Siwo: o moçambicano que quer revolucionar a música eletrónica
Simonal Bie nasceu em Maputo, há 38 anos, mas as raízes que carrega não o limitam — só o ampliam. É também conhecido por Siwo, o nome artístico que escolheu para o seu novo projeto de música eletrónica. Embora seja moçambicano, Simonal reside em Barcelona há cerca de 10 anos. A sua vontade de conhecer outros lugares, nomeadamente a Europa, falou mais alto no momento de escolher onde se fixar. No entanto, a jornada até lá foi praticamente acidental.
“Tinha muitos amigos europeus, da Holanda, de Espanha, de Portugal; isso fez com que a minha curiosidade fosse ainda maior, porque queria conhecer os países de onde eles vinham”, justificou o músico. O seu trabalho na área da etnomusicologia, que começou aos 19 anos, também teve um impacto significativo na sua internacionalização. Conheceu muitos antropólogos do Brasil e de Portugal através desse estudo, o que possibilitou a sua vinda para Lisboa em 2003, com convites para fazer exposições e workshops na capital portuguesa e em Braga. “A arte foi o caminho e criou a facilidade para que eu viesse para a Europa”.
Mas, afinal, o que tem Barcelona a ver com isso? — pergunta o/a leitor/a mais atento.
Depois de uma viagem de carro que levou dois dias para atingir o destino (do Porto a Barcelona), o fascínio pela cidade espanhola foi imediato. “Quando chegamos [ele e a sua namorada da altura] fiquei logo impressionado: muita gente jovem, muita coisa na rua, muita música”, afirmou. Apesar de adorar as terras lusitanas, o artista moçambicano confessa que queria mudar de vida. “Estava a chegar um momento em que precisava de uma mudança e Barcelona inspirou-me muito a fazê-la”, esclareceu. Em 2007, efetivou residência na capital da Catalunha, quase sem perceber: “decidi ficar cá por três meses e acabei ficando dez anos”.
Se sente que está em casa? Nem por isso, mas está no seu elemento. “É um pouco complicado sentir-me em casa aqui. Tenho mais amigos em Portugal, então essa é a minha segunda casa. Barcelona é a terceira e Moçambique a primeira”, elencou.
A carreira musical de Simonal
O percurso musical do artista moçambicano começou com o seu nome de nascença — Simonal Bie. Apesar de ser um curioso de outras áreas artísticas, como a arquitetura e a fotografia, foi nos ritmos africanos que obteve a maior inspiração para o seu trajeto. Tornou-se, até, um autêntico construtor de instrumentos tradicionais de Moçambique. “Queria tocar saxofone, mas não tinha dinheiro, então peguei em bambu e construí uma flauta”, explica o músico sobre a sua iniciação nessa arte.
De seguida, Siwo continuou a querer saber mais. Estudou muito sobre construção de instrumentos musicais moçambicanos e, através desse empenho e do contacto com outros artistas internacionais, foi aumentando cada vez mais as suas capacidades na área.
Claro que todas estas construções tinham o mesmo objetivo: fazer dele um melhor músico e poder tocar ao vivo. Foi isso que fez durante anos, sempre em contexto grupal, por meio do contributo e das influências de todos os membros. Teve bandas como o Moya Kalongo e o Nu Epoque, mas estava na altura de mudar o seu trajeto e viver novos desafios. “Não é fácil trabalhar com grupos grandes; cada um tem a sua ideia”, justificou o artista moçambicano.
Em 2018, decidiu seguir um caminho diferente, com um trabalho a solo e com outro conceito. Como fruto desse projeto (Siwo) surgiu o primeiro EP, Stand For. “Foi todo escrito e produzido por mim. Foi um desafio que queria mesmo fazer desta forma”, esclareceu. Por isso, neste primeiro registo, não existem colaborações com outros artistas — facto que Simonal quer mudar já no próximo EP.
Quanto à cena eletrónica que agora toma conta da sua obra, o músico acredita que é a opção mais lógica, sendo que o género tem muita projeção atualmente. “A cena eletrónica tem mais voz no contexto mundial e senti necessidade de fazer parte desse movimento, sem perder as minhas raízes e influências”, explicou. No fundo, o seu objetivo é fundir um pouco de África e do ocidente, para poder criar um som com o qual se identifique. Hoje em dia, assume-se “realmente contente e feliz pelo caminho” que está a seguir.
O futuro de Siwo
O artista moçambicano garante que o próximo EP também virá nos moldes da eletrónica, “mas tem muitas mensagens políticas”, acrescenta. Nesse novo trabalho, as colaborações além-fronteiras já estão a ser tratadas: Japão, Inglaterra e Moçambique irão, de certeza, deixar uma pegada no disco. Ainda assim, Siwo tem como objetivo aumentar as colaborações com artistas lusófonos, especificamente.
Até que o futuro chegue e o EP esteja pronto para o público, Simonal pretende continuar na sua jornada por Barcelona. Infelizmente, hoje em dia, ainda não consegue sustentar-se apenas com a música que faz. Mantém um part-time para que possa ser um criador mais despreocupado.
“Não me posso permitir viver só da música neste momento. Não quero fazer música com pressão e agora estou muito focado em fazer projetos mais artísticos. Se eu estivesse a viver só da música, acho que não estaria muito bem focado; a minha cabeça estaria muito dispersa e muito preocupada em fazer todo o tipo de concertos e mil projetos, só para ganhar dinheiro. Prefiro fazer projetos mais sérios para mim. Eu levo a música como se fosse a escrita de um livro, ou como um pintor que está a fazer uma exposição”.
O artista moçambicano salienta que, no futuro, gostaria de viver apenas da sua arte e que se imagina a fazê-lo. Mas a sua vida nunca será apenas isso. Simonal tem outras preocupações que gosta de atender. “Colaboro com uma casa de jovens, refugiados de guerra, e ajudo-os a gravar, com o estúdio que tenho em casa; agendo um dia em que tenha tempo, eles vêm cá e escrevem as letras, enquanto eu faço os beats. Isso também é uma coisa que me interessa muito: poder apoiar os que não têm, porque também me ajudaram a mim. Não falo só de dinheiro, falo também de orientações e ideias. Se eu posso fazer isso por outras pessoas, estou muito aberto”.
Para conhecer melhor o trabalho de Siwo, saiba que a sua música está disponível em plataformas digitais. Pode ouvir o Stand For no iTunes, Spotify, Bandcamp, Beatport e Amazon. Veja aqui um dos vídeos do artista moçambicano, publicado no Youtube:
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