O secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), Murade Murargy, informou que a organização deve traçar, para a próxima década, políticas de cooperação entre os países nas áreas de educação, agricultura, energia e turismo. Na opinião do moçambicano, seguir à risca a aplicação do acordo ortográfico não é prioridade.
– A língua é muito importante, não há dúvida nenhuma, e é nossa obrigação difundi-la, promovê-la, internacionalizá-la. Mas não podemos ficar apenas agarrados à nostalgia da língua. A língua é um meio de transmissão de conhecimento, de negócios, do comércio, do investimento. Eu, por exemplo, não me preocupo se estou a aplicar [o acordo ortográfico] ou não. Se as pessoas me entendem, vamos em frente – disse ontem (17 de outubro) Murargy, em entrevista à Agência Brasil.
Para o secretário, que estará em Brasília no fim de outubro por ocasião da 11ª Conferência de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, a CPLP está cada vez mais visível no contexto internacional. Uma série de países, como a Índia e a Austrália, se candidataram, inclusive, para serem observadores da Comunidade.
– Nós, os países-membros, não nos olhamos ao espelho para ver quão interessantes somos. Os outros é que olham para nós e veem a importância que temos no cenário internacional. O potencial econômico, os recursos naturais que nós temos… Eles [os países observadores] querem ter acesso a nossas negociações sobre comércio e investimento. Todo mundo quer aprender português, sobretudo por causa dos países africanos. Hoje a Turquia está na África. A China e a Índia estão na África. Estão todos a correr para a África para desenvolver negócios.
Segundo Murargy, que serviu como embaixador de Moçambique no Brasil por seis anos e meio, é preciso que os países-membros da CPLP redefinam os objetivos da organização, tendo em conta seu potencial econômico e seus recursos naturais.
– Todos os países da CPLP têm uma capacidade energética muito forte. É preciso traçar políticas para exploração desse recursos em benefício dos nossos próprios povos. Na agricultura é a mesma coisa. A larga experiência do Brasil, através dos conhecimentos que a Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] possui, pode ser transmitida a outros países que também têm capacidade para produzir alimentos. A próxima guerra vai ser por alimentos. E nós temos a capacidade de minimizar os grandes deficits de alimentos no mundo.
No entanto, para Murargy, o maior dos desafios que a Comunidade enfrenta é na área da educação e do desenvolvimento humano. “Os países, sobretudo da África, ainda têm um grande deficit na área de educação, inclusive na educação de base, e é preciso eliminar o analfabetismo para que não haja um cidadão que não saiba ler, escrever, fazer contas”.
A respeito do Brasil, Murargy disse que o país está buscando o equilíbrio entre as prioridades internas e o compromisso que tem com as comunidades, como a CPLP e as Nações Unidas.
– É preciso ter em conta que o Brasil é um vasto continente e, apesar de ter muitos recursos, é um país em desenvolvimento. Um país que luta para resolver seus problemas de base, como pobreza, educação, saúde, habitação. Então o Brasil interessa-se [pela CPLP] na medida do que é possível. Assim como outros países, como Angola e Moçambique, dá prioridade, obviamente, à resolução dos problemas internos. Os problemas da Comunidade ficam sempre em segundo ou terceiro plano.
Acordo Ortográfico
– Quanto ao acordo ortográfico, muita gente não está de acordo, há muitos intelectuais, jornalistas, que não aplicam, pois acham que não traz vantagens. Não há uma unanimidade sobre se valeu a pena, ou não, o tanto de dinheiro que se gastou. As implicações financeiras da aplicação do acordo são grandes – disse Murargy.
Ele deu como exemplo a alteração dos manuais escolares, sobretudo nos países africanos, que não têm capacidade financeira para mandar alterar tudo.
– Acredito que devemos concentrar-nos no que é fundamental para permitir que os outros [países-membros] possam se desenvolver.
Futuro da CPLP
– Eu gostaria que a CPLP resolvesse um grande problema, que é a questão da mobilidade do cidadão no espaço da Comunidade. Sobretudo em grupos identificados, que são os empresários, jornalistas, artistas, desportistas, estudantes, investigadores, pesquisadores. A este grupo podíamos começar a dar uma porta de saída para circular no espaço, enquanto os países se organizam, para que a abertura seja total para os outros cidadãos. Isso seria um grande avanço nos próximos dez anos. E isso tem implicações na questão da educação, dos intercâmbios de conhecimento entre estudantes de Portugal, Brasil, Moçambique… Porque esses são os cidadãos que vão transmitir a imagem do que é a CPLP, deste sentimento de pertença à CPLP.
– Eu vejo que, se houver vontade política, e espero que em Brasília os chefes de Estado reafirmem a sua decisão de que a CPLP é uma organização para todos os nossos povos, é possível dar um impulso para que continue a crescer cada vez mais. Eu acredito que é um grande instrumento que temos para nos posicionarmos a nível internacional. Hoje já somos incontornáveis, mas podemos ser mais se mostrarmos um empenho em que essa organização cresça – afirmou Murargy.