Um dia fui à Galiza e descobri que aí falavam o mesmo idioma que eu.
Entre o efeito surpresa misturado com a extrema amabilidade com que fui recebida, por fim caí em mim e dei-me conta de como a língua é importante. Uma língua em comum é muitas vezes o primeiro passo para agregar uma comunidade que rasga fronteiras.
Para os que como eu não têm tão presente a história da formação da língua portuguesa, abro aqui um parênteses que considero oportuno. Do latim desenvolveu-se o chamado “galego-português”. Esta língua era falada durante a Idade Média na zona a noroeste da Península Ibérica, correspondente hoje ao território do norte de Portugal e da Galiza, que pertence ao estado espanhol.
Por diversas razões esta mesma língua dividiu-se em duas. Pelo seu lado, o português embarcou em caravelas e viajou continentes. Colonizou outros lugares, “sujando-se” na terra vermelha e no ritmo das falas que aí encontrou. Já o galego sofreu um duro processo de proibições desde o século XV até ao final do Franquismo. Existem até hoje movimentos de defesa da língua principalmente contra o domínio do castelhano.
O mais bonito de tudo isto é que não se terminou de romper esse cordão umbilical, essa raíz. Apesar de tudo, pode-se dizer que na Galiza fala-se a mesma língua que em Angola ou no Brasil, só que noutra variante. O resultado de todos estes séculos de reviravoltas é uma língua portuguesa, ou galego-portuguesa, mais colorida, mais variada, com diferentes sotaques e sabores por todo o mundo.
Comecei toda uma jornada de descoberta da cultura galega e da sua relação com a minha. Logo logo me encontrei com um conjunto de artistas com um avançado estado de consciência lusófona.
É o caso de Uxia Senlle, que tive o enorme prazer de conhecer. Uxia é só uma das principais vozes da música galega. Ao longo de 20 anos vem construindo uma carreira musical, por um lado dedicada ao folk e às suas raízes, e por outro muito preocupada em construir pontes com outras vozes e ritmos.
Uxia é a mentora do “Cantos na Maré“, festival internacional da Lusofonia que nasceu em 2003. Pisaram o palco do “Cantos na Maré” cantores de quase todos os cantos da Lusofonia: da Galiza, de Portugal, de Angola, do Brasil, da Guiné-Bissau, de Moçambique e de Cabo Verde. Alguns para nós muito conhecidos como Sara Tavares, Waldemar Bastos, Mario João, Tito Paris, Sérgio Godinho, Manecas Costa, Dulce Pontes, Nancy Vieira, Chico César. Da Galiza, grandes artistas como Xabier Diaz, Guadi Galego, Ugia Pereira, Mercedes Peón e a própria Uxia Senlle, como anfitriã a cada ano.
Assim é a nossa língua, “plural e colorida”, como a Lusofonia. Ou pelo menos assim queremos que seja. A meu ver, falta um passo: que nos (re)conheçamos todos melhor.
Aí sim, como diz Uxia numa das suas canções, “bailaremos juntos uma dança ritual, mestiça e pura”.