Há gerações que a tradição se mantém a mesma: quebrar o coco babaçu e extrair-lhe o óleo. A tarefa fica a cargo das cerca de 300 mil mulheres brasileiras, espalhadas pelos estados do Maranhão, Tocantins, Pará e Piauí — área que aglutina o Cerrado, a Caatinga e a Floresta Amazônica, especialmente rica em babaçuais (a árvore do babaçu).
Do fruto, nada se desperdiça. Aproveitam-se as folhas para a construção dos tetos e do isolamento térmico das casas; da palha, nascem cestos que guardam e carregam; da casca, obtém-se o carvão; do caule, o adubo para fertilizar as plantações agrícolas; da polpa (mesocarpo), desenvolve-se uma farinha altamente nutritiva; das amêndoas, extrai-se o óleo — um dos mais versáteis do mundo — e confeciona-se sabão, leite de coco, remédios naturais e, segundo as pesquisas científicas mais recentes, biocombustível.
A cultura de quebra do babaçu é já um carimbo identitário do nordeste brasileiro. Ali, brota uma das atividades económicas e culturais mais importantes da região, desempenhada por um grupo de mulheres resistente, sábio, lutador e sustentável. Graças a este, aquilo que outrora foi considerado uma praga passou a ser sinónimo de riqueza e diversidade. Hoje, o fruto dá origens a outros frutos, capazes de alimentar mães, pais e filhos.
Os desafios das quebradeiras
Com a expansão da indústria agropecuária, os campos de babaçuais deixaram de ser livres. Estão concentrados em grandes fazendas, dificultando o acesso às quebradeiras. Durante décadas, depois de alguns territórios serem transgredidos por estas mulheres — que tentam alimentar diariamente a família —, a violência começou a reinar. Os ataques físicos, as ameaças de morte e os abusos sexuais tornaram-se cada vez mais frequentes contra o coletivo feminino.
Perseguindo o objetivo de colmatar os danos morais, físicos e psicológicos, em 1997, foi criada a Lei Babaçu Livre. Primeiramente, foi implantada no estado do Maranhão, mas rapidamente se alargou às restantes regiões férteis em babaçuais. A nova legislação veio evidenciar que estas árvores não podem ser derrubadas, garantindo o acesso às plantações, mesmo que estejam em territórios privados. Porém, são raros os municípios que cumprem a legislação — dos 217 municípios do Maranhão, apenas 15 a aprovaram. A isto, junta-se a constante revogação da lei por parte dos fazendeiros — mesmo que definam os babaçueiros como uma praga, sem qualquer valor nutricional ou económico.
Os obstáculos são imensos. Alguns, têm a forma de cerca eletrificada. Outros, não passam de capangas contratados que vão policiando as entradas. Se alguma quebradeira tentar invadir a propriedade, é, na maioria das vezes, chantageada. Obrigam-na a pagar o acesso ao trabalho, levando-a a prescindir de metade das amêndoas que colheu — enquanto quebrava sozinha e de forma árdua a resistente “carapaça” do babaçu.
A consolidação da irmandade
Ao desempenharem o ofício da rentabilização do babaçu, as mulheres quebradeiras foram unindo esforços. Se no início eram desvalorizadas pela maioria da população, acabando por sentirem vergonha do seu trabalho, hoje em dia o único sentimento que impera é o orgulho. Consequentemente, a necessidade de enaltecer a importância do desempenho desta tarefa, que é fundamental, tanto para a economia local como para a sobrevivência das comunidades do nordeste, começou a crescer.
Ao longo do tempo, com o intuito de verem representados os seus direitos, estas trabalhadoras organizaram-se em coletivos. Graças a esse passo, foi fundado o Movimento Interestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB). Este, por sua vez, pretende fortalecer a voz das comunidades de quebradeiras de coco, que têm vindo a ser pressionadas por fazendas e empresas agrícolas na disputa de territórios. Deste modo, em pareceria com outras entidades — como a União Europeia —, o MIQCB tem identificado áreas que possam ser catalogadas como protegidas, salvaguardando as plantações de babaçuais e promovendo a extração dos seus frutos — o projeto Floresta Babaçu em Pé é apenas um dos resultados conseguidos.
Já se somam algumas conquistas, mas, ainda assim, a luta pelo acesso ao trabalho continua a ser diária. Apesar das quebradeiras de coco fazerem parte das quinze identidades étnicas brasileiras, reconhecidas como comunidades tradicionais, tendo, portanto, direito à proteção estatal, continuam longe da aclamação sociopolítica.
O trabalho é árduo
As mulheres agrupam-se, levantando-se com ao amanhecer. Todos os dias, caminham até aos babaçueiros, embaladas pelas músicas que cantam. Com elas, levam os cestos feitos a partir da palha do babaçu, com algumas ferramentas toscas e improvisadas que as ajudarão a quebrar o coco — como pequenos machados e pedras.
A extração da amêndoa do babaçu é feita de forma artesanal. Todo o trabalho é demorado. Às vezes, por cada coco, conseguem extrair-se apenas duas amêndoas. Apesar deste fruto ser quase 100% utilizado, o mercado ainda é pequeno para a sua valorização. Depois de oito horas de trabalho manual — às vezes, mais —, um quilo do produto continua a ser vendido a um preço irrisório, dificultando a estabilidade económica das quebradeiras.
Para o futuro, espera-se uma maior valorização do babaçu; principalmente do preço de venda. Até lá, as restantes batalhas continuarão a ser travadas. A reivindicação ao acesso aos babaçueiros, a manutenção e proteção das plantações, a luta por um melhor estatuto de trabalho e a estabilidade financeira são apenas algumas delas. Afinal de contas, quebradeiras rima com guerreiras; corre-lhes no sangue a resiliência milenar da emancipação laboral e da inteligência do reaproveitamento.