento da corporação a qualquer custo. De qualquer forma, penso que estão assustadoramente errados, tanto para a evolução da própria empresa, quanto para seus colaboradores, que obviamente, venhamos, parece mesmo não ser a grande preocupação.

 

Clóvis de Barros Filho propõe em suas dissertações, interpretando grandes pensadores e filósofos: quanto mais repressão, proibições, regras e regulamentos, menos senso moral e ético, menos autonomia, menos discernimento o indivíduo terá. Que futuro podemos esperar então, se a coerção para dentro do quadradinho é o que predomina dentro do sistema? Que tipo de sociedade está sendo criada? A respeito do futuro, de quem realmente estamos falando? Aqui, a ideia não é dar solução para isto ou para aquilo, é simplesmente permitir a reflexão sobre esse cenário.

 

Pra quem quiser assistir ao comercial https://www.youtube.com/watch?v=QB6Gyims7f4

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