A ilha do Corvo pertence ao arquipélago dos Açores e é considerada a mais pequena das suas nove ilhas. Além disso, em conjunto com a sua “irmã” mais próxima — a ilha das Flores —, é classificada como um dos paraísos insulares da Europa que se encontra mais a ocidental, estando já agarrada à placa tectónica do continente americano. Por lá, vivem cerca de 400 habitantes, num raio de 17 quilómetros quadrados (cerca de seis quilómetros de comprimento e quatro quilómetros de largura).
Cercada por águas muito profundas e ruidosas, esta pequena ilha foi originada por um vulcão há essencialmente 700 mil anos — hoje em dia, este encontra-se inativo. Do mar, avista-se apenas verde e uma montanha escarpada, mais alta de um lado do que do outro. Denominada Monte Gordo, abriga uma ampla cratera vulcânica conhecida como Caldeirão: um dos postais turísticos da ilha.
Na ala mais plana do território, quase que incrustada nas pedras, está semeada uma pequena comunidade. Vive toda no mesmo município, na Vila do Corvo. Pelo facto da ilha ser tão pequena, os habitantes, em vez de se espalharem pela área insular, decidiram aninhar-se no mesmo punhado de terra. Fizeram-no para se sentirem mais próximos dos conterrâneos, unindo-se quando as intempéries — ou eventuais intrusos — teimam em bater à porta.
Tudo no Corvo é diferente, afastando-o da realidade cosmopolita. À parte da micro-população, o resto que o rodeia encontra-se em estado selvagem. Não há semáforos, cadeias de hotéis ou de fast-food, centros comerciais, anúncios publicitários em outdoors ou autocarros. De vez em quando, avistam-se uns carros e uns motociclos, mas ainda é comum verem-se carroças puxadas por animais.
A maioria da população vive da agricultura, pesca e pecuária. A azáfama das grandes cidades não tem espaço para crescer nos (únicos) 10 quilómetros de estrada existentes. No Corvo, a tranquilidade, a natureza e o silêncio, ingredientes que se fundem com o barulho das ondas do mar, ajudam a temperar a atmosfera.
Ilha do Corvo à vista!
As páginas da História situam a descoberta da ilha do Corvo no século XV, algures pela década de 1450, altura em que a ilha das Flores também foi explorada. Foi avistada, pela primeira vez, pelo navegador português Diogo de Teive. Devido ao seu isolamento e à falta de um porto seguro, o pequeno território não despertou interesse imediato nos lusitanos. Só começou a ser explorado a meados do século XVI, quando começaram a ser enviados colonos, alguns vindos das Flores, com o intuito de explorarem o cultivo da terra e a criação de gado.
Ao longo do tempo, principalmente graças à posição geográfica pouco apetecível para a maioria dos navegadores, a ilha do Corvo ficou famosa por ser um dos refúgios favoritos de piratas, saqueadores e corsários. Estes, além de procurarem abrigo nas suas encostas, faziam reféns e saqueavam casas. No entanto, e como os desembarques dos intrusos eram sucessivos, a valentia dos corvinos foi crescendo, acabando por imperar. Há quem refira que os habitantes negociavam com alguns dos incursores. Em troca de proteção e dinheiro, forneciam água, alimentos e homens, reparando os danos dos navios e tratando dos doentes.
A verdadeira resistência corvina deu-se em 1632. Por esta altura, a ilha sofreu duas tentativas de desembarque de piratas, oriundos da Barbária, no norte de África — que pilhavam, saqueavam e incendiavam povoações no ocidente europeu. A população insular uniu esforços e, recorrendo ao arremesso de pedras, conseguiu repelir os intrusos e dissolveu a tentativa de invasão. Reza a lenda que a sua padroeira, a Nossa Senhora do Rosário, os ajudou de forma incansável. Diz-se que foi responsável por desviar todos os tiros mandados pelos piratas, devolvendo-os — e em multiplicado! — para os barcos dos invasores. Desde essa altura, a santa foi rebatizada para Nossa Senhora dos Milagres. A sua memória descansa numa igreja dedicada somente a ela, plantada numa das artérias da Vila do Corvo.
Ali pelo século XIX, a bravura dos corvinos voltou a ser vislumbrada. Segundo os historiadores, um grupo de locais decidiu ir rumo à Terceira — outra das nove ilhas dos Açores — a fim de conseguirem aliviar-se do pesado tributo pago ao donatário da ilha e à coroa portuguesa. O ministro do rei D. Pedro IV, Mouzinho da Silveira, que se encontrava a organizar a luta liberal a partir de Angra (Terceira, Açores), mostrou-se impressionado com as dificuldades suportadas pelos corvinos e pela coragem que demonstraram ao procurá-lo. Deste modo, propôs a anulação do imposto em dinheiro, reduzindo para metade o pagamento em trigo. Pouco tempo depois, a povoação foi elevada a vila e sede de concelho, passando a denominar-se Vila do Corvo — nome que se mantém até ao presente, sendo considerado o local habitado mais isolado de Portugal.
Rumo à modernidade
Segundo os registos históricos, os séculos XVIII e XIX foram marcados pela chegada dos baleeiros americanos — embarcações responsáveis pela caça/pesca das baleias — à costa das ilhas do grupo ocidental do arquipélago dos Açores: Flores e Corvo. Deste modo, alguns corvinos iam sendo recrutados para ingressarem na caça ao cachalote, principalmente devido à coragem e à bravura que os afamavam. Na esperança de amealharem algum dinheiro, os habitantes partiam rumo ao mar e faziam-se arpoadores. Em 1864, a ilha do Corvo registava cerca de 1100 habitantes, mas, desde então, o decréscimo populacional tem-se intensificado. Em 80 anos, já no século XX, o território vê os 808 habitantes a caírem para 370. A emigração para os Estados Unidos e para o Canadá é apontada como a principal causa.
Ao longo dos anos, a qualidade de vida da ilha foi-se modernizando. Em 1963, com a chegada da eletricidade, os primeiros cabos de telefone são instalados. Até então, a comunicação com as ilhas vizinhas era feita por rádio (via satélite) e, antes disso, através de sinais de fumo.
Com a inauguração do aeródromo do Corvo, em 1983, a modernização das estruturas consolida-se. A partir da década de 1990, estabelecem-se rotas aéreas regulares com as ilhas das Flores, do Faial e da Terceira. Consequentemente, a ilha do Corvo é inserida na dinâmica insular do arquipélago, deixando de estar tão isolada.
Atualmente, a paisagem natural e a rotina despreocupada ajudam a sintetizar algumas das suas particularidades. Na ilha, além de um verde-viçoso-cor-de-corvo, encontram-se casas que descansam umas nas outras, separadas por vias estreitas e acolhedoras. Todos se conhecem e a entreajuda corvina é sinónimo de hospitalidade (por isso aproveitem, futuros turistas!).
Não há registos de criminalidade e não existem preocupações com desastres rodoviários. Por lá, ecoa um português arcaico, adornado pelo sotaque e pelas expressões locais. Não há espaço para ruídos mais estridentes do que o som das ondas bravas. É uma espécie de recobro natural, capaz de limpar a ansiedade citadina do corpo. Afinal de contas, é a corajosa ilha do ocidente, bafejada pela imensidão (e bravura) do Atlântico; tem tudo para ser rotulada de especial.