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Mudar de ares na esperança de uma vida melhor  

Genézia Alencar, Kátia Gazani, Paulo Silva e Vítor Aloísio são quatro dos mais de 200 mil brasileiros que saíram do Brasil, à procura de melhores condições de vida e de oportunidades em Portugal. A procura de um local mais seguro para se viver, a educação de qualidade e a possibilidade de ter acesso a um sistema de saúde com mais qualidade são aspetos cruciais que pesaram na hora de atravessarem o Atlântico

 

De acordo com o relatório estatístico anual de 2021 do SEFSTAT, portal de estatística do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, os brasileiros são a principal comunidade estrangeira residente em Portugal. Atualmente, o número de imigrantes ultrapassa os 750 mil e a população brasileira representa 29,3% do valor total de estrangeiros.

Genézia Alencar, 47 anos, chegou a Portugal em outubro de 2017, com o marido e os dois filhos. Atualmente, é assistente numa loja de roupa em Almada. Veio para o País para acompanhar o companheiro, que desejava prosseguir no 3ºciclo de estudos, no ensino superior: “O meu marido veio para Portugal fazer um doutoramento na área da música e, para não o deixar sozinho nesta mudança, decidi deixar o Brasil e acompanhá-lo.”

Kátia Gazani, 51 anos, é formada em publicidade e chegou a Portugal em março de 2020, com os dois filhos. No Brasil, trabalhava na área de produção de eventos e decidiu emigrar, “com o intuito de procurar melhores condições de vida, tanto a nível pessoal como profissional.”

Paulo Silva, 23 anos, é licenciado em Educação Física e Desporto e, hoje em dia, é instrutor num ginásio em Almada. Aterrou no País em fevereiro de 2019 com os pais, que no passado já tinham vivido durante seis anos em Portugal. A melhor segurança pública, quando comparando com o Brasil, foi dos principais motivos para o regresso desta família. “Se não fosse os problemas de segurança pública, estaria lá até hoje”, garante. Além disso, Paulo decidiu realizar os seus estudos no ensino superior em Portugal e, recentemente, começou o mestrado em Ensino de Educação Física e Desporto.

Vítor Aloísio, 52 anos, veio para Portugal em fevereiro de 1995, com um amigo, mas quatro meses depois chegou também a mulher. “No Brasil, era funcionário público e acabei por vender tudo o que tinha. Decidi vir porque estava desiludido com a situação do país”, revela. Atualmente, é designer gráfico.

 

Uma nova fase

Existem alguns problemas e diferenças que surgem quando se emigra, nomeadamente a língua, a adaptação, a rotina, os horários e até mesmo a própria população local. No entanto, cada caso é um caso. Um dos motivos que levou Genézia Alencar a imigrar é o facto de a língua não ter grandes diferenças: “Temos um pouco de dificuldade quando chegamos aqui porque há palavras que não têm o mesmo significado. No entanto, a língua e os hábitos não são tão diferentes”. Já Kátia Gazani constata que a única barreira que enfrentou foi a humana: “Os portugueses e os brasileiros são muito diferentes. Classifico os portugueses como mais objetivos”. Paulo Silva vivenciou anteriormente a experiência de morar em Portugal. A família morou durante seis anos e ele um ano, quando era mais novo. “Depois disso, voltámos para o Brasil. Entretanto, regressámos a Portugal e os meus pais já estavam mais habituados. O meu pai já tinha emprego e eu fui com a minha mãe procurar trabalho para ela. O que mais mudou foi o facto de não haver ninguém aqui que conhecesse. Essa foi a parte mais difícil, a adaptação.”

 

Os dois lados da moeda

O Brasil enfrenta diversos problemas a nível político, com todas as polémicas associadas ao governo do presidente Lula da Silva, a nível económico, embora a situação esteja a estabilizar nos últimos tempos, e a nível social, com a falta de segurança pública e o desemprego. Apesar da situação complexa que o Brasil está a viver atualmente e como há sempre perspetivas diferentes, muitos acreditam que a estabilidade do país será possível: “Espero que a situação atual melhore com a eleição do novo Presidente, pois em todos os aspetos estávamos a passar por dificuldades”, acredita Genézia Alencar. Por outro lado, alguns brasileiros mostram-se mais descrentes: “O Brasil piora a cada dia que passa. Os governantes e a população fazem o que querem. Só se houver uma mudança radical é que poderá vir a melhorar. Muitas pessoas moram na rua, não têm o que comer, não têm as condições básicas”, descreve Kátia Gazani. Paulo Silva explica que “economicamente, se a pessoa não tiver um bom salário, não dá para viver sozinho com o salário mínimo. Existe muita corrupção”.

 

Da noite para o dia

Lula da Silva assumiu o cargo de Presidente da República Brasileira, a 1 de janeiro de 2023, sucedendo a Jair Bolsonaro. Esta mudança de governo teve um grande impacto na sociedade brasileira, a começar com a diferença de políticas defendidas pelos dois presidentes. Segundo uma pesquisa da IPEC (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica), 41% dos brasileiros classificam o governo do Presidente Lula da Silva como bom/ótimo, como é o caso de Genézia Alencar: “Ele defende ideias que o antigo Presidente não defendia. Conheço pessoas que acreditam que o país vai melhorar e que vão ter capacidade de voltar para lá e viver melhor, no sentido de ter mais emprego e de ter uma educação melhor, devido à mudança de governo. O Lula é um presidente que está mais ligado ao povo.” Todavia, a governação do país deve ser feita de forma cautelosa, de modo a não comprometer os compromissos assumidos com a população. “Acho que pode haver grandes mudanças, apenas se o poder não subir à cabeça do governante ou se o poder não o corromper”, cimenta Kátia Gazani.

 

Voltar às origens

Segundo dados da Organização Internacional das Migrações (IOM), o número de imigrantes brasileiros que recorreu à organização para retornar ao seu país, em 2022, quase quadruplicou, passando de 219 para 832. Um pensamento que pode surgir muitas vezes é se se tem intenção de um dia regressar a “casa”. As opiniões divergem: “questiono-me sempre sobre isso. Não pretendo voltar, mas não posso dizer que nunca voltarei, porque eu não sei como é que vai ser daqui para a frente quando acabar o mestrado. Não penso em voltar para lá, mas se tiver de voltar não vejo problemas nisso”, expressa Paulo Silva. Por outro lado: “não pretendo voltar. Pensei nisso nos primeiros anos, mas volto a dizer, não pretendo voltar”, assume Vítor Aloísio.

A Casa do Brasil de Lisboa (CBL), na Rua Luz Soriano, é uma associação de imigrantes sem fins lucrativos, fundada em 1992, por portugueses e imigrantes brasileiros, com elevadas qualificações. A CBL tem dois departamentos de atendimento ao público, que contam com um gabinete de orientação e encaminhamento. Um desses serviços está localizado no Bairro Alto e o outro em Cascais, numa pareceria com a Câmara Municipal de Cascais.

A CBL atua em três grandes áreas: intervenção social, cultura e ativismo. No que diz respeito à intervenção social, a associação desenvolve múltiplos projetos, como o “MigraMyths”, que visa o combate à descriminação e ao preconceito sofrido pelos imigrantes brasileiros. A área da cultura está relacionada a tudo aquilo que envolva a cultura brasileira e dos PALOP. Relativamente ao ativismo, Ana Paula Costa, vice-presidente, afirma que “a CBL esteve sempre envolvida nas políticas de imigração em Portugal, como no acordo de regularização dos trabalhadores imigrantes, com o presidente Lula da Silva em 2003”.

A Casa do Brasil tem-se mostrado empenhada em defender também os direitos dos imigrantes brasileiros em Portugal. Atualmente, a associação tem oito projetos em desenvolvimento. “Para além do MigraMyths, temos o Brasil-Portugal: Por uma Migração com Direitos”, no qual pretendemos informar as pessoas relativamente ao processo de migração, no país de origem (Brasil), de modo a tornar a migração segura, ordenada e legalizada, para Portugal”, adianta, acrescentando que conta com “a Comissão Europeia e o Orçamento de Estado Nacional Português como parceiros económicos”.

 

Ser parte da sociedade

Portugal mantém-se entre os dez países com melhores políticas de integração de migrantes, de acordo com o Índice de Políticas de Integração de Migrantes (MIPEX) 2020, elaborado pelo Migration Policy Group (MPG). “Portugal tem uma boa política de migração e de acolhimento. De forma geral, “recebe bem as pessoas”, acredita Ana Paula Costa.

A vice-presidente descreve que a Casa Brasil de Lisboa tenta ajudar pessoas que têm muitas dificuldades em tratar de documentos, muitas vezes, devido aos atrasos do SEF. No entanto, tão ouve muitos relatos de descriminação, quando algumas pessoas tentam ter acesso a serviços como a saúde e a educação. “A integração é uma via de mão dupla. Não é só o imigrante que tem de se integrar na comunidade que ele escolheu para viver. A comunidade local também tem de se integrar com a nova comunidade presente”, defende.

As razões que impulsionam a migração no Brasil são múltiplas, como a qualidade de vida, a educação, a saúde e até mesmo questões pessoais. Partindo do contacto com os imigrantes, a Casa do Brasil confirma que não existe um perfil de imigrante brasileiro específico, mas um universo heterógeneo que, por diversas, situações chegam a Portugal: “Muitos são estudantes, trabalhadores, pessoas que vêm acompanhar a família, que trabalham no Brasil e passam um tempo em Portugal. É muito diverso, assim como os motivos. Alguns são projetos de vida, outros estudos e outros por motivações económicas.” Dentro destas questões de migração, há políticas que facilitam a vinda de pessoas do Brasil e dos países da CPLP para Portugal, como a autorização de residência CPLP.

 

Imagem Freepik

Um possível retorno

Em novembro de 2022, o Presidente Lula da Silva deixou um apelo a toda a comunidade brasileira imigrante em Portugal para que regressasse ao Brasil. A mudança de governo agradou a muitos brasileiros, o que poderá levar a que alguns cidadãos a seguir o apelo do chefe de Estado. Ana Paula Costa considera que “aí se entra na questão da situação económica. Se o Brasil melhorar economicamente e tiver mais oportunidades, pode ser que as pessoas queiram voltar. Mas isso depende do projeto de vida da pessoa, é uma questão muito pessoal”.

O mercado de trabalho e a economia são os fatores que impulsionam a emigração. “Quanto melhor os serviços do país, melhor vai ser a vida das pessoas. Por outro lado, haverá sempre pessoas a querer emigrar porque assim o desejam”, explica a vice-presidente, ao mesmo tempo que acrescenta que “a desestabilização política e económica causa a desorganização social. Uma das principais questões do Brasil é a distribuição de renda, que na prática não há”. O Brasil ocupa a nona posição no ranking das maiores economias do mundo em 2023 e é facto que – continua,- “não é um país pobre, mas há muitos pobres no país. Com isso pode-se ver que a riqueza é concentrada em poucas pessoas. Internamente, essa desigualdade, que causa outros problemas sociais, sobretudo, nas grandes cidades como o Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, traz a violência, a pobreza e uma série de questões sociais que o Brasil precisa de melhorar nos próximos anos”, conclui.

Um dos principais problemas que o Brasil enfrenta é a educação. Segundo dados, de 2018, do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), o Brasil ocupa os últimos lugares em termos de desempenho nas áreas da linguagem, matemática e ciências. Para se alcançar melhores resultados é, na opinião do aluno de mestrado em Ensino de Educação Física e Desporto, Paulo Silva, “preciso investir na educação, desde o início até às licenciaturas e mestrados”. Para além da educação, é necessário “melhorar a segurança pública”, completa. Genézia Alencar considera que “as taxas de juro têm de baixar para se poder ter poder de compra. A saúde está em decadência e as escolas também”.

As pessoas querem ter acesso a serviços de qualidade, de modo a ter melhores condições de vida, seja no seu país de origem ou no estrangeiro. Como reitera Genézia Alencar, “os imigrantes brasileiros procuram uma vida melhor na Europa e, se houver melhor qualidade de vida no Brasil, irão permanecer lá”.

 

Por João Figueira, aluno da licenciatura em Jornalismo da Escola Superior de Comunicação Social de Lisboa.

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