Capulana e mussiro: os dois segredos culturais da beleza moçambicana
5 minIncrustada na região norte de Moçambique, encontra-se a província de Nampula. Tradicional e localmente é conhecida como a terra das “muthiana orera”: a residência das mulheres bonitas, conhecidas como Macuas. Por lá, é comum avistarem-se as conterrâneas com o semblante — bem como outras partes do corpo — pintado de branco e adornadas com as cores garridas das capulanas. Distinguem-se das restantes habitantes do país pelos tratamentos de beleza que as afamam, recorrendo ao mussiro — um creme tradicional para a pele, extraído do caule da planta homónima.
Os anais da história situam a sua utilização a partir do século X, principalmente nos distritos costeiros do país — Ilha de Moçambique, Angoche, Moma ou Mossuril — por influência dos mercadores árabes. Localmente conhecido como N’siro, este produto preserva na sua composição importantes elementos naturais, provenientes de uma planta que deve ser preservada e multiplicada. Regra geral, é usado pelas comunidades do norte de Moçambique e do sudeste da Tanzânia para curar enfermidades, bem como para decorar e hidratar o corpo.
As mulheres Macuas — consagrado símbolo matriarcal moçambicano — são sinónimo de cuidado e beleza incomparáveis. Julga-se que o segredo que as exalta seja centenário. Desde tenra idade, ainda na fronteira com a adolescência, este coletivo incorpora uma máscara de origem natural, tingindo as suas feições e membros de branco. É considerado uma espécie de ritual que, além de ter uma conotação cultural e identitária, é rejuvenescedor. Acredita-se que tem a capacidade de eliminar as toxinas da pele, polindo-a e iluminando-a de forma exímia.
Uma dose de mussiro, todos os dias
Assim que os primeiros raios de sol beijam o chão de Nampula, numa prática diária, as Macuas preparam a sua segunda pele — esta apenas será retirada, assim que anoitecer. Extraída do caule de mussiro, cientificamente denominado Olax dissitiflora e membro da família botânica Olacaceae, a máscara de beleza começa a ganhar textura, quando o seu pó — obtido através da trituração manual de algumas partes do arbusto — é misturado com água.
Segundo as investigações científicas, provou-se que o produto de origem natural contém importantes propriedades terapêuticas. Além de um bom aliado no combate à acne e inibidor de infeções fúngicas e bacterianas, consegue retardar os sinais de envelhecimento. Tudo isto, graças à grande capacidade de absorção da oleosidade.
Logo que a textura ideal da máscara é alcançada — preservando um certo nível de viscosidade —, esta é espalhada uniformemente pela pele. As mulheres que a usam percecionam-na como um “segredo milagroso”, responsável pelo embelezamento e renovação.
O mussiro já faz parte da indumentária diária, aliando-se aos padrões vivos das capulanas — um retalho de pano, geralmente, retangular, que pode ser utilizado de várias formas; é encarado como um símbolo da cultura nacional. Entre as cores dos tecidos e as pinturas faciais, a fórmula da beleza é conseguida.
Depois do sol pernoitar, os corpos tingidos de branco são lavados e os efeitos, segundo os relatos daquelas que o usam, são notórios. Os intensos toques de suavidade e luminosidade ajudam a corroborar a crença na terapêutica. Deste modo, a popularidade além-regiões (e fronteiras) não se estranha.
Um pouco por todo o território moçambicano, existem pequenos “centros de cosmética” improvisados que vendem o pó de mussiro. Comercializam-no em tubos, por 100 meticais — o equivalente a dois euros. Há quem o transacione em forma de gel, misturado com aloe vera, para facilitar a absorção das propriedades medicinais, ou combinado com coco, para esfoliar. Contudo, independentemente do formato, o efeito é o mesmo: alisa, amacia e limpa a pele.
O legado cultural do mussiro
Ao longo do tempo, o propósito da utilização deste produto foi evoluindo. Hoje em dia, é encarado como um elemento embelezador, mas, noutras linhas temporais, já foi um importante emblema cultural. Era ostentado em diversas cerimónias, desde casamentos a funerais. Algumas máscaras, em vez de cobrirem a cara toda, serviam para transmitir determinadas mensagens, dentro da comunidade, como se fosse uma espécie de código étnico.
Fazendo uso do mussiro como uma espécie de tinta, algumas mulheres pintavam com detalhe o seu rosto, deixando evidentes alguns desenhos e motivos, a fim de transmitirem um recado. Comunicavam, por exemplo, a sua disponibilidade sexual, o seu estado de espírito — se estavam de luto ou a passar por algum ritual, como a preparação para o matrimónio — e o seu estado civil.
Nos dias que correm, apesar da maioria das tradições se ter desvanecido, algumas Macuas continuam a recorrer a este produto para se expressarem — principalmente nas comunidades mais rurais, longe do centro urbano. Existem diversas cerimónias e festividades que são comemoradas de mussiro no rosto. Exemplo disso é o Festival Watana, que tem como palco a Ilha de Moçambique.
Como qualquer herança cultural o exige, há que manter a tradição viva, passando-a para as gerações vindouras. Desta forma, quando se aborda o tópico mussiro por Nampula, o legado cultural jorra — e abundantemente — informações que o coroam com distinção. Jovens, adolescentes, homens, mulheres ou anciões; todos fazem questão de exibir o seu património — mesmo que seja um recurso natural mais utilizado pelo sexo feminino.
Naquelas redondezas, independentemente da ocasião, é comum verem-se Macuas a trocar pinturas faciais por dinheiro. Querem embelezar o próximo, usando o produto natural que protegem há múltiplas décadas. De sorriso convidativo e mussiro estampado (literalmente) no rosto, decoram outros semblantes que ajudam a eternizar parte da sua cultura.
A fama de belas já ninguém consegue tirar-lhes; espalhou-se por toda a área moçambicana. Além disso, são alcunhadas de “poderosas” e “misteriosas”. Talvez porque, durante o dia, empalidecem os traços, para que, depois, possam enveredar a verdadeira beleza. Afinal de contas, esta, congelada pelas propriedades especiais do mussiro, tem resistido há passagem do tempo, rejuvenescendo.
Até então, ninguém havia descoberto a verdadeira fórmula da jovialidade. Há uma grande possibilidade que esta descanse nas raízes Macuas; as matriarcas afirmam-no — quem sabe?
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