Querido amigo,
No Dia Internacional da Mulher, não queremos flores, mas sim respeito. Hoje e em todos os dias do ano, na verdade. Sabe aquele blábláblá de “o seu dia é todos os dias”? Pois se você, meu amigo, conseguir fazer isso nos próximos 365 dias, merecerá os parabéns no próximo 8 de março.
Não se espante se nesta carta perceber que sei bem mais sobre você do que você esperava. Pedi ajuda a algumas amigas – e até desconhecidas – que também o conhecem tão bem quanto eu.
Vá se acostumando, pois nós, mulheres, vamos nos unir cada vez mais. Porque quando nos unimos, a luta se alarga: tão importante quanto pensar junto é agir junto, resistir junto e ir pra cima junto também.
Falando em “ir pra cima”, desse assunto você entende bem, não é? Lembro daquele dia, quando fomos apresentados pela primeira vez, quando você, ao ouvir que eu sou brasileira, entendeu a minha nacionalidade como liberação para apoiar a mão na minha cintura com uma intimidade que jamais teremos.
Neste dia eu soube que tinha muito a aprender com você.
Nos últimos meses, você ficou surpreso com a quantidade de vezes que as hashtags #meuprimeiroassedio, #meucorpominhasregras e #meuamigosecreto foram partilhadas na sua timeline.
“Mas quanto mimimi”, “é coisa de mulher” você pensou. Só que seu estômago embrulhou quando você se reconheceu nas lembranças partilhadas por nós.
Serve também para você lembrar que aquela mulher que você canta na rua é também filha/namorada de alguém. Você não se assustou quando viu na timeline da sua namorada um relato assustador? No facebook da bonitinha do ônibus lotado em quem você fez questão de se esfregar também deve ter um parecido…
Nós mesmas custamos a nos dar conta de quanto naturalizamos esse tipo de situação no dia a dia. A tal ponto que às vezes pensamos “será que ele encostou a mão sem querer e eu estou imaginando coisas?”.
Tem também aquelas pequenas posturas culturais e brincadeiras que fazemos (também existe mulher machista, sabia?) sem julgarmos preconceituosas, mas são. O machismo-nosso-de-cada-dia é sorrateiro, sutil e muitas vezes passa despercebido.
Ou aquela vez, lembra, quando você tinha só quatro anos e se machucou, mas precisou esconder a dor porque “meninos não choram”, ou quando uma menina foi mais rápida do que você numa brincadeira de corrida na hora do recreio.
Depois, quando você cresceu, o machismo diário foi se aprimorando. Hoje, você fantasia o assédio à colega de trabalho em elogios e culpa o grau alcoólico, a saia ou o decote da vítima quando uma mulher é estuprada – como se isso isentasse de culpa o real agressor, como se fosse possível comparar o tamanho da saia ao tamanho do caráter de uma mulher.
Lembra dezembro passado, quando você foi escolher o presente de Natal da sua filha numa loja de brinquedos? Não pense que é acaso do destino as prateleiras de produtos para meninas oferecerem brinquedos que estimulam o “treino” para as funções do futuro. Ela brincará de “mamãe”, de “comidinha”…
Ter atitudes e pensamentos machistas não necessariamente significa que você é uma pessoa horrível que merece apanhar na rua, mas que você está reproduzindo o que nossa sociedade tem como norma e que está na hora de prestar atenção nisso pra não repetir.
É um longo processo de desconstrução. Vai ser chato. Mas tem que acontecer.
Isso tem que mudar e vamos seguir falando sobre o assunto quantas vezes for preciso. Acho que o principal passo para o empoderamento da mulher é a descoberta do “não”. Não preciso ser educada nem me “portar adequadamente” pelo medo, não preciso ser uma princesa, não preciso ser submissa. É uma revolução que vejo acontecer nas escolas – coisa mais linda descobrir as gurias bem jovenzinhas questionando a sociedade! – nós estamos mudando, e espero que isso tudo sirva para você também mudar, querido #amigosecreto.
Vale lembrar que abuso sexual vai além do estupro, que é o limite extremo disso. Abuso pode ser também quando alguém se aproveita da lotação de um ônibus, por exemplo, para tocar no seu corpo, quando o seu chefe aproveita a posição de hierarquia para tirar proveito…. Esses são os piores, porque não são graves a ponto de ir à polícia fazer uma denúncia formal, a ponto de a mulher questionar se o que ela entendeu como um assédio era mesmo intencional ou invenção da cabeça dela.
Dia desses ouvi que “é exagero”, que as mulheres estão interpretando como assédio cantadas inofensivas. Me parece lógico até, quando sabemos que milhares de mulheres são violentadas (sexualmente ou não) todos os dias no mundo.
Quando sabemos que há ainda países que estimulam a mutilação genital, quando sabemos que pelo menos uma mulher que conhecemos já sofreu algum tipo de abuso grave, bem, aí temos a confirmação de que não estamos exagerando tanto assim.
Vejam por exemplo este gráfico, divulgado pela página de Facebook Chega de Fiu-Fiu, que luta contra as cantadas excessivas.
Está em determinado nível que é tão corriqueiro, que já não se fala sobre isso.
Coletivos feministas em escolas, sites para adolescentes como a Capitolina, e projetos como o Sai Pra Lá estão, sem dúvidas, fazendo com que um número cada vez maior, e uma geração cada vez mais nova, se interesse pelo tema e perceba que a união de mulheres pode fazer barulho.
Só espero que estas manifestações, que aos poucos, estão saindo das redes sociais para a discussão diária entre as pessoas, tenham algum efeito. Que o assunto seja abordado, que os direitos das mulheres ganhem destaque no espaço público, que as vozes não se calem.