Maquista úndi vôs ta vai? A regeneração do Patuá de Macau
Numa península vizinha à província de Cantão na foz do rio das Pérolas, Macau possui uma população dominantemente chinesa. A língua mais utilizada nas ruas de Macau é o chinês-cantonês sendo esta a língua comum no dia-a-dia local. No entanto, esta língua característica da província de Cantão arrisca-se a ser substituída pelo chinês-mandarim trazido pelos inúmeros turistas e trabalhadores temporários chineses que todos os dias dominam as conversas cruzadas que se ouvem ao caminhar pela cidade. É relevante referir que além da existência de luso-descendentes bilingues em chinês e português, existem demais jovens que acrescem ainda várias outras línguas à sua cultura familiar como inglês, espanhol, malaio, tagalog, tailandês, muitas vezes gerando conversas com termos de várias línguas em simultâneo.
Em Macau, o português é reconhecido como língua oficial em paridade com o chinês.
A presença da língua portuguesa no território é essencialmente mantida pelos portugueses que escolheram continuar em Macau por motivos de carreira profissional. Existe depois uma minoria macaense, indivíduos com descendência de famílias que durante várias gerações se fixaram e prosperaram em Macau, tendo sempre algum tipo de ligação à raiz portuguesa. Muitos macaenses optaram pelo ensino oficial português, no entanto, é dentro das suas casas e entre a família que existe uma língua crioula específica de Macau, o Patuá (patois) maquista.
Hoje em dia, o Patuá macaense é uma língua que na prática está em desuso. São poucos os que ainda sobrevivem e carregam consigo a “doci lingu di macau” (doce língua de Macau). O Patuá era essencial na comunicação quotidiana entre os portugueses e as comunidades locais macaenses e chinesas.
Doçi Lingu di Macau
Segundo o presidente da Associação dos Macaenses, Miguel de Senna Fernandes em entrevista, “entender Patuá não é apenas uma questão de aprendizagem da gramática mas sim envolve um maior entendimento sobre o contexto social. Quem fala Patuá veicula também a sua cultura”. Precisamente por essa razão, em 1993, Senna Fernandes em conjunto com um grupo de macaenses criaram o grupo teatral Dóci Papiaçam di Macau, os quais organizam anualmente uma peça de teatro integralmente em Patuá.
Literatura Patuá
Vários foram os autores que por mérito próprio que documentaram por escrita o Patuá. Destes ilustres destaca-se o poeta e prosista José de Santos Ferreira (1919-1993). Conhecido popularmente por Adé, deixou uma extensa variedade de obras em Patuá. O seu legado inclui letras musicais assim como escritas de peças teatro. É considerado o último “académico” em Patuá.
A sua voz pode ainda ser ouvida nos acervos a recitar os seus poemas em Patuá.
Ouça o poema Bote-Dragám (Barcos-Dragão) recitado por Adé
Maquista úndi vôs ta vai?
Citando António Aresta (Artigo de António Aresta, Jornal Tribuna de Macau, 17-02-2011): “Reviver é reinventar a língua, com o sangue novo a circular nas velhas artérias da memória, irrigando um passado que assim se faz presente”, após várias décadas em que a língua maquista esteve adormecida, existe actualmente uma tendência de uma progressiva regeneração do interesse em torno da identidade cultural macaense e em particular do Patuá. Em 2012, o Patuá foi inscrito como património intangível nas listas do Instituto Cultural do governo da RAE de Macau.
Na esfera académica surgem dissertações em torno do tema Patuá e a questão da identidade macaense resultando na agregação da informação já existente que no entanto é dispersa, em peças manuscritas ou por vezes o testemunho dos mais velhos (Artigo de Paulo Barbosa, Jornal Tribuna de Macau, 18-10-2010).
De forma a manter o interesse nas gerações mais jovens da diáspora e cativar o seu interesse pelas raízes familiares, as Casas de Macau desempenham um importante papel na divulgação de eventos que mobilizem todas as faixas etárias e especialmente os mais jovens. Em declarações para a imprensa, Jorge Rangel defende que o governo de RAE de Macau deve tirar partido da maior aproximação das Casas de Macau da diáspora para melhor promover o território. O presidente do Instituto Internacional de Macau refere-se também da relevância de incluir os mais jovens da diáspora nos órgãos directivos das Casas de Macau com vista à revitalização da dinâmica no interior da organização.
Na blogosfera, Elisabela Larrea optou por difundir o Patuá na forma de “flashcards” contendo palavras e expressões idiomáticas. A autora do blog A Bela Maquista pretende assim chegar a um maior público-alvo e para isso incluí traduções em português, inglês e em chinês das expressões maquistas. Refere em entrevista que a ideia surgiu após uma apresentação sua para um público essencialmente chinês onde se apercebeu que existia interesse no crioulo macaense. O objectivo do projecto será publicar semanalmente novas expressões idiomáticas em Patuá.
Este pequeno artigo baseado em uma breve pesquisa bibliográfica online sobre o crioulo de Macau – Patuá, é pois um tema demasiado complexo para se conseguir abranger todas as vertentes, espera servir de mote para que se reforce o interesse nesta língua crioula pelo vasto mundo lusófono e que futuramente promova novas pesquisas e trabalhos que mantenham presentes o Patuá e a cultura macaense em todos nós, descendentes da diáspora ou simplesmente pessoas apaixonadas pela diversidade cultural. As ferramentas para a sobrevivência da cultura macaense existem disponíveis, cabe sim a nós, os jovens, independentemente da localização geográfica manter-nos proactivos no associativismo multicultural.
Terminamos com um vídeo produzido pelos Dóci Papiaçam di Macau que recorrendo à comédia para mostrar o Patuá:
Artigos académicos
– “Os Demonstrativos em Maquista: uma análise morfossintáctica contrastiva”. Pinharanda Nunes, Mário P., 2008.
– “Macanese in the global network : a study of post-colonial Macanese cultural identity performance”. Larrea Y Eusebio, Maria Elisabela, 2008
Livros
– Papiá Cristám di Macau: Epítome de Gramática Comparada e Vocabulário. Dialecto Macaense. José dos Santos Ferreira (1978)
– Macau Vista por Dentro. J.J. Monteiro. Edição da Direcção dos Serviços de Turismo, Imprensa Nacional de Macau (1983)
– Maquista Chapado. Edições Instituto Internacional de Macau (2001)
– Filhos da Terra. Alexandra Sofia Rangel, Edições Instituto Internacional de Macau (2012)
Blogs
– http://macauantigo.blogspot.com/2012/12/lingua-de-macau-patua-final-sec-xix.html
– http://macauantigo.blogspot.com/2011/06/adivinha-maquista-correccao.html
– https://nenotavaiconta.wordpress.com/2016/09/26/cantilenas-macaistas-antigas-quadras-populares/
– https://cronicasmacaenses.com/2013/03/25/20-anos-de-silencio-do-patoa-do-poeta-macaense-ade/
Internacionais
– http://www.bbc.com/news/world-asia-18068251
– http://www.nytimes.com/2011/02/08/world/asia/08macao.html
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