Conexão Lusófona

Escritores guineenses que precisa de conhecer

Só uma coisa torna um sonho impossível: o medo de fracassar.

Imagem: Pj Accetturo </em

Embora a Guiné-Bissau tenha sido a primeira colónia portuguesa a adquirir a independência (1974), foi o país onde a literatura se desenvolveu mais tarde. Segundo os historiadores, a tímida emancipação literária foi influenciada pelas condições socioculturais vigentes que dificultaram, consequentemente, o surgimento de escritores guineenses com vocação.

 

Tendo em conta o panorama artístico-cultural pouco fértil, sugestionado pela falta de apoio das autoridades estatais responsáveis pela promoção da cultura nacional — e pela literatura em particular —, o movimento literário do país viu o seu crescimento estagnar. Por este motivo (e outros tantos), alguns historiadores, ao contextualizarem o progresso da literatura guineense, destacam quatro fases cruciais: a anterior ao ano de 1945; a que se manifestou entre 1945 e 1970;  a que eclodiu durante 1970, prevalecendo até ao fim da década de 1980; e, finalmente, a iniciada em 1990.

 

Apesar de ser difícil compilar toda a riqueza bibliográfica de um país num só artigo — mesmo que esta tenha amadurecido de forma gradual —, decidimos reunir, através das fases supracitadas, alguns escritores guineenses emblemáticos que marcaram a História. Por isso, se ainda não os conhece, deixe-se embalar pelo seu percurso e mergulhe nas águas literárias da Guiné-Bissau.

 

Escritores guineenses marcados pelo colonialismo

As obras literárias que surgiram nesta época foram fortemente influenciadas pelo colonialismo (anteriores ao ano de 1945). A maioria apresenta um caráter histórico e, segundo alguns estudiosos, focam-se numa “abordagem paternalista” e “próxima do discurso colonial”. Além disso, é importante realçar que os primeiros livros a circularem eram de autores que não nasceram na Guiné-Bissau, mas que viverem largos anos no país. Muitos deles eram de origem cabo-verdiana — como é o caso do ensaísta Juvenal Cabral, pai de Amílcar Cabral, e de João Augusto Silva, escritor que recebeu um prémio de literatura colonial — e de nacionalidade portuguesa — como é o caso da escritora antifascista Maria Archer e da poetisa Fernanda de Castro.

 Marcelino Marques de Barros

 

O cónego guineense Marcelino Marques de Barros foi a figura que mais se destacou, durante esta primeira fase literária. Nesta época, a maioria das obras era publicada em língua portuguesa, que tinha como missão a universalização da cultura nas colónias. No entanto, este estudioso foi o responsável pela documentação da literatura oral da Guiné-Bissau. Graças a Marcelino Marques de Barros, os primeiros trabalhos etnográficos começaram a ser desenvolvidos. Através do registo dos contos populares e das canções guineenses (em crioulo e noutras línguas), o cónego editou o primeiro livro que salvaguardava a cultura de Bissau, sem que o domínio colonial a mitigasse. Deste trabalho, resultou, por exemplo, a obra “Contos, Canções e Parábolas”, publicada em 1900.

 

Marcelino Marques de Barros ficou reconhecido como o primeiro autor guineense que, além de documentar a diversidade cultural da Guiné-Bissau, obedeceu às regras literárias vigentes.

 

Escritores guineenses e a poesia de combate

Entre os anos de 1945 e 1970, começaram a surgir os primeiros poetas guineenses de destaque. A produção literária que emergiu ficou reconhecida como “poesia de combate” porque procurava, sobretudo, denunciar o domínio colonial, a miséria e o sofrimento, incitando a luta pela liberdade.

 

Vasco Cabral

 

É considerado o poeta guineense que, durante a sua geração, mais alimentou o acervo literário do seu país. Inicialmente, debruçado numa abordagem universalista, orientou as suas obras para a realidade da Guiné-Bissau. Publicou o seu primeiro livro em 1981, intitulado “A luta é a minha primavera” — obra que compilou 23 anos de criação poética, referentes ao período de 1951 a 1974. A solidariedade, a fraternidade, o amor, a alegria, a esperança e, essencialmente, a poesia da vida são alguns dos temas mais abordados no seu espólio literário. Ficou reconhecido como o autor da escola neorrealista do seu tempo.

 

Em baixo, deixamos-lhe um excerto de um poema de Vasco Cabral, publicado na obra “A luta é a minha primavera”.

 

Onde está a poesia?

“A poesia está nas asas da aurora
quando o sol desperta.

A poesia está na flor
quando a pétala se abre
às lágrimas do orvalho.

A poesia está no mar
quando a onda avança
e branda e suavemente
beija a areia da praia.

(…)

A poesia está nos teus lábios
quando confiante
Sorris à vida.

(…)

A poesia está no meu povo
quando transforma o sangue derramado
em balas e flores
em balas para o inimigo
e em flores para as crianças.

A poesia está na vida
porque a vida é luta!”

 

Escritores guineenses e a poesia intimista

De 1970 até ao final da década de 80, graças à conquista da independência do país, surge uma vaga diversificada de jovens escritores e poetas guineenses. A maioria das obras publicadas começavam a destacar as vivências da sociedade guineense. O passado colonial é o principal foco da denúncia literária; por outro lado, os valores como a independência, a liberdade e a esperança num futuro melhor são exaltados.

 

António Soares Lopes (Tony Tcheka)

 

Este escritor e jornalista guineense foi um dos fundadores da União Nacional de Artistas e Escritores da Guiné-Bissau. Nos dias que correm, é considerado uma referência literária incontornável. Os temas que mais retratou, através da poesia, referem-se ao passado do seu país natal, destacando a escravatura, a guerra, a instabilidade política, a fome e a diáspora. Publicou o seu primeiro livro em 1996, denominado “Noites de insónia na terra adormecida”, que foca a relação do povo guineense com as suas emoções. Esta obra está dividida em cinco partes: “Kantu Kriol” (Canto Crioulo); “Poemar”; “Sonho-Caravela”; “Poesia Brava” e “Canto Menino”.

 

António Soares Lopes, comummente conhecido como Tony Tcheka, é considerado um dos poetas que mais rosto confere a Guiné-Bissau — Imagem: Voa

Tony Tcheka também foi responsável pelas obras “Guiné: sabura que dói” (2009) — uma espécie de hino à bravura da mulher guineense — e “Desesperança no chão de medo e dor” (2015) — que retrata o abatimento da sociedade perante um futuro político permanentemente adiado.

 

De uma maneira geral, as obras do poeta guineense destacam a terra que o viu nascer e eclodir, existindo espaço para retratar o povo, as emoções, as estórias, as pertenças, os problemas sociais e a esperança.

 

José Carlos Schwarz

 

Além do epíteto de poeta, também é relembrado como músico notável. José Carlos Schwarz somava em si três ascendências distintas: a guineense, a cabo-verdiana e a alemã. Depois de despertar o seu interesse pelas batidas do jazz e do soul, Schwarz fundou a icónica banda Cobiana Djazz, durante a década de 70. A maioria das suas composições musicais homenageavam aquele que é considerado o fundador da nacionalidade guineense, o “eterno” Amílcar Cabral. Todos os seus poemas foram marcados pela profunda crítica ao regime opressor, acompanhados pela linguagem metafórica e pelos provérbios tradicionais em crioulo.

 

Entre os temas que o artista deixou para a posterioridade, principalmente os que marcaram a década de 70, destacamos o “Ke ki mininu na tchora” (imagem do conflito fratricida entre os guineenses pró-independentistas e os seus irmãos dominados pelos ideais colonialistas); “Mindjeris di panu pretu” (tributo às mulheres guineenses que perderam os seus familiares na guerra); e “Djiu di Galinha” (relato do período em que esteve preso na Ilha das Galinhas, acusado de distúrbio político).

 

Muitos dos poemas que escreveu ficaram por musicar, mas o acervo literário guineense foi largamente alimentado pelo espírito crítico de José Carlos Schwarz. Em baixo, deixamos-lhe um vídeo do grupo Cobiana Djazz que, até hoje, é apelidada de lendário.

 

Escritores guineenses e a poesia contemporânea

A independência guineense fez com que a euforia revolucionária influenciasse, em larga escala, a literatura. Os escritores que surgiram na contemporaneidade, desde a década de 90 até aos dias de hoje, pautam-se por um registo mais intimista, pessoal, profundo e inspiracional. O amor, o indivíduo, as escolhas e a felicidade começam a ganhar visibilidade na Arte.

 

Hélder Proença

 

 

 

Hélder Proença é reconhecido com um dos autores pioneiros da literatura moderna guineense — Imagem: Lusofonia

Foi escritor, poeta e político. Iniciou o seu percurso na escrita ainda na adolescência, escrevendo poemas anticolonialistas e de afirmação da identidade nacional. Estreou-se como autor na obra “Antologia dos Jovens Poetas” (1977), que seleciona vários poemas de escritores guineenses. Foi o primeiro dos poetas, destacados nesta compilação, a publicar um livro. Trata-se da obra “Não posso adiar a palavra” (1982), que reúne notas sobre a libertação e a reconstrução nacionais.

 

Além disso, Hélder Proença trabalhou como político nos Ministérios da Cultura e da Defesa, tendo sido ainda deputado na Assembleia Nacional Popular guineense. Durante a sua vida, esteve sempre ligado ao setor da educação, desenvolvendo alguns projetos sociais neste âmbito.

 

 

 

Francisco Conduto de Pina

 

Francisco Conduto de Pina — Imagem: O Livrólico

Foi o primeiro escritor a publicar uma obra integral escrita em crioulo, na Guiné-Bissau. A sua poesia oscila entre o português e a língua nativa do seu país, exaltando temas como a liberdade e a igualdade. Estreou-se no campo literário com a obra “Garandessa di no tchon (As maravilhas da nossa terra), em 1978. Além da poesia, Francisco Conduto de Pina manteve — e mantém — uma relação com o universo político. Em 2005, foi nomeado Ministro do Turismo e Ordenamento do Território guineense. Em 2013, fundou a Associação de Escritores da Guiné-Bissau, contribuindo para a promoção e valorização do património cultural do país, de modo inclusivo e sustentável, e democratizando, ao mesmo tempo, o acesso da população a bens e a serviços culturais.

 

Entre as suas obras, destacamos “O silêncio das gaivotas” (1997) e “Palavras Suspensas” (2010).

 

Abdulai Silá

 

Engenheiro, investigador, economista e escritor, Abdulai Silá é considerado o autor do primeiro romance guineense a ser publicado, “Eterna Paixão”, em 1994. Apesar de ter presenciado momentos difíceis da luta armada de libertação nacional, este autor fez parte das brigadas de alfabetização do país e empenhou-se nos estudos. Formou-se em Engenharia Eletrónica, na Alemanha, acabando, uns anos mais tarde, por fundar duas das empresas guineenses de telecomunicações que desempenham um papel pioneiro no desenvolvimento tecnológico do país (SITEC e EGUITEL).

 

Abdulai Silá é considerado o primeiro romancista guineense, mantendo, mesmo perante a instabilidade política que paira na Guiné-Bissau, a crença de um futuro melhor e de uma identidade nacional sólida e repleta de cultura — Imagem: Mag

Ao mesmo tempo que exerce funções como engenheiro, Silá integra várias organizações filantrópicas relacionadas com o desenvolvimento da taxa de alfabetização do país. Conquistou o reconhecimento na escrita e, hoje em dia, é tido como um dos mais importantes autores literários da contemporaneidade. Além disso, Abdulai é o responsável pela fundação da primeira editora privada do país (Kusimon Editora).

 

Em 1995, lançou o livro “A última tragédia” e, em 2013, publicou a sua mais recente contribuição literária, “Dois tiros e uma gargalhada”.

 

Odete Semedo

 

Odete Semedo é percecionada como a poetisa do desassossego, retratando nas suas palavras as consequências morais e psicológicas da guerra civil guineense — Imagem: Templo Cultural Delfos

São muitos os estudiosos que a definem como uma “alma inquieta”. É investigadora, política, professora universitária e uma escritora. Licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas, em Lisboa, mas, assim que regressou a Bissau, assumiu a Coordenação Nacional do Projeto de Língua Portuguesa, no ensino secundário guineense. Começou a ganhar destaque a partir de 1995, desempenhando funções como Diretora-Geral do Ensino da Guiné; Presidente da Comissão Nacional para a Unesco; Ministra da Educação; e Ministra da Saúde.

 

No mundo da literatura, destacou-se como a fundadora da Revista de Letras, Artes e Cultura: Tcholona (1996). Estreou-se como autora com a obra “Entre o ser e o amar” (1996) — onde explora o bilinguismo, ao publicar alguns dos poemas em português e em crioulo. Além deste livro, destacamos “Histórias e passadas que ouvi contar” (2003) — que reúne textos da tradição oral guineense — e “No fundo do canto” (2007) — que resume o clima depressivo que assola Guiné-Bissau.

 

Ao longo da sua jornada social e literária, Odete Semedo foi distinguida com vários prémios e destacada como uma das personalidades que mais contribuiu para o desenvolvimento global do seu país natal. A par disso, destacamos ainda que foi uma das fundadoras da Associação de Escritores da Guiné-Bissau.

Exit mobile version