Morri. Não sei bem como nem quando, mas num dia qualquer acordei e estava morta. E depois, o que fiz?
O filme Então morri, de Bia Lessa e Dany Roland, começa com um cadáver de cabelos brancos e uma pele enrugada de quem deu muitas voltas ao Sol.
A mulher no caixão parece em paz. Agita-se a família com a sua partida e somos obrigados a enfrentar a nossa própria Humanidade.
O filme começa em retrospetiva, partindo da morte para o nascimento.
Numa narrativa elaborada ao longo de 19 anos, Bia Lessa passa por mulheres de idades, experiências e brasilidades diversas.
Filhas, mães, netas, avós, amantes, esposas, namoradas, na encruzilhada difícil de vivências que uma única mulher faz até nascer, se descobrir.
Vidas feitas de pequenos suicídios, pequenas mortes, para permitir novas experiências, para elas mesmas ou para outras mulheres ao redor.
Em Então morri, a Mulher é construção constante, começando pelo fim e encarando logo o inevitável e derradeiro destino da nossa existência. Para viver é preciso morrer um pouco.
A morte aqui não é nada senão o eterno começo da viagem para a vida e a vontade incessável de sentir o pulsar do Ser.
Uma das mulheres mais marcantes, no seu percurso entre as lojas que lhe são tão familiares, dá-se ao luxo de beber vários copos de cachaça.
Numa alegria peculiar, a velha diverte-se consigo mesma a cada gole que dá nas suas paragens para compras. É um momento íntimo que partilha com os personagens com quem se encontra cada vez que vai à vila, mas esconde do seu esposo. A menina rebelde morreu para dar espaço à mulher que queria ser.
É esta a realidade de muitas mulheres: os segredos das suas solidões. Por vezes partilhadas com aqueles amigos distantes, mas desconhecidas pelos homens com quem partilham as suas vidas.
Ser Mulher é estar em confronto com a vida e em negociação para não se deixar morrer no caminho: manter uma certa inocência; humildade e descoberta.
Então morri. Não sei bem como nem quando, mas num dia qualquer acordei e estava morta. E depois, o que fiz?