Debater um possível impeachment de Dilma Rousseff é nadar de braçadas em ironias. Não necessariamente no embate que ganhará as ruas brasileiras nesse fim de semana entre petistas e tucanos, esquerda e direita, comunistas e capitalistas, petralhas e coxinhas. A ironia da coisa toda reside no partido que por ora está assoviando de mãos no bolso assistindo ao circo pegar fogo: o PMDB.
Uma marcha pelo impeachment de Dilma, bom dizer, é uma marcha por Michel Temer presidente, ele que hoje é mais presidente do PMDB do que vice-presidente da República. Se por ventura o Congresso deflagrar um processo para impedir Dilma, este terá de passar pelo crivo de outros dois caciques do PMDB, os presidentes da Câmara e do Senado, Eduardo Cunha e Renan Calheiros.
PT e PMDB nunca foram grandes amigos, mas houve um breve período de harmonia no segundo governo Lula (2007-2010). Naquele momento, a principal estratégia de Lula para desmantelar os rivais era trazer para o PMDB, uma legenda já amorfa ideologicamente, nomes que o PT empurrara para a oposição, mas com capital político relevante e saudades das tetas gordas do governo. Edison Lobão, ex-PFL e até hoje ministro, foi um deles.
O sonho molhado de Lula era filiar ao PMDB um quadro jovem, sorridente e com sobrenome forte. Se dependesse de Lula, o vice de Dilma Rousseff seria o mineiro Aécio Neves, então um tucano de plumagens discretas. O neto de Tancredo resistiu ao canto da sereia. Era um dos poucos, àquele momento, com algo a ganhar se mantendo na oposição.
Como ser amorfo ideologicamente não desconta tempo de TV – calculado com base no tamanho das bancadas da Câmara – manter o gigante PMDB na chapa petista seria fundamental para vitaminar o produto “Dilma presidenta”. A princípio, a aliança entre os dois partidos, abençoada pelas urnas, também deveria dar a Dilma tranquilidade no Congresso, coisa que nunca aconteceu. Foi aí que o casamento de conveniência começou a ruir.
Em votações vitais para Dilma, como a da MP dos Portos, Eduardo Cunha – na época líder da bancada do PMDB – fez a vida da presidente um inferno. E ela, com evidentes limitações no trato político, nada conseguiu fazer enquanto os peemedebistas barganhavam no Congresso puxando o coro dos descontentes. No primeiro mandato, Cunha e Renan faziam a jogo do “bad cop, good cop”: Cunha incendiava, Renan apagava o fogo e Dilma agradecia com cargos, emendas parlamentares, apoio político nas horas difíceis e todo tipo de agrado que o Executivo tem em mãos.
Para a segunda eleição de Dilma, no ano passado, PT e PMDB reeditaram a parábola do sapo e do escorpião. Como o escorpião – engordado por Lula – não tinha candidato, fez a travessia eleitoral na garupa do sapo. Após um pleito desgastante politicamente, o sapo chegou exausto à outra margem do rio. Agora, o escorpião pode finalmente dar a ferroada na cabeça do parceiro.
Se der a ferroada, se por ventura o processo de impeachment acontecer, o Brasil terá no taciturno Michel Temer o seu próprio Frank Underwood, personagem do seriado House of Cards que chega à Casa Branca sem votos. Na verdade, é pior do que isso: o PMDB, partido de Temer, não faz um mísero voto à presidência desde 1994.
Mas o mais provável é que o escorpião poupe o sapo. Não por opção, mas porque as denúncias de corrupção na Petrobras que se aproximam dos calcanhares de Dilma já cobrem a cintura dos próprios Eduardo Cunha e Renan Calheiros. Melhor negócio para o PMDB é manter Dilma o mais enfraquecida possível. Processá-la é cair em contradição, é declarar guerra com um tiro no pé.
Ou seja: embora já feita a travessia do rio, o escorpião seguirá com o sapo no cabresto. E o sapo que não reclame, afinal foi ele quem quis colocar o escorpião na sua garupa. Tudo em nome de uma suposta governabilidade e alguns minutos a mais de horário eleitoral na TV.
E o PSDB nessa história toda? Bem, projetando 2018, o melhor para os tucanos não é ver Dilma pulverizada pelo impeachment. Se Dilma cair, Lula voltará em 2018 como o salvador da democracia, para corrigir uma injustiça com a presidente e com os 53% de eleitores que a elegeram. Como disse o senador Aloysio Nunes, o bom para o PSDB é que Dilma sangre.
Para quem isso não é bom? Para o país.
Dilma sangrando pode ser ótimo para o PMDB, desde já dono do Legislativo e carcereiro do governo, e para o PSDB, que se fortalece para eleições futuras. Para o Brasil, significa quatro anos de inflação, PIB negativo, dólar alto, Congresso estagnado e tudo mais. Um mandato inteiro pela frente é tempo demais para torcer contra.
Dilma, é bem verdade, em nada está se ajudando. Montou um segundo ministério ainda mais inchado e loteado politicamente, vem alimentando um segundo escorpião na esperança de que esse seja mais manso, o PSD do ministro Gilberto Kassab, e encastelou-se por meses a fio. O segundo mandato, que poderia começar tão logo a eleição terminou, vai começando só agora com cinco meses de atraso, CPI no Congresso e povo na rua.
Deveríamos, em vez de protestar, apoiar Dilma? Não, não é isso. O momento de protestar por um novo governo é nas eleições. Passado esse bonde, o que deveríamos cobrar nas ruas é um bom governo.
Dilma afirmou que impeachment não pode ser terceiro turno, no que está coberta de razão. Quem pede o impeachment de Dilma saiba que está sendo, além de mau perdedor, um joguete nas mãos dos partidos citados nesse texto, para quem sacrificar o Brasil é o de menos se o PT morrer junto.
Dilma e o PT também precisam esquecer o terceiro turno. Precisam parar de culpar os governos passados, a crise internacional e a imprensa – conforme o pronunciamento de Dilma abafado pelas vaias no dia 8 –, e tomar as rédeas do Brasil. Se for para batermos panelas, que seja para acordar o sapo e lembrá-lo de que, sobrecarregado ou não, ele foi eleito Presidente da República.