Com a chegada de um novo ano, há uma série de mudanças que desejamos para nós próprios/as. Ano novo, vida nova, não é? A vontade de transformar os sentimentos maus em coisas boas, assim que janeiro começa, é praticamente inevitável. Ir mais vezes ao ginásio — ou fazer a inscrição num —, sem arranjar desculpas; comer melhor e evitar os hidratos de carbono depois das seis da tarde, porque se quer perder peso; marcar mais jantaradas lá em casa, sem pensar na loiça que vai ficar para lavar depois; investir mais tempo em projetos pessoais e terminar os planos que já há tanto tempo começaram a ser traçados; poupar mais dinheiro para viajar e ir a algum sítio completamente diferente; aprender algo novo ou adquirir uma capacidade que ainda não temos: estas serão apenas algumas das resoluções na lista de desejos para o novo ano.
As expectativas, no início, poderão ser muitas, mas o compromisso pode enfraquecer ao longo dos meses. Principalmente na sociedade atual, onde há tantos planos que ficam a meio — apenas porque os resultados demoram demasiado a chegar —, a sede de viver, o imediatismo e a ideia de euforia momentânea podem ser verdadeiras armadilhas para o nosso bem-estar e equilíbrio.
A urgência de aproveitar cada momento faz-nos acreditar que não estamos bem se não estivermos a testemunhar, ou a experienciar, algo de extraordinário. A esperança de ver resultados imediatos, provenientes dos nossos esforços e espírito de sacrifício, faz-nos desistir mais facilmente perante a frustração. Por último, a ideia de momentos constantes de epifania, êxtase ou intensidade acabam por sabotar os nossos projetos, que “morrem na praia”, porque o tédio e a monotonia de um esforço concentrado parece mais do que temos para dar.
Entre a calma e a urgência de viver
O extraordinário não vem todos os dias: a maioria deles é mundana e ordinária. No entanto, e porque tudo não passa de uma questão de perspetiva, a vida pode ser extraordinária com os seus altos e baixos — apenas, claro, se as pessoas tiverem as suas necessidades básicas atendidas. É precisamente com esse otimismo realista que devemos olhar para os objetivos que traçamos, sabendo que vão dar trabalho e que poderão demorar a ser concretizados. Na forma de atuar, para liderarmos as nossas vidas, a consistência e a persistência podem fazer a diferença entre o sucesso e a fracasso.
Falar e escrever é fácil, obviamente. Ninguém se deve excluir de uma verdadeira tentativa de compromisso consigo próprio/a. Mas, se calhar, olhar para uma mudança radical como a solução dos anos vindouros é pedir demais a nós mesmo/as. O poder das palavras também pode ajudar ou prejudicar, dependendo de quais escolhemos implementar. Em vez de pensar em ter uma “vida nova”, que tal trabalhar em criar uma vida melhor? Conhecer as nossas falhas, trabalhar em melhorá-las e excluir alguma pressão dos nossos ombros — essa que urge em dizer-nos que temos que resolver todos os nossos problemas duma vez só.
Se refletirmos sobre isto, já é uma ajuda na acalmia dessa urgência de viver. Por outro lado, essa mesma reflexão atiça a chama de correr atrás das coisas. Isto não significa que devemos viver menos intensamente ou ambicionar menos das nossas vidas; significa, antes, que a única forma de nos encontrarmos harmoniosamente com o mundo é respeitando o tempo. A vida não nos dá tudo duma vez, nem nós a ela. Fingir que isso pode acontecer em condições normais é sabotar a nossa felicidade. Talvez aqui, precisamente entre a calma e a urgência, esteja o caminho. Já dizia José Saramago (1922-2010): “não tenhamos pressa, mas não percamos tempo”.