Njinga Mbandi: o símbolo da resistência africana face ao colonialismo
Já foi homenageada em filmes, em literatura e até em canções. Apesar disso, ainda existem muitos que não a conhecem. Apelidada de “Njinga, a Rainha de Angola”, na produção cinematográfica de Sérgio Graciano, e de “Rainha Ginga”, no romance de José Eduardo Agualusa, a lenda Njinga Mbandi resistiu ao tempo e continua a ser relembrada como um dos principais símbolos da resistência africana face ao colonialismo. Personificou a luta contra a ocupação dos portugueses, defendendo a independência dos reinos do Ndongo e da Matamba, em Angola. Ecoou o lema “quem ficar luta para vencer” pelos recantos do globo, concentrando a sua energia e perspicácia na libertação dos povos mbundu (ou ambundu). Encarou o perigo com audácia e carimbou as páginas da história com o seu legado. É uma figura incontornável do continente africano, relembrada com traços de realidade, marinados em ficção, por centenas de historiadores e artistas das palavras.
Hoje, seremos viajantes do tempo; por isso, retroceda connosco até ao século XVII e deixe-se abraçar pela história desta aclamada heroína.
A primeira “nacionalista” angolana
Njinga Mbandi Cakombe, também conhecida por Ngola Nzonga Mbandi, Nzinga Mbandi ou Ana de Sousa – nome dado após a sua conversão ao cristianismo –, nasceu na região do Ndongo, hoje reconhecido como território angolano, por volta de 1583. O seu título real em quimbundo (uma das línguas mais faladas neste local), “Ngola” (Rainha), deu origem ao nome português para denominar aquela região de África: Angola. Morreu com 80 anos, na região de Matamba, deixando na história as marcas do seu espírito destemido.
Ficou largamente conhecida por ter combatido, grande parte da vida, a administração colonial lusitana, conquistando o epíteto da “principal inimiga do reino português”. Escrever sobre Njinga é fazer uma viagem no tempo, até ao período em que o tráfico de escravos e a opressão das minorias eram constantes. Foram as suas habilidades militares e a perspicácia diplomática que ajudaram a solidificar o seu nome e a sua influência.
Fruto de um relacionamento do rei Ngola Kiluanji com Guenguela Cakombe, uma escrava ambundu, Njinga começou a ser moldada, muito cedo, para o combate e para o manejo exímio de armas. Segundo alguns historiadores, participou na sua primeira batalha com apenas oito anos de idade. Contudo, foi com a morte do seu pai, depois da ascensão do seu irmão, Ngola Mbandi, ao trono de Ndongo, que Njinga começou a ser amplamente reconhecida.
Os portugueses aportaram em Angola com o intuito de explorarem, primeiramente, as riquezas daquela região: prata, cobre e sal. No entanto, o tráfico de escravos crescia exponencialmente e levantava-se a necessidade de colocar entraves no domínio dos lusitanos. Com o intuito de evitar que a procura de prisioneiros alcançassem os reinos do Ndongo e da Matamba, Mbandi pediu ajuda à sua irmã. Segundo os documentos históricos, corria o ano de 1621, quando Njinga foi enviada para Luanda, com o objetivo de negociar um tratado de paz com o governador português, garantindo a segurança das suas terras. Quando lá chegou, recebeu um tapete, em vez de uma cadeira, como assento. Isto significava que os portugueses a viam com uma subordinada. Fazendo frente a este cenário, Njinga ordenou a um dos seus servos que se ajoelhasse no chão e servisse de cadeira. Com este gesto, deixou claro que exigia que fosse tratada com respeito, sem subjugações ao povo português.
As negociações foram feitas em português, já que Njinga era fluente em várias línguas. Foi através do contacto inicial com missionários e comerciantes lusitanos, frequentadores da corte do seu pai, que conseguiu apreender muito da cultura portuguesa. Assim que o tratado de paz foi acordado, Njinga exigiu que os colonialistas abandonassem as suas terras e entregassem os chefes africanos que haviam sido tornados escravos. Como sinal das suas boas intenções, aceitou que a batizassem, convertendo-se ao cristianismo. Desta forma, passou a ser conhecida como Ana de Sousa.
Os meses foram passando e os portugueses não cumpriram o que havia sido combinado. Estes não estavam dispostos a ceder o domínio que já tinham alcançado no território africano. Foi exatamente por esta altura que Njinga volta a surgir no cenário, mas já com o título de Ngola (Rainha). Segundo os relatos históricos, a sua ascensão ao trono está rodeada de mistérios. Existem estudiosos que afirmam que ela envenenou o irmão, para se vingar do assassinato do seu filho. Outros defendem que Mbandi se recusou a lutar contra os portugueses e, desta forma, Njinga estabeleceu alianças com outros povos, com a finalidade de ganhar poder militar. Consequentemente, conseguiu conquistar o reino da Matamba, angariou notoriedade entre o povo, acabando por desposar o seu irmão do trono. Assim, governado por uma mulher, nasceu um novo reinado. Segundo os levantamentos históricos, durante os anos que administrou Angola, a guerreira exigiu que a parassem de chamar de rainha, em prol do reconhecimento como rei.
Segundo o historiador Alberto da Costa e Silva, Njinga recusou o título de rainha e fez questão de ser reconhecida como rei, para se despegar da imagem de vulnerabilidade associada à mulher. Graças a este facto, decidiu tornar-se socialmente do sexo oposto e formou um harém, repleto de homens que usavam vestes efeminadas. Lutou como um soldado, guiando sempre o seu exército. Criou novas tradições, estabeleceu a sua legitimidade e deixou um legado sem precedentes, permitindo que todos os seus herdeiros pudessem subir ao trono, independentemente do género.
A era dourada de Njinga
Apesar de vários estudos contínuos sobre a sua figura e de esta ser aclamada pela história e pelo povo africano, existem referências pouco aprofundadas – e até divergentes – sobre o aspeto físico de Njinga. Durante a sua vida, não foram elaborados retratos ou pinturas que retratassem fielmente a sua fisionomia. No entanto, existe um obra do século XVIII, de Jean-Louis Castilhon, que mostra a rainha de perfil, de olhar sereno, afastando-se da imagem estereotipada de guerreira africana. Na maioria das ilustrações que foram elaboradas, Njinga surge repleta de joias – coroa, colar e braceletes – e com alguns acessórios típicos da cultura europeia (como é o caso da manta – uma espécie de capa real). Aliado a estes alimentos, surge o tronco nu de Njinga, característica enaltecida pelos europeus quando tentavam representar a cultura africana em pintura. Desta forma, a imagem comummente retratada é de uma mulher exótica, de seios à mostra, repleta de elementos exuberantes e de arma em punho.
Até hoje, Njinga é sinónimo de atitude implacável, de inteligência militar e de força. Alguns investigadores referem que a rainha, do reino do Ndongo e da Matamba, fez tudo o que era possível para evitar que o seu povo fosse escravizado durante o seu reinado. Há quem refira que esta figura recorreu à ajuda dos guerreiros de Imbangala – saqueadores africanos – e dos holandeses, estabelecendo acordos políticos e militares, com o intuito de amedrontar os rivais e fortalecer a sua posição.
Durante 40 anos, Njinga defendeu ativamente as suas terras. Como relembra o historiador angolano Manuel dos Santos, esta não baixou os braços. “Não foi uma rainha que ficou apenas sentada no trono, à espera que os problemas fossem resolvidos” “(…) Foi uma chefe; uma líder que, enquanto esteve no seu vigor físico, participou ativamente nas ações militares”, explicou. “Foi uma mulher à frente da sua época”, considerou o historiador, acrescentando que Njinga “comandou exércitos com retidão e objetividade, em direção aos seus objetivos”.
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Através da conjugação das suas táticas diplomáticas com a sua garra e empenho no campo de batalha, qualquer meio era viável, se este garantisse a vitória perante os invasores portugueses. Durante décadas, Njinga lutou ferozmente, acabando por ficar eternizada na memória de Angola. Sem grandes hipóteses de ripostarem, os administradores coloniais portugueses foram obrigados a renunciar à conquista do reino do Ndongo e da Matamba. Como sinal de boa-fé, foi assinado um tratado de paz entre ambos os povos, que permitia que Njinga continuasse a comandar as suas terras em troca de bens.
A guerreira angolana morreu em 1663, com cerca de 80 anos, deixando para trás o trono. Sem grandes sinais de ameaças no radar, os portugueses voltaram a investir na ocupação da área, acabando por gerir aquele pedaço de terra africana.
Hoje, Njinga Mbandi é vista como um exemplo a seguir. Foi a mulher guerreira que ajudou a promover a dignidade do povo angolano, comprometendo-se com a nação e defendendo a sua integridade territorial. Foi a rainha das vitórias e das conquistas. Foi e continua a ser o símbolo da resistência à opressão estrangeira. O seu espírito mantém-se vivo num monumento construído em Malanje, Luanda (ver imagem em cima). Mais uma vez, aparece de arma em punho e de olhar inabalável, pronta para defender a terra que um dia lhe pertenceu.
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