O Discurso do Rei
O discurso de um Rei, na altura certa, é uma arma muito poderosa. Assim o provou o filme de Tom Hooper em 2010. Assim o prova a África do Sul nos dias de hoje.
Toda esta onda de violência alimentada por ódio, teve início neste discurso de Goodwill Zwelithini, o Rei Zulu que acusou os imigrantes residentes na África do Sul, de serem responsáveis pelas “ruas imundas” e pelo aumento da criminalidade. A África do Sul não é uma monarquia, mas o Rei da etnia Zulu, a etnia de Jacob Zuma, o atual Presidente do país, é muito respeitado em toda a comunidade, apesar do cargo simbólico que ocupa. Um discurso deste género é o fósforo que uma população descontente, e com uma taxa de desemprego a rondar os 25%, precisa para alimentar o fogo que já a consome. A reação popular às suas declarações não se fez esperar. Tumultos alicerçados em sentimentos xenófobos, redundaram em violência contra estrangeiros. Resultado: pelo menos, 7 mortos, 5 mil deslocados e 300 detidos.
Depois da pressão da comunidade internacional, que se escandalizou com as imagens que chegavam do país mais a sul do continente africano, Jacob Zuma, cancelou a sua visita oficial à Indonésia para lidar com a situação, que se prolongava há já três semanas e não tinha tido, até então, qualquer atenção especial por parte das autoridades. Ordenou à polícia que pusesse fim aos confrontos, e que protegesse os imigrantes, mas não foi suficiente. Este fim de semana foi morto mais um estrangeiro. A primeira morte do género em Joanesburgo (todas as outras foram em Durban). A vítima tinha nacionalidade moçambicana, era compatriota do escritor Mia Couto, que já tinha escrito ao Presidente do país, pedindo-lhe para pôr cobro a esta situação, que envergonha a África em geral, e a África do Sul, em particular.
Em Maputo, a população saiu à rua, quando tomou conhecimento do sucedido. Revoltada. Exigiu justiça e apontou o dedo acusador ao líder da sua nação vizinha e, até agora, aliada, por ter reagido de forma demasiado fraca e demasiado tardia. Felizmente, não estão sozinhos. Em Durban, uma das principais cidades da “rainbow nation” (nação do arco-íris), milhares de sul-africanos fizeram o mesmo, saíram à rua para condenar a violência dos seus conterrâneos. Empunhavam cartazes, bandeiras dos países de onde são provenientes a maior parte dos imigrantes presentes no país, como Moçambique, o Zimbabué, a Etiópia e a Tanzânia e a sua própria bandeira, cheia de significado, com as várias cores sinónimo da tolerância e do multiculturalismo, sonhado por Nelson Mandela.
“Nenhum nível de frustração ou de raiva justifica ataques contra cidadãos estrangeiros e a pilhagem das suas lojas. Condenamos veementemente a violência, estes ataques contrariam todos os valores que a África do Sul incorpora”, disse Jacob Zuma à nação e acrescentou: “A polícia está a trabalhar de dia e noite para proteger os cidadãos estrangeiros e para deter os saqueadores e os que cometem actos de violência“.
Pressionado por todos os lados, o Rei Zwelithini também já recuou nas suas declarações. Diz ter sido mal interpretado. Também ele já condena a violência e vai participar numa reunião com outros líderes tribais, para aconselhar calma.
Para os mais de 2 milhões de estrangeiros que decidiram arriscar a sua sorte (e não a sua vida) na África do Sul, é um fraco consolo, mas pode ser um começo, rumo a uma nova oportunidade, neste que é o país mais próspero de toda a África. Pelo menos, para os que tiverem a coragem de voltar a tentar e arriscar passar, de novo, por tudo isto. É que o mais dramático de tudo isto, é o fato de não ser inédito. Pelo contrário, é o fato de até ser previsível. Em 2008, em tumultos com a mesma motivação, perderam a vida 67 pessoas. De lá para cá, tal como agora, pouco ou nada foi feito, para que a situação dos imigrantes (e dos nacionais) da África do Sul melhorasse.
Até quando a história insistirá em repetir-se?
Sem comentários
This site is protected by reCAPTCHA and the Google Privacy Policy and Terms of Service apply.