É o país da feijoada, do samba, de Chico e Caetano, da alegria. O crescimento da migração do Brasil para Portugal tem sido evidente. Se antes eram os mais qualificados que tentavam a sorte na Europa, ultimamente, assiste-se a uma mistura de estratos sociais. E de culturas.
Os números do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) garantem que a comunidade brasileira representa 31% da população estrangeira em Portugal. Uma imigração habitualmente muito feminina que está cada vez mais equilibrada na sua distribuição. Ultrapassada a desilusão com a habitação a preços elevados, as dificuldades em conseguir trabalho, os baixos salários e a inflação, os imigrantes dizem encontrar segurança no país mais ocidental da Europa. Apesar de ter descido três posições desde 2020, Portugal é o sexto país mais pacífico do mundo, de acordo com o relatório Global Peace Index 2022.
O facto de os dois países falarem português aumenta também o interesse destes imigrantes. A possibilidade de acesso a estudantes brasileiros, que não precisam de ter fluência noutra língua, é um dos fatores mais atrativos para a população jovem.
“Coração de estudante” – Milton Nascimento
Os dados mais recentes da Universidade de Coimbra estimam que todos os dias circulam, nesta instuição de ensino, cerca de três mil brasileiros, na maioria estudantes. Segundo as estatísticas oficiais do ensino superior, os brasileiros representavam um terço (32,8 %) dos 50 mil estudantes estrangeiros inscritos no ano letivo de 2020/2021.
Clara Nacle tem 21 anos. Veio estudar Arquitetura para Portugal por ser “melhor do que no Brasil” e pela oportunidade de viver sozinha e fora do seu país. É de Brasília, a capital arquitetada por Oscar Niemeyer, região em que não existe tanta violência, mas onde, mesmo assim, “a realidade é completamente diferente”. Mesmo em níveis de ensino que não o superior, a diferença é evidente. “Andei em escolas privadas devido à falta de qualidade do ensino público”, refere. “Brasília é uma cidade parecida com Portugal no sentido em que é muito pouco caótica, mas, mesmo assim, não há tanta diversidade visual como aqui”, conta a estudante de Arquitetura.
“Como é duro trabalhar” – Vinicius de Moraes e Toquinho
Jaime Schwingel tem 48 anos e vem do sul do Brasil, uma realidade, diz, “muito melhor do que a do norte e centro do país”. Como descreve: “O sul nunca teve muita emigração porque as condições de vida são melhores. Já se consegue arranjar trabalhos com uma média salarial maior do que o salário mínimo. São outras condições. Existem mais pessoas com um grau superior na educação, formadas em universidades e a mão de obra é muito mais qualificada.”
Mais de 20 anos volvidos num país que também já é seu, Jaime Schwingel reflete sobre o rumo que, na altura, não esperava que a sua vida seguisse. Veio para Portugal, como qualquer imigrante, à procura de melhores condições de vida, mas, na altura, não tinha a pretensão de se estabelecer no país: “Pretendia ficar cá uns anos e ganhar algum dinheiro para poder investir no Brasil.” O mar das oportunidades foi andando naturalmente. E Jaime é surfista. Conseguir trabalho não foi um problema. Os contactos que tinha em Portugal valeram-lhe essa segurança. “Eu já vim com trabalho que um amigo me arranjou e, consequentemente, já tinha casa”, conta. Agora, a realidade que encontrou quando pisou em Portugal já não existe. “Hoje em dia, há uma dificuldade muito maior em arranjar casa e trabalho. Na minha altura, os alugueres eram muito mais baratos e o poder de compra era superior, trabalho e casas havia muitos.”
O maior problema na adaptação laboral foi o choque de culturas: “Trabalhava com o público e a língua foi um problema porque tive de aprender muitas palavras que fazem parte do dicionário, mas que lá não usamos e desconhecemos”, confessa.
Jorge e Conceição Francisco, respetivamente, de 69 e 70 anos, depararam-se com a questão inversa. Um casal de portugueses que emigrou para o Brasil e onde permaneceu durante quase 50 anos. Na Terra de Vera Cruz, Conceição trabalhou como secretária executiva, numa empresa francesa, e Jorge começou por seguir a sua área de design, no departamento de marketing de uma firma norte-americana. Depois, abriu a sua própria empresa. “Chegámos lá no fim da ditadura militar e, ao fim de cinco anos, comprámos o nosso primeiro apartamento, o que queria dizer que estávamos a ganhar o suficiente para isso. Um ano depois, comprei o meu primeiro carro”, conta Jorge Francisco.
Recordam a revolução que levou à ascensão de Portugal e lembram a estagnação que se deu no Brasil na mesma altura: “Foi no pós 25 de Abril que devíamos ter pegado nas nossas coisas e ter vindo para Portugal”. O casal não esquece o quão bem foram tratados quando chegaram ao Brasil: “Já tínhamos direito a casa e ao visto de residência porque vínhamos de África. Os cargos de grandes empresas e de bancos estavam a ser preenchidos por retornados”, elucida Conceição. “Não foi porque vínhamos de Angola e Moçambique, mas sim porque éramos portugueses”, retifica Jorge.
A segurança do filho que têm em comum foi um ponto crucial no regresso: “O que nos fez também vir mais cedo foi o Diogo, devido à segurança que é péssima no Brasil”. O casal lembra ainda episódios de violência na cidade que escolheram para viver, o Rio de Janeiro: “Perdi duas motos à mão armada. O pior não é perder o carro ou a mota, é mesmo a vida.”
Devido ao momento político que se atravessava no Brasil e ao mau decorrer dos negócios, o casal decidiu antecipar o regresso a Portugal, apesar de o objetivo ter sido o de permanecer no país sul-americano por mais tempo.
“O descobridor dos sete mares” – Tim Maia
A readaptação ao outro lado do oceano, deixado há tantos anos, não foi difícil. Talvez uma réstia de estranheza encanitasse e agitasse as antigas experiências: “Reparámos e criticámos certas coisas, mas dificuldades não. Eu já sabia para ao que vinha. Portugal está muito diferente, mas não ao ponto de fazer com que nos arrependêssemos de ter regressado.” Conceição Francisco salienta que “é bom viver tranquilo e sem medo constante de assaltados”. A violência no Brasil é eclética, é partilhada entre os bons e os maus bairros. “A violência lá está mais presente em zonas como a Tijuca, que é das mais caras, tanto que existem polícias particulares e armados à porta dos prédios e residências”. Em Vila Franca de Xira, onde agora moram, o panorama é diferente.
Jorge Francisco partilha, divertidamente, um ensinamento trivial: “O meu pai dizia que se passa a conhecer o grau de civilização do povo de um determinado país pelas suas atitudes no trânsito. A organização do trânsito aqui é muito melhor, sem comparação.” Na perspetiva do casal, nem tudo é positivo. “Os brasileiros não se queixam tanto. O português é um bicho muito queixoso. No Brasil, existem muitos pobres e, mesmo assim, são mais alegres do que muitos portugueses. Os brasileiros veem a vida de outra maneira”, acreditam.
Clara Nacle é brasileira. Num retrato geral, os portugueses não a olharam com preconceito. “Em relação às pessoas, nunca sofri nenhum tipo de preconceito, apesar de ser bem diferente, porque os brasileiros são muito mais calorosos e abertos. O máximo que já me aconteceu foi dizerem-me que eu era demasiado branca para ser brasileira.” No início, sofreu algumas dificuldades, mas teve mais a ver com o momento da chegada do que propriamente com o país. Clara aterrou no Aeroporto de Lisboa no ano da pandemia covid-19, em setembro de 2020. “Foi quando voltaram a abrir as fronteiras, mas ainda estava num limbo: as aulas na faculdade eram intercaladas e, em janeiro, voltou a fechar tudo. Era uma altura em que ainda me estava a adaptar a morar sozinha noutro país e a tratar das minhas coisas como cozinhar, que eu nunca tinha feito.”
“Não deixe o samba morrer” – Alcione
A cultura brasileira está já bastante presente em Portugal. As evidências mais gritantes estão na música, na dança e na gastronomia. Emigrar trouxe uma mudança recente para Clara Nacle. “Em Portugal, estou a dar muito mais valor à música popular brasileira e a perceber o quão incrível é”. Em relação à gastronomia, a jovem confessa preferir a comida brasileira, apesar de também gostar da portuguesa. “A comida é das coisas de que mais sinto falta.”
Jaime Schwingel vive em Torres Novas, onde a comunidade brasileira sempre foi reduzida: “Não há aqui nenhum bar ou músicas brasileiras. Em Lisboa, já se consegue estar mais diretamente ligado à cultura porque há uma comunidade muito maior de brasileiros. Nunca tive um grupo de amigos brasileiros em Torres Novas, apesar de conhecer um ou outro.”
“Política voz” – Barão Vermelho
Sobre um caso recente, o extremismo de Bolsonaro, a perspetiva do casal é de que “o Presidente não era de extrema-direita: não fechou o Congresso nem a Câmara de deputados, não houve nenhum preso político e a imprensa era completamente livre”. Jorge Francisco afiança, convicto, que “em Portugal, tem-se uma ideia muito negativa do Bolsonaro por uma razão muito simples: aqui o governo é de esquerda”.
Numa mesma posição, Jaime Schwingel afirma ter visto a reeleição do novo Presidente brasileiro “com uma perplexidade muito grande”. Compara a vitória de Lula com uma hipotética reeleição de José Sócrates em Portugal, personagem política à qual afirma ter dado o seu voto, tal como a Lula da Silva na sua primeira candidatura.
A reeleição deste Presidente não foi similarmente encarada por todos. Para Clara Nacle, Lula da Silva “é esperança”. Os governos dos dois presidentes são comparados pela jovem de 21 anos: “Sinto que, mesmo que o Lula tenha roubado, ele, de facto, faz alguma coisa pelo país. Bolsonaro também roubou. O Lula é importante para as minorias, já que os conservadores no Brasil são de classe média-alta e não querem saber porque não dependem das escolas públicas e têm dinheiro para pagar a saúde.”
“Volta” – O Terno
Um possível regresso ao Brasil é pensado de maneiras diferentes. Jaime Schwingel encontra-se dividido. Gosta de viver em Portugal e sabe das dificuldades do seu país. “Tenho vontade de voltar um dia ao Brasil, mas não sei se e como me adaptaria depois de tantos anos em Portugal”. Por outro lado, Clara Nacle tem as suas ideias bem assentes em relação a um possível regresso: “Acho que não volto para o Brasil. Já me acostumei muito ao estilo de vida de Portugal”, assegura a jovem.
Num país onde também já se prova pão de queijo quente em qualquer esquina ou se ouve funk seja qual for a festa, é difícil sentir eterna saudade do Brasil. Até porque toda a gente sabe que a saudade é bem portuguesa.
Por Catarina Macedo e Cunha e Joana Sequeira Pratas, alunas da licenciatura em Jornalismo da Escola Superior de Comunicação Social de Lisboa.