Discurso do escritor Raduan Nassar na entrega do Prêmio Camões gera bate-boca com ministro
O discurso do escritor brasileiro Raduan Nassar ao receber o Prêmio Camões 2016 transformou-se num acalorado debate político. Na cerimônia, realizada em São Paulo, o escritor de 81 anos aproveitou a oportunidade para se manifestar contra o Governo de Michel Temer, referindo-se a ele como “repressor”. Afirmou ainda que o Brasil vive “tempos sombrios” e criticou o Supremo Tribunal Federal e a indicação do ministro licenciado da Justiça e Segurança Pública, Alexandre de Moraes, para uma vaga nesta Corte.
Após muita reação dos presentes, o ministro Roberto Freire deixou de lado o discurso que trazia impresso para rebater a fala do escritor.
Em meio a interrupções acaloradas por parte do público, Freire foi respondendo aos presentes defendendo a democracia atual, exemplificando com o prémio atribuído a Raduan, “um adversário político do Governo”, e que recebeu a distinção mesmo assim. Segundo o ministro, manifestações críticas são próprias da democracia, e só os mais velhos realmente sabem o que foi viver durante o regime militar.
Leia a íntegra do discurso do escritor brasileiro Raduan Nassar:
“Excelentíssimo Senhor Embaixador de Portugal, Dr. Jorge Cabral.
Senhor Dr. Roberto Freire, Ministro da Cultura do governo em exercício.
Senhora Helena Severo, Presidente da Fundação Biblioteca Nacional.
Professor Jorge Schwartz, Diretor do Museu Lasar Segall.
Saudações a todos os convidados.
Tive dificuldade para entender o Prêmio Camões, ainda que concedido pelo voto unânime do júri. De todo modo, uma honraria a um brasileiro ter sido contemplado no berço de nossa língua.
Estive em Portugal em 1976, fascinado pelo país, resplandecente desde a Revolução dos Cravos no ano anterior. Além de amigos portugueses, fui sempre carinhosamente acolhido pela imprensa, escritores e meios acadêmicos lusitanos.
Portanto, Sr.Embaixador, muito obrigado a Portugal.
Infelizmente, nada é tão azul no nosso Brasil.
Vivemos tempos sombrios, muito sombrios: invasão na sede do Partido dos Trabalhadores em São Paulo; invasão na Escola Nacional Florestan Fernandes; invasão nas escolas de ensino médio em muitos Estados; a prisão de Guilherme Boulos, membro da Coordenação do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto; violência contra a oposição democrática ao manifestar-se na rua. Episódios todos perpetrados por Alexandre de Moraes.
E é esta figura exótica é indicada agora para o Supremo Tribunal Federal. Esses fatos configuram por extensão todo um governo repressor: governo atrelado ao neoliberalismo com sua escandalosa concentração da riqueza, o que vem desgraçando os pobres do mundo inteiro.
Mesmo de exceção, o governo que está aí foi posto, e continua amparado pelo Ministério Público e, de resto, pelo Supremo Tribunal Federal.
Dois pesos e duas medidas. É esse o Supremo que temos, ressalvadas poucas exceções. Coerente com seu passado à época do regime militar, o mesmo Supremo propiciou a reversão da nossa democracia: não impediu que Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados e réu na Corte, instaurasse o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Íntegra, eleita pelo voto popular, Dilma foi afastada definitivamente no Senado.
O golpe estava consumado! Não há como ficar calado.
Obrigado”
Instituído em 1988, o Prêmio Camões de Literatura é dado anualmente a um escritor de língua portuguesa que, pelo conjunto da obra, tenha contribuído para o enriquecimento do patrimônio literário e cultural dos países lusófonos. O prêmio, no valor de 100 mil euros, é concedido pelos governos do Brasil e de Portugal.
Autor dos romances “Lavoura Arcaica” e “Um Copo de Cólera”, Raduan Nassar é o 12º escritor brasileiro a receber o Prêmio Camões. Antes dele, foram escolhidos Alberto da Costa e Silva, Dalton Trevisan, Ferreira Gullar, João Ubaldo Ribeiro, Lygia Fagundes Telles, Rubem Fonseca, Autran Dourado, Antonio Cândido, Jorge Amado, Rachel de Queiroz e João Cabral de Melo Neto.
Escritor brasileiro Raduan Nassar vence o Prêmio Camões 2016
* Com informações da Agência Brasil
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