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Maioridade penal e perda de tempo

(Imagem: Antonio Cruz, Agência Brasil)

Um comentário recorrente na crônica política brasileira é que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), pode ser criticado por inúmeros defeitos, mas não por sua proatividade. Desde a sua eleição, em fevereiro de 2015, o Parlamento brasileiro vem legislando em um ritmo alucinante. Mas isso está longe de ser bom para o país. No caso da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, vai do trágico ao inútil.

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Antes de discorrer sobre o Congresso em si, é bom que se diga uma verdade: na letra fria da lei, nenhum dos projetos de redução da maioridade penal que prosperaram no Parlamento é um completo absurdo. No país em que estão 13 em cada 100 pessoas assassinadas no mundo, qualquer lei que puna crimes hediondos – seja cometido por um adolescente ou um adulto – seria bem-vinda. O problema começa na aplicação desta lei. Não adianta legislar para a Suécia e aplicar as leis no Brasil.

Na teoria, a lei serviria para impedir que um assassino ou estuprador entre os 16 e 17 anos possa sair livre após três anos de internação em vez de cumprir um bom tempo na cadeia. É coerente, até. Na prática, o caos logístico dos presídios brasileiros dá provas de que misturar adolescentes e demais presidiários é uma péssima ideia. Em estruturas dominadas por facções criminosas, eles se tornarão recrutas valiosos, já autores de atrocidades, e agora em contato com o que há de pior para incendiar a receita. Além de inviabilizar qualquer chance de reinserção sadia à sociedade.

Aos que se sentirem mais seguros com a eventual redução da maioridade, cabe lembrar que esse pessoal voltará ainda bastante jovem e consideravelmente mais perigoso para a sociedade assim que obtiver qualquer progressão de regime.

Para provar que a questão é muito mais complexa do que os deputados fazem parecer, vale ler esta reportagem. Entre falas surpreendentes dos adolescentes da Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (Fase) do Rio Grande do Sul, o texto relata um motim de internos com mais de 18 anos para ir ao presídio. Isso mesmo, alguns infratores preferem o descontrole das cadeias, onde podem se unir de vez a uma facção, ao controle dos monitores e às obrigações socioeducativas. São adolescentes, afinal. Que adolescente quer educação e controle?

Graças em parte a mecanismos de proteção do próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), não há dados confiáveis sobre o número de crimes graves cometidos por adolescentes no Brasil. Na base do telefone sem fio, os veículos de comunicação brasileiros vêm repetindo um dado atribuído à Unicef de que seriam autores de 1% dos crimes, mas uma lupa nos números mostra que pode não ser bem assim. Mas que fosse 10 vezes superior a isso. Não seria o caso de focar toda essa movimentação legislativa e esse acalorado debate nacional nos outros 90% dos crimes hediondos?

Aos que elogiam a proatividade de Eduardo Cunha, pergunto: para que ela serve? Que país emerge desse Legislativo proativo ao desperdiçar tanto tempo em uma questão que, na melhor das hipóteses, é inócua para o contexto alarmante da segurança pública?

Se o Parlamento brasileiro estivesse de fato preocupado em melhorar a segurança do país, certamente o debate em torno dos adolescentes seria sobre como protegê-los, e não sobre a melhor forma de encarcerá-los. Se faltam dados sobre os agressores, sobram sobre as vítimas: foram 7.592 adolescentes mortos no Brasil em 2012 segundo dados do Programa de Redução da Violência Letal, estabelecido em 2007. A estimativa é de que serão 42 mil até 2019.

Já na questão prisional, mais lógico seria tomar o caminho inverso ao debate vigente. Faltam iniciativas que separem apenados adultos, mas ainda jovens e autores de crimes de menos periculosidade, da massa carcerária inflamável e contagiosa. Uma das poucas iniciativas experimentais nessa linha, a construção de um Centro de Reinserção Social em Canoas (RS), caminha no passo moroso das obras públicas, e não no ritmo subitamente acelerado dos deputados federais. Quando suas vagas forem ocupadas, já serão poucas.

Mas há motivos na celeridade de Eduardo Cunha.

Debater a redução da maioridade penal pode ser perda de tempo para o país, mas não é para os congressistas. No Brasil, medo rende votos. É ele que está sendo manipulado quando os deputados se mobilizam para aprovar uma medida apoiada por 87% da população. Da eventual redução da maioridade não emergirá um país mais seguro, apenas deputados mais populares liderados por uma figura perigosamente conveniente em um país atemorizado pela violência.

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