Depois da era dos impérios, da globalização dos países, eis que surge o tempo para a globalização das pessoas.
“No corredor movimentado de uma faculdade, numa tasca do cais do sodré, numa rua do bairro alto, surgem conversas alvoroçadas e animadas por uns quantos elementos miscigenados da alma. Angolanos, brasileiros, cabo-verdianos, guineenses, moçambicanos, portugueses, são tomenses, timorenses e quem mais quiser chegar, juntam-se em volta de uma mesa. Mas de que falam estes jovens? Que debate é este que parece querer ganhar contornos cada vez mais convictos e ambiciosos? Estes jovens falam de interculturalidade, desenvolvimento, miscigenação, afetividade, economia, corrupção, sustentabilidade, colonialismo, política, educação, cultura, sociedade! Questionam, comparam, trocam, partilham, incorporam, ajudam, argumentam, misturam. Dividem certezas e incertezas, multiplicam alegrias, partilham soluções.
Caber-lhes-á a responsabilidade por alguma mudança?
Nesta roda fala-se de Lusofonia. No início, conceito estranho, por nós tantas vezes questionado, e que hoje, passados alguns anos, nos leva à conclusão que acerca dele, ainda existe um certo desconhecimento, uma falta de atenção e muitas interpretações enviesadas.(…)”
Se ficaram curiosos, para além do site (www.conexaolusofona.org/anossahistoria), podem ainda pesquisar no youtube “O que é Lusofonia?” e logo vos aparecerá um vídeo feito por nós ao som de uma música do grande cantor brasileiro Seu Jorge e uma frase do não menos genial, Almada Negreiros: “Eu não pretenço a nenhuma das gerações revolucionárias. Eu pertenço a uma geração construtiva.”
Quis iniciar este artigo com um pedacinho da história do surgimento da Associação Juvenil Conexão Lusófona, que julgo ser também um pouco a história da nossa geração.
Hoje somos isso. Atores de um período pós-colonial, herdeiros de um passado cruzado, com um grande desafio pela frente: inventar o futuro da relação dos povos que falam a língua portuguesa.
Posso contar-vos mais uma coisa? A maioria dos jovens ainda não acordaram para isto. E os líricos, utópicos que se juntavam (e ainda se juntam) em Lisboa, Rio de Janiero, Luanda, Praia e por aí fora, não correspondem à maioria da nossa juventude quer em Portugal ou em qualquer outro país da CPLP.
Mas vamos lá falar de coisas sérias. Que futuro é esse?
Talvez fosse boa ideia comprar a edição de Outubro da revista mais prestigiada e lida pela elite mundial – Chama-se Monocle e dedicou toda a sua última edição a mostrar porque é que o português vai ser a língua do poder e dos negócios num futuro que nos pisca o olho já mesmo ao virar da esquina.
No entanto, lamento informar-vos de que este ainda não é um jogo ganho.
É verdade… parece que o cenário mundial abre cada vez mais espaço para uma ação conjunta dos povos de língua portuguesa no sentido de afirmarem globalmente os seus valores culturais, e digo isto plenamente consciente por se tratar de uma consequência natural do crescimento e da representatividade económica dos países de língua portuguesa. O que está em voga é a oportunidade, o futuro, não as causas.
Com os seus atuais 244 milhões de falantes, na sua maioria jovens, e com taxas de crescimento demográfico que evoluirão, segundo a ONU, na ordem dos 44% até 2050, num futuro próximo representaremos cerca de 4% da população mundial.
Será que algum de nós para além de se sentir, angolano, brasileiro, caboverdiano, português e por aí fora se sente também… lusófono?
Será que algum de nós usa o corredor especial para cidadãos da CPLP nos aeroportos dos nossos países? Por acaso sabe que ele existe?
O que sabem os jovens portugueses do Brasil, de Angola e de Timor?
No nosso entender, não nos entendemos muitíssimas vezes, e isto significa dizer muito mais do que o ideal. Este facto deve-se essencialmente à falta de laços entre as sociedades que integram este espaço, em parte gerada pelo desconhecimento mútuo. Sim. Por incrível que pareça ele ainda existe.
A Conexão Lusófona é primeira organização sem fins lucrativos constituída por jovens provenientes de países de língua oficial portuguesa espalhados pelos quatro continentes empenhados nas causas da integração e construção da identidade cultural lusófona.
Jean Monnet, um dos pais da União Europeia, declarou: “Se reconstruísse a Europa começava pela cultura”.
Essa é a visão da Conexão Lusófona para a construção desta Nova Lusofonia da era pós-colonial. Porque pela cultura e pela educação criamos mais facilmente os laços, e são esses laços a base de toda uma reação em cadeia positiva.
E agora perguntam vocês: Queres tu começar por onde a nossa Europa não começou?
E eu digo: Talvez.
É precisamente aqui que o projeto lusófono, com todas as suas fraquezas, ganha ao projeto europeu: cultura e língua comum. Os ingredientes estão lá. O bolo? Falta fazer.
Somos uns principiantes nesta caminhada. Só agora se começam a desenhar condições para que esse passado cruzado, essa cultura comum (com tudo o que teve de bom e de mau) seja devidamente trabalhada, capitalizada, numa relação sincera, genuína de igual para igual.
E numa atitude segura e descomplexada podemos já começar a chamar as coisas pelos nomes:
Porque é que um jovem de Carrazeda de Anciães, nascido em 1986 que emigra para Angola tem que ser olhado com desconfiança pelos seus colegas angolanos, como se fosse um explorador, na sua vertente mais suavizada de neocolonialista dos tempos modernos?
E porque é que um jovem do do bairro do Cazenga, em Luanda, levado para Portugal pelos pais nos anos 90 tem que ouvir na escola “Oh preto burro vai para a tua terra?”
Estes dois jovens só procuram uma vida melhor num mundo que de tão global ficou pequeno.
Tenho a certeza que se conversassem mais sobre os desentendimentos do passado e aproveitassem todo o legado positivo do cruzamento das suas histórias seriam grandes amigos e até abririam uma empresa juntos (agora que o empreendorismo está na moda e é preciso fintar a crise!).
Concluindo: há pontes sociais e culturais que ainda precisam de ser construídas. Há um sentimento de comunidade/país irmão, que precisa de ser mais fomentado e desenvolvido. Por outro lado, É preciso ter cuidado com a visão utilitária e interesseira que possamos imprimir a este espaço de língua comum, sob pena do projeto maior e melhor alicerçado falhar.
No nosso entender, esse sentimento e essa consciência lusófona na juventude é a base de qualquer ideia mais ambiciosa de desenvolvimento conjunto. Nesse aspeto, o Associativismo Juvenil é uma ferramenta poderosíssima e eu diria que até determinante para a construção dessa Comunidade de afetos.
Em suma, e em honra ao nosso escritor e irmão brasileiro Carlos Drummond de Andrade,
“O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.”
Pois que seja essa a nossa utopia. Estamos aqui para a concretizar.
Laura Filipa Vidal
Lisboa, 3 de Dezembro de 2012