Este pedaço de tecido colorido que gera encanto e curiosidade por onde passa tem suas origens há alguns séculos no continente asiático e chega à África por intermédio das trocas comerciais que pouco a pouco aportam à costa do Índico, concretamente em Moçambique.
Os anais da história indicam que a capulana chegou em África pela primeira vez nos Séculos IX a X, no âmbito das trocas comerciais entres árabes persas e povos que viviam ao longo do litoral. Quénia, Mombaça e Ilha de Moçambique aparecem nos registos historiográficos como primeiros locais que tiveram contactos longínquos na história do uso deste tecido no continente.
De princípio, a capulana surge como moeda de troca entre os povos e apenas os monarcas a usavam, como símbolo de representação de poder. No império Mwenemutapa (XV e XVIII), por exemplo, só o Mambo (rei) e as suas principais três esposas é que usavam este tecido como símbolo de ostentação e representação da tradição. Portanto, na sua génese, a capulana não emerge como uma questão de pura moda, pelo contrário: surge como um instrumento de legitimação do poder.
Tradição ontem e hoje
Usada para cobrir o corpo das mulheres, este tecido foi evoluindo ao longo dos anos em termos de textura, cores, e até no seu próprio uso.
A capulana é usada nos países africanos de diferentes maneiras. Em Moçambique por exemplo, as mulheres usam-na no seu dia-a-dia e principalmente em cerimónias tradicionais como funerais, casamentos, ritos de iniciação, cerimónias mágico-religiosas, etc.
Também chamada de “pano” em Angola, “kitenge” ou “chitengue” na Zâmbia, Namíbia e “canga” no Brasil, o seu uso vai muito além da moda: o tecido é usado pelas mulheres para carregar os seus filhos nas costas, para carregar trouxas, para inúmeras funções, como toalha, cortina, pano de mesa, etc.
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Geralmente, nas cerimónias de grande importância as mulheres mais velhas amarram a capulana, ou “mucume ni vemba”, e oferecem às noivas no dia do matrimónio uma capulana especial, com o tamanho de três dos tecidos, enfeitadas com uma renda branca, para demonstrar que ela também passa a ser uma mulher adulta e dona de casa.
Quem pensa que é só um pedaço de tecido engana-se: o carinho e cuidado com que as mulheres tratam este tecido é distinto. Acredite se quiser, cada uma delas pode ter várias histórias para contar.
A capulana que carregou o seu primeiro filho, a capulana que casou a sua filha, que carregou a colheita do ano x e por aí vai. Com certeza se elas falassem teriam muito para contar.
Chega a ser uma peça de afirmação de identidade, pois mesmo originário de outro continente este tecido foi sendo aculturado pelas mulheres africanas e passou a ser parte da sua cultura.
Em algumas localidades do norte de Moçambique, a forma como a mulher amarra a capulana determina o seu estado civil: casada, solteira, divorciada, viúva, noiva, etc.
Para a mulher casada e mais velha, a capulana passa a ser um símbolo de riqueza. Estas são guardadas juntamente com os “mucumes” em malas de madeira, que muitas vezes recebem no dia do seu casamento. Ela passa a coleccionar as capulanas que recebeu de presente no dia de seu matrimónio, e as restantes que poderá receber do marido como demonstração do seu amor, de cuidado e vontade de querer ver a sua esposa sempre bela.
Geralmente, as capulanas que ficam nesta mala só saem dela quando há uma ocasião especial. Quanto mais capulanas e “mucumes” tiver, mais rica a mulher se considera.
Em caso da morte da dona da fortuna, esta riqueza é distribuída para as filhas e netas ou para quem ela tiver determinado.
Antes utilizada para esconder e preservar o corpo da mulher, hoje, com as tendências da moda, a capulana passa a servir também para mostrar o corpo das mulheres. Actualmente, o tecido é utilizado para fazer todo o tipo de roupa, inclusive roupa de praia.
Já há algum tempo este tecido começou também a ganhar espaço no guarda-roupa masculino. Foi recebido com um pouco de receio, mas tende a ganhar cada vez mais espaço. Dela se servem os homens para fazer túnicas, calções, calças largas e mais recentemente até fatos se arriscam. A camada infantil também não fica de fora e usufrui deste tecido com modelitos exclusivos para a faixa etária.
Procurando elevar ao extremo a sua africanidade, alguns casais começam inclusive a casar-se com vestidos feitos de capulana, prática que tende a ganhar espaço.
Numa fase mais moderna, esta mesma capulana já é usada como ferramenta de difusão de mensagens educativas. Por exemplo, em campanhas eleitorais, os partidos políticos mandam fazer capulanas decoradas com suas fotografias e símbolos de seus partidos e oferecem às mulheres de modo a persuadir a população a votar no seu partido. Mas não só, as causas sociais também usam esta ferramenta para a difusão de mensagens ligadas a campanhas de saúde por exemplo para campanhas contra AIDS, malária, cólera ou mesmo campanhas de vacinação, sendo também usadas para veicular mensagens educativas.
A capulana, carregada de valor histórico, tem merecido a atenção de investigadores e escritores que já produzem teses e obras literárias falando acerca deste tecido, que passa a ser um “embaixador cultural”.
Nas passerelles mundiais
Taibo Bacar é um dos nomes sonantes em Moçambique e em África quando o assunto é trabalhar com a capulana. O estilista moçambicano conseguiu captar a atenção do mercado internacional ao participar no Milan Fashion Week em 2010 e nas suas peças consegue criar modelos exclusivos cruzando a moda internacional com o tecido tradicional local.
Nascida em Portugal, Íris Santos “abdicou do seu país” para vir a Moçambique e dar seguimento a um sonho de trabalhar com a capulana. Suas colecções já foram apresentadas em diversos países e a aceitação do público tem sido boa.
Foi a primeira estilista em Moçambique a decorar roupas de graduação com retalhos de capulana e também criou um modelo exclusivo de malas feitas deste tecido.
Casa Elefante, um império de capulanas quase secular
A Conexão Lusófona localizou em Maputo uma casa de venda de capulanas que existe desde 1919. Os seus donos são de origem indiana e há concretamente 97 anos dedicam-se à venda de tecidos e capulanas.
A gerência da casa viu na capulana um potencial enorme, o que fez com que a loja se tornasse numa casa especializada no tecido, visto que de um tempo para cá, a capulana passou a ser muito mais que um tecido e passa a representar o símbolo da mulher moçambicana, fazendo parte da cultura e da identidade do país.
No século passado, a maior parte das capulanas era fabricada localmente, mas depois da guerra civil e da globalização muitas passaram a ser importadas. A maior parte das capulanas da Casa Elefante tem sua proveniência em países asiáticos como a Índia, Indonésia, mas também em alguns países africanos como a Tanzânia.
As mais tradicionais são as capulanas xadrez, que são de longe a preferência das senhoras mais adultas, enquanto que os jovens preferem as capulanas mais modernas para fazer vestidos e outras pecas de roupa. Actualmente na Casa Elefante as capulanas mais procuradas são as mais coloridas, sendo que a maior parte das capulanas desta loja possui desenhos próprios de Moçambique.
A loja também tem tido muita afluência de estrangeiros que compram a capulana para levar como recordação para os seus países e usam-nas para a praia, como enfeite, toalha de mesa, etc.
A qualidade das capulanas varia e os preços também. As de 100% de algodão são as mais caras e as de fibra/polyester são as de menos qualidade e as mais acessíveis. Na Casa Elefante, os preços podem variar de 100mt a 350mt cada capulana.
Por ser uma casa muito antiga, a Casa Elefante tornou-se uma referência e possui uma variedade enorme de capulanas de qualidade. Este império de capulanas localiza-se próximo ao Mercado Central de Maputo, que é um ponto turístico da capital moçambicana por isso muitos turistas frequentam a loja.
Passados vários séculos, a capulana segue o rumo das dinâmicas sociais como um pedaço de historia com mil e uma funções, não perde a forma, o valor, nem o poder, evolui com a sociedade e se moderniza a si própria.