A desnutrição, enquanto problema de saúde pública, está documentada há já várias décadas e tem sido alvo das mais diversas abordagens e estratégias de intervenção. A prová-lo está o facto de a ONU ter incluído a redução da fome para metade nos chamados Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), ainda na década de 1990. E chegados ao ano de 2015, vemos que foi por muito pouco que esse objetivo não foi cumprido. A maioria dos países monitorizados pela FAO – 72 de 129 – conseguiu reduzir para metade a incidência de desnutrição até 2015, e 29 países cumpriram o objetivo mais ambicioso definido na Cimeira Mundial da Alimentação em 1996, quando os governos se comprometeram a reduzir para metade o número absoluto de pessoas desnutridas até 2015.
Mas o que é afinal a desnutrição e porque é que, passado tanto tempo e com tanta tecnologia de produção de alimentos disponível, continuamos a ter quase 800 milhões de pessoas com fome? Em primeiro lugar, convém esclarecer a diferença entre desnutrição aguda e crónica. A primeira, define-se como um baixo peso para a estatura e pode surgir ao longo da vida, sendo mais facilmente revertida através da adoção de boas práticas alimentares. A desnutrição crónica, mais grave, caracteriza-se por uma baixa estatura para a idade e se não for revertida nos primeiros dois anos de idade tem consequências para toda a vida. É por isso urgente a prevenção destas situações (ainda durante a gravidez), o seu diagnóstico atempado e o desenvolvimento de estratégias de intervenção que melhorem o estado nutricional das crianças com desnutrição crónica.
Embora seja frequentemente vista pelos decisores políticos como um “simples” indicador de saúde, a verdade é que a desnutrição crónica (DC) é muito mais que isso – tanto a montante, pelas causas que a originam, como a jusante, pelas consequências que tem ao nível dos custos económicos e no comprometimento do desenvolvimento das nações. De facto, a incidência de DC já deve ser, por si só, um sinal de alarme, pois entre as causas diretas pelo seu surgimento estão a ingestão inadequada de alimentos, elevados níveis de infeções e a gravidez precoce. Pobreza, baixo nível de educação e discriminação de género estão entre as causas básicas para a DC e não são propriamente indicadores de “saúde”, mas sim socioeconómicos. Por outro lado, a prevalência de DC tem consequências muito para lá de crianças “com fome” ou “baixinhas”. A OMS estima que 60% das mortes antes dos cinco anos esteja associada à desnutrição. E as crianças que sobrevivem, não atingirão todo o seu potencial de desenvolvimento, tornando-se adultos com maior probabilidade de sofrer doenças crónicas e menor produtividade. Para se ter uma noção da dimensão deste problema, alguns autores estimam que as perdas de produtividade por DC representam 2-3% do PIB de Moçambique (1).
É pois fundamental que a desnutrição deixe de ser vista apenas como uma questão de nutrição. A dimensão social e económica deste problema é demasiado relevante para se ignorar. O desenvolvimento das nações pode ficar comprometido por mais uma geração de cada vez que se adia a erradicação da desnutrição. Sem populações produtivas, livres de problemas de saúde crónicos e com sentido critico, o tão esperado desenvolvimento das nações subsarianas ficará adiado uma vez mais.
Mas felizmente, a resolução deste problema está ao alcance de todas as nações, fruto do conhecimento adquirido nas últimas décadas com os ODM. As dificuldades estão na maior parte das vezes bem identificadas, assim como o rol de soluções que se podem adotar. Agora que os ODM deram lugar aos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentado) e a ambição passou a ser a erradicação da fome, está na altura dos vários intervenientes (Governos, ONG’s, Associações da Sociedade Civil e Entidades Privadas) passarem à ação. Todos podemos dar o nosso contributo e é mais fácil do que se poderia pensar!
(1) Khan S, Tiago A, Ibrahimo H, Miguel A, Junusso N, Fidalgo L, Ismael C, Meershoek S. 2004. Moçambique: Investir na Nutrição é Reduzir a Pobreza – Análise das Consequências dos Problemas Nutricionais nas Crianças e Mulheres. Maputo: Ministério Da Saúde, Direcção Nacional De Saúde, Repartição da Nutrição