Em novembro, um relatório encomendado pelo atual presidente francês Emmanuel Macron sobre patrimônio sugeriu a devolução da arte africana às ex-colonias europeias. Com cerca de 100 páginas de extensão, o documento se referia mais especificamente à França e recomendava a restituição sem reservas de todas as obras em museus que foram trazidas para a Europa sem consentimento.
Na época dos descobrimentos e colonizações, diversos países que saquearam e escravizaram outras culturas também se apropriaram de suas artes e patrimônios. Por isso, o relatório produzido pelos pesquisadores Bénédicte Savoy e a Felwine Sarr foi bastante discutido na internet. Agora, o estudo está abrindo precedentes para que outros países façam o mesmo, tal qual Portugal.
O programador cultural português António Pinto Ribeiro acompanha a produção artística do continente africano já há bastante tempo e elogiou a atitude de Macron. Para ele, a devolução do patrimônio histórico e cultural sob domínio europeu é um problema global e inevitável.
Políticas pós-coloniais
Nas políticas pós-coloniais, que também incluem outras reparações, está prevista a devolução de peças de arte históricas presente em uma série de coleções de museus europeus. “É um problema apaixonante do ponto de vista intelectual, mas muito complexo, traz muitos obstáculos. Apurar em que circunstâncias muitas das peças chegaram aos museus europeus não vai ser fácil, assim como não vai ser fácil introduzir alterações à lei em vários países para que elas possam voltar a casa”, ressaltou Pinto Ribeiro ao jornal O Público.
A França já devolveu 26 obras ao Benim. Os artigos foram saqueados pelo exército francês durante o reino de Daomé, em 1892. Na Holanda, seguem negociações com os indonésios para restituir obras de patrimônio histórico. A Bélgica inaugurou o Museu Africano, que associa coleções ao continente africano. E a Alemanha debate a situação de uma série de outras obras.
O historiador e professor do King’s College, em Londres, Francisco Bethencourt também ressaltou a importância do projeto. “Este movimento está a tornar-se consensual porque é reconhecido que muitos objectos foram recolhidos sem o consentimento dos povos coloniais e, pior do que isso, em condições predatórias, às escondidas”, enfatizou ele ao jornal O Público recentemente.
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Patrimônio colonial
Já a historiadora de arte moçambicana Alda Costa destaca que é preciso ter em consideração a violência da colonização e suas consequências. Para a intelectual, as marcas da colonização se refletem atualmente como forma de discriminação social, econômica e racial.
Apesar disso, ela faz uma ressalva para que as obras não sejam devolvidas para países em condições precárias, evitando a perda de patrimônio histórico. “Veja-se o número de museus existentes, de profissionais, e a carência de recursos de muitas das nossas instituições. Considero mais importante desenvolver as relações de trabalho entre países, incluindo as ex-metrópoles, o acesso a arquivos e museus por parte dos investigadores ou mesmo a criação de facilidades para a sua recuperação digital. No caso de Moçambique/Portugal houve já numerosas iniciativas de colaboração”, explicou.
Para ela, a preservação de patrimônio cultural não é uma prioridade de muitos países do continente africano, dado seus estados de precariedade.