É possível viver em Portugal com 300 euros?
Textos e vídeos sobre como um brasileiro pode viver em Portugal com 300 euros têm ganhado espaço nas redes sociais. Ano novo começando, começam também planos de mudança, seja de casa, de cidade ou mesmo de país. O quanto será que vídeos como este impactam em quem quer viver em outro país?
Os brasileiros são a maior comunidade estrangeira residente em Portugal e o número voltou a crescer após um período de decréscimo entre 2011 e 2016. Em 2017, por exemplo, houve a entrada de 11.574 novas pessoas, totalizando 85.426 cidadãos brasileiros a habitar terras lusas, segundo dados oficiais do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). O número representa um aumento de 5,1% em relação a 2016. E não inclui quem tem uma dupla cidadania europeia.
Na onda do aumento migratório – causado pelo restabelecimento de Portugal após a crise do Euro e pela crise econômica e política do Brasil desde 2014 – aumentam também a procura e a oferta, na Internet, de informações sobre como viver naquele país. Mas é importante colocar algumas informações em perspectiva.
Dois pontos para quem pensa em viver em Portugal com 300 euros
A) Na era das redes sociais, há muitos canais de Youtube, Instagram, Páginas, Blogs e Sites com vistas a ter um conteúdo que viralize rapidamente. Não necessariamente o conteúdo reflete a realidade da maioria. Muitos querem apenas as visualizações e os cliques – que dão dinheiro -, sem perceber exatamente o impacto coletivo que podem ter suas afirmações. Sempre desconfie e tenha em mente que aquela opinião é apenas uma opinião e que nem sempre reflete a realidade.
B)Leve em consideração que a lógica cultural, social e burocrática de outro país é diferente da sua. Nem sempre as coisas que funcionam no Brasil funcionam em Portugal, e vice-versa.
Feitas as duas ressalvas, vejamos 10 informações comuns nas redes sociais e breves comentários:
1 – Alugam-se casas por 200 euros (Verdade, mas)
Se quer viver em Portugal com 300 euros, 200 em moradia já é muito. Mas é possível encontrar casas (chamadas vivendas) e apartamentos por 200 euros, em 2018, em Portugal. A grande questão é que o país não é tão pequeno quanto parece aos brasileiros e esse valor geralmente é em vilas, aldeias e bairros afastados dos centros urbanos. É possível, mas pode haver consequências, como falta de empregos e dificuldades de adaptação e locomoção. Por esse valor, para habitar em grandes centros urbanos como Porto, Lisboa, Braga ou Faro – onde concentram-se as oportunidades – a solução seria alugar quartos individuais. Porém mesmo os quartos, frequentemente, ultrapassam os 300 euros.
Com uma pesquisa rápida em grupos de Facebook e em sites de imobiliárias como Idealista, Custo Justo e OLX, você pode perceber qual a lógica e o valor de cada cidade. Algumas passam por um processo de especulação imobiliária que tornam o processo ainda mais complicado e o aumento constante. Lembre-se também que, além dos valores altos, para alugar um imóvel é necessário pagar um valor adiantado (chamado depósito) que pode ser equivalente a até 3 vezes o valor do aluguel. Pessoalmente, é possível negociar. Mas os valores não baixam substancialmente.
2 – Geralmente as contas são incluídas no aluguel (Não)
As contas mensais – água, luz, telefone, gás, Internet – não são incluídas no aluguel. O que pode acontecer é que quando aluga-se quartos (não apartamentos), por vezes, o senhorio inclui algumas delas no valor total. Essa informação pode ser decisiva, uma vez que custos com luz e gás podem ser extremamente altos, principalmente no inverno, pelo uso dos aquecedores.
3 – Faz-se quase tudo a pé (Verdade, mas)
Depende da disposição e estrutura de vida de cada um. Isso com certeza pode aplicar-se às cidades menores. Nas maiores, há uma excelente distribuição dos serviços, de forma que é possível resolver questões práticas como bancos e mercados próximo às casas. O transporte pode tornar-se uma questão maior quando é necessário com mais frequência, como para ir ao trabalho ou à escola. Além disso, é importante lembrar dois pontos.
1) Algumas cidades são pequenas ou médias, mas íngremes (como Coimbra e Sintra) e outras são grandes (Porto e Lisboa), então transportes coletivos podem ser realmente uma necessidade.
2) O inverno pode ser realmente frio e chuvoso e o verão pode ser extremamente quente, o que impede de se deslocar grandes distâncias a pé. Caso more em locais mais afastados, até mesmo um veículo próprio pode ser necessário para ter mais independência.
4 – Come-se bem com 10 euros por semana (Não)
E aqui o não é realmente um grande não, principalmente pela uso da palavra BEM. Há uma falácia de que, se for vegetariano, bastam alguns legumes e toda a necessidade vitamínica e mineral é suprida. Mas, mesmo aos vegetarianos, a variedade de legumes, frutas, verduras, cereais, grãos e carboidratos é necessária. Se a pessoa não for vegetariana, os custos com carnes e peixes podem aumentar os custos, sem dúvida. Pode depender do estilo de vida, mas, se mora em outro país, a gastronomia é parte importante da cultura. E os portugueses comem bem.
Detalhe: há, em Portugal, as marcas brancas. São produtos produzidos pelas próprias redes de supermercado e, por isso, mais baratos que as outras marcas. Mesmo assim, pode ser difícil viver em Portugal com 300 euros.
5 – Supermercado é mais barato em Portugal do que no Brasil (Não)
Os preços, em 2018, são muito próximos aos do Brasil em conversão. Alguns produtos mais caros e outros mais baratos, mas a mesma média. No Carrefour online (Brasil) uma dúzia de ovos mais barato podia ser encontrado por R$ 5,50. No Pingo Doce (Portugal), uma dúzia de ovos a €1,50 (R$6,62). Faça uma pesquisa exaustiva nos sites dos maiores mercados portugueses e brasileiros para ter uma referência maior. E lembre-se que morar em uma cidade menor ou maior pode significar uma grande alteração nesses valores. Frutas e legumes são mais baratas em frutarias do que nos grandes mercados.
Dica: leve SEMPRE em consideração que há uma diferença cultural. Ela está em tudo. Um exemplo no caso dos mercados: a hiperinflação do Brasil na década de 1990 criou o hábito, até hoje, da compra do mês. Se não comprasse tudo o que precisasse de uma vez, em grande quantidade, para armazenamento, na vez seguinte os preços já teriam triplicados. Em Portugal, é raro fazer compras para o mês. A mesma lógica é aplicada aos pacotes de grãos de 3kg ou 5 kg (em Portugal não há pacotes de arroz de 5 kg, por exemplo).
6 – Pode andar em transporte gratuitamente (Não)
Em muitos metrôs de Portugal não há catracas e cancelas. Mas há a máquina de validação de seu bilhete. Essa lógica facilita que muitas pessoas andem sem pagar o bilhete, o que é ilegal. Os transportes coletivos em Portugal são pagos e fiscalizados. Apontar a deslocação como um gasto residual é uma falsa afirmação, principalmente em grandes cidades ou caso trabalhe.
7 – As festas e confraternizações são em grande parte gratuitas (Verdade, mas)
Uma das grandes necessidades de qualquer ser humano é a inserção social. E uma das formas mais comuns é a ida a festas e convívios com os moradores do local. Há muitos eventos culturais que são gratuitos, mas são concentrados em cidades universitárias ou grandes. Ir para outro país e se impedir de tomar um café ou ir a uma festa com um conhecido ou amigo recém-feito pode trazer, a longo prazo, dificuldades de adaptação à cultura e mesmo solidão. Lembre-se que será necessário um investimento emocional em você mesmo, pois está inserindo-se em uma nova realidade. O povo português, em geral, é muito amável e disponível para ajudar. Mas isso não significa que vão resolver seus problemas.
8 – É possível trabalhar em Portugal (Verdade, mas)
Para trabalhar em sua área, caso haja formação superior, é necessário legalizar os documentos comprovativos de estudos e experiências. Isto leva tempo e dinheiro. Além disso, é preciso um visto de trabalho, ou estará ilegal. E, ainda assim, as oportunidades de trabalho para pessoas com curso superior é limitada. Com o mercado saturado, mesmo profissionais portugueses encontram-se sem vaga, optando pela emigração. Tudo varia da sua área de atuação, mas parta do princípio de que será mais difícil do que parece inserir-se no seu métier.
Alguns setores possuem mais vagas, como restaurantes, cafés, estética e shoppings, mas ainda assim é necessário visto de trabalho se quiser ter um trabalho formal, com os direitos garantidos. E, por falar em direitos trabalhistas: lembre-se de que, se por um lado em Portugal há novos direitos trabalhistas que você não tinha no Brasil, há outros que você está acostumado a ter no Brasil e não terá em Portugal.
9 – Roupas são muito baratas (Não)
Há alguns tipos de roupa que são mais baratas, mas é importante falar sobre as qualidades. Se for a alguns locais de São Paulo, é possível comprar roupa muito barata e depois da primeira lavagem, perdê-la. O mesmo aplica-se a Portugal. Não se iluda por preços que parecem baixos mas exigem constante renovação. O custo a longo prazo pode ser maior. Além disso, há certos tipos de roupas (principalmente para o inverno) que podem ser mais caras.
10 – Pode ser atendido de graça na Saúde portuguesa (Verdade, mas)
A saúde em Portugal não é gratuita como o SUS e apenas as pessoas isentas (em geral com baixa renda) não pagam. No Brasil, se for a um hospital em emergência, se precisar de remédios ou se precisar chamar uma ambulância, os custos são suportados pelo Estado. Em Portugal, o sistema é de coparticipação, onde o usuário (chamado de utente) paga uma taxa moderadora e o Estado paga o restante. Essa taxa varia de acordo com a gravidade, o tipo de consulta, se é em centro de saúde ou Hospital, os exames pedidos etc. Algumas pessoas podem ser isentas das taxas moderadoras, mas essa não é a regra. O que é inteiramente gratuito é a detecção, medicação e acompanhamento de pessoas portadoras do vírus HIV.
Em resumo:
Não arrisque-se a ir a Portugal para se inserir imediatamente abaixo da linha da pobreza. Segundo o Pordata, a base de dados sobre Portugal, considera-se abaixo da linha de pobreza quem sobrevive com menos de €5.610 euros por ano, o que dá €467,50 por mês caso divida-se o valor por 12. Então pense que o conceito de pobreza é relativo. Pra quem está no Brasil pode parecer um valor suficiente para ter uma boa vida em outro país. Mas para quem está no país, as coisas podem ser diferentes.
Os brasileiros são os que mais recorrem à ajuda para retornar ao seu país de origem, por meio do Programa de Apoio ao Retorno Voluntário e à Reintegração, ligado à Organização internacional para Migrações (OIM) e ao governo português. Apenas para compreender, de janeiro a novembro de 2018, de 376 retornos financiados pelo programa, 352 eram para brasileiros. Em 2017, em 261 viagens de volta, 232 eram para brasileiros. Esse programa é reservado para quem está em situação de extrema necessidade.
A vida em outro país pode ser maravilhosa e morar em Portugal é uma experiência incrível. Pelo conhecimento da cultura e História, pelas viagens, pela proximidade da língua, por tudo. Mas não acredite em qualquer coisa que falam, pois a experiência também exige muito planejamento e algum dinheiro para começar. Viver em Portugal com 300 euros, como alguns dizem, não é uma ideia muito realista. Mas planejando-se bem e trazendo a mais, aproveite a experiência!
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