Uma matilha de cães selvagens caminha calma e atentamente pelas cores acastanhadas e secas da Savana africana, em Angola ou Moçambique. A cada espaço que parece a chance de uma nova toca, os animais param, cheiram, analisam se cabem todos os membros do grupo e se apossam. Em geral, os grupos rondam 30 animais e não são nômades, mas se um animal mais feroz ou uma chuva torrencial os expulsa de onde moravam, que solução há?
Não chega a ser rotina, mas a busca por locais seguros é uma cena comum na vida dos belos canídeos de pelo malhado que se confundem com a paisagem. São chamados Mabecos, em português. Ou, no tom mais austero e formal que caracteriza os nomes científicos, Lycaon Pictus. Eles são os maiores cães do continente e um exemplo da pluralidade de animais que caracteriza uma das maiores riquezas da África. E estão em extinção.
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Segundo estimativas do Projeto Carnívoros do Niassa, os Mabecos que vivem em estado selvagem no ano de 2017 eram pouco mais de 6000. Na Reserva de Niassa, em Moçambique – um dos 10 pontos mais fortes na conservação dos animais -, há em torno de 350 cães. Mas a maior concentração, segundo dados de 2012 divulgados pela International Union for Conservation of Nature (IUCN), está na Área de Conservação Transfronteiriça do KAZA, que abarca Angola, Botsuana, Namíbia e Zimbabwe. São cerca de 1400 adultos.
Motivos para o fim
Dentro da área protegida da Reserva do Niassa há cerca de 60.000 pessoas e 42 vilas. Uma conjugação de pobreza – Moçambique é o 9º país com pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no mundo -, baixa escolaridade e baixa infraestrutura básica faz com que muitos vivam de exploração ilegal da natureza, como caça de animais selvagens, comércio de partes de leão, marfim, peles, mineração de ouro e rubis e exploração madeireira. A caça de animais não é focada nos Mabecos, mas eles sofrem as consequências das armadilhas para animais maiores.
Por serem animais caçadores, os Mabecos são também alvos de fazendeiros que temem por seu gado – ou por seu investimento. Caem em armadilhas e são recebidos – ou buscados – a tiros. Seus 18 a 35kg são enfrentados como ameaças. Ignora-se um pouco o processo da natureza em que não há outra lógica a não ser a orientada pelo instinto de sobrevivência e, portanto, de caça. Seja de zebras, seja de gado. A dinâmica de agricultura e agropecuária divide os terrenos historicamente ocupados pelos animais, fragmentando seu habitat natural. Isso deixa-os mais à mercê, ainda, de predadores como a hiena e leões.
A defesa dos Mabecos não é considerada prioridade na região. A caça ilegal de elefantes na Reserva moçambicana de Niassa, por exemplo, matou cerca de 16mil animais entre 2009 e 2016. Isso se apresenta como um verdadeiro desafio para os 400 fiscais responsáveis por fiscalizar 42000km2 de área protegida e evitar o tráfico de marfim. Há ainda a grande caça a leões, que têm seus ossos usados para medicina tradicional. Então, os Mabecos são deixados de lado. Segundo o Relatório Anual do Projeto Carnívoros do Niassa, duas das 35 vilas que costumavam ver cães-selvagens não têm registros de aparição desde 2015. Uma outra não tem avistado Mabecos desde 2016.
Primo dos cães domésticos e dos lobos
O Mabeco é um tipo de cão, mas há uma distância entre eles, lobos e cães domésticos. Mais especificamente a distância de um dedo – eles não têm o quinto dedo, o traseiro. Isso ajuda a atingir os 35 km/h constantes por até 3km, podendo, ainda, atingir a um máximo de 60km/h. O atleta com a melhor marca na corrida, até o momento, Usain Bolt, tem uma média de 37,8Km/h se utilizarmos como base correr 200m em 19s19.
Sendo animais sociais, os cães-selvagens vivem em grupos médios com em torno de 30 membros, que mesclam sempre duas matilhas: uma de machos e uma de fêmeas. As fêmeas são, portanto, todas parentes entre si. E o mesmo acontece com os machos. É um processo natural que garante a variabilidade genética.
Diferente dos primos mais distantes, as orelhas grandes e arredondadas os ajudam a ouvir de longe, o crânio pesado ajuda a equilibrar o corpo e os maxilares ajudam a abocanhar as presas que caminham tranquilamente pela Savana. Em épocas mais fracas, os cerca de 3kg de carne que comem por dia vêm de gazelas que caminham despretensiosamente. Em épocas de migração das zebras e gnus, a dieta muda um pouco.
Os Mabecos estão acompanhados de cerca de 26,5mil outras espécies que também estão ameaçadas de extinção no mundo, segundo a Lista Vermelha da IUCN. Esse número corresponde a 27% das espécies catalogadas. Em porcentagem, os anfíbios tem o maior risco: 40% das espécies de anfíbios conhecidas estão ameaçadas. Há ainda coníferas (34%), recifes de coral (33%), tubarões e arraias (31%), crustáceos (27%), mamíferos (25%) e pássaros (14%).