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A mente brilhante debaixo do implante

Leya

 

Enquanto rolava a votação do impeachment no Senado brasileiro e os posts das redes sociais se alternavam entre fogos de artifício de um lado e chororô do outro, eu formulava um texto que ia na linha do “a História é escrita pelos vencedores. Só o tempo consagrará o impeachment como golpe ou não, blá blá blá”. Mas já era.

 

Aquele texto (chato) foi para o beleleu imediatamente quando Dilma Rousseff não perdeu os direitos políticos depois de deposta do cargo.

 

Desde então estou absolutamente em chamas com essa cartada de gênio. E como está no manual das cartadas de gênio, foi discreta e rápida o suficiente para surpreender opositores – aliados até! – e só será lembrada no futuro. Talvez então fique claro a mente brilhante debaixo do implante. O monstro da política, que é o senador e presidente do Congresso, Renan Calheiros.

 

Renan não é do PMDB. Renan é o PMDB em forma de gente.

 

Primeiro, a cartada em si.

 

Ainda espero ler algum jornalismo sobre isso. Para saber o quão premeditada foi a manobra entre os demais envolvidos, incluído aqui o presidente da sessão, Ricardo Lewandowski. O ministro do STF acatou votações independentes para o impeachment e a da “pena” de perda dos direitos políticos, para rápida concordância da Mesa Diretora (Renan) e adesão dos aliados do senador, que obedecendo ao seu comando, foram os determinantes para o placar de 36 votos suficientes para a manutenção dos direitos.

 

O líder do PSDB, Cássio Cunha Lima, nos dois minutos que teve para se manifestar contra a divisão das votações, deu a tônica do desespero tucano dizendo que, se o PT assim quisesse, poderia no dia seguinte começar uma campanha para eleger Dilma novamente em 2018, criando um “forte elemento de instabilidade política”. Ouvindo o rádio do carro, quase bati num poste. Chato mesmo essa instabilidade política causada pelas ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS.

 

Que fase do PSDB. Que o PMDB tem medo de eleições todos sabem, mas que falência isso se estender ao principal (ex-)partido de oposição do país.

 

Kátia Abreu (do PMDB também, que beleza) tinha convenientemente na manga um parecer nesse sentido do “respeitado constitucionalista Michel Temer”. Aí ficou complicado de qualquer um contestar.

 

Fernando Collor contestou. Ele não teve esse direito em 1992. Ora, nem teria como ter porque ele optou por renunciar e ser julgado à revelia no Senado. Ponto para Dilma. Seu longo escrutínio, ontem, mais do que uma demonstração de brio, serviu para alguma coisa. Quem tem aquilo roxo agora, meu querido?!

 

Agora, os efeitos da cartada.

 

Primeiro, um parêntese para essa contradição maravilhosa, apontada pelo professor de jornalismo Marcelo Träsel em seu Twiter (@trasel): ” Com isso, temos um presidente inelegível para presidente e uma presidente cassada elegível para cargos públicos e, talvez, presidente”.

 

Não falta gente dizendo que Dilma manter os direitos políticos não significa que poderá concorrer a cargos públicos, apenas ser servidora pública (ministra, professora de universidade, policial federal, o que seja) em razão da Lei da Ficha Limpa, que impediria a candidatura de pessoas condenadas (incluindo desde maio Michel Temer, segundo o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo).

 

De qualquer forma, não é ponto pacífico. Seria preciso Dilma se candidatar e aí ter a sua candidatura questionada para que um tribunal se pronunciasse a respeito. Ou então questionar desde já o resultado do julgamento no Senado. E, nesse caso, me alinho ao palpite do Ricardo Noblat (@BlogdoNoblat): “Não adianta recorrer ao STF contra o que o Senado decidiu. Ele não se meterá nessa. Dirá que o Senado é soberano.”

 

Mas então quer dizer que o PT está livre para iniciar um movimento pela ressurreição de Dilma e assim o fará, uma cruzada por justiça, correto?

 

NÃO!

 

E aí é que a jogada de Renan Calheiros se torna ainda mais genial. Porque ao mesmo tempo que é uma vela acesa para o PT, é um tapa na cara dele.

 

Se não relançar Dilma à presidência em 2018 (e não vai relançar), vão questionar: “Ué, mas não era tão boa? Ué mas não era uma tremenda injustiça o impeachment? Então relancem a Dilma à presidência”. O que mostraria o rio de lágrimas de crocodilo que inunda Brasília por uma figura da qual a maior parte do próprio PT faz questão de se ver livre, mas não sem antes o longo teatro para os autos do Congresso e timelines do Facebook.

 

Falar maravilhas de um cadáver político é fácil. Mas Dilma agora é viva, então o PT que maneire nos confetes.

 

Renan dirá que foi amigo. A ala ingênua militante do PT concordará e o terá ainda como um aliado importante, não um traidor. A ala malandra do PT dirá “muy amigo”. E o PSDB? Bem, o líder do PSDB, Cássio Cunha Lima, mais uma vez foi símbolo do seu partido: depois da não perda dos direitos políticos de Dilma, saiu brabinho do plenário, ameaçando não participar sequer da posse de Temer.

 

Vai voltar, Renan sabe. Piscadinha.

 

Quando tudo apontava para um longo epílogo, esse House of Cards tupiniquim deixou um gancho maravilhoso. Todos achavam que nosso Frank Underwood era Eduardo Cunha, mas como bem disse minha amiga Giovana Zortea, ele está mais para Dexter. Envaidecido pela própria figura no espelho, cortou a própria cabeça. Nosso Frank é Renan. Carolina do Sul é Alagoas. E, como em Frank, minha vontade é de dar-lhe um beijo na careca mal disfarçada, oferecer-lhe os cumprimentos e um par de algemas.

 

A nova temporada começa com essa cena dantesca de Michel Temer empossado presidente jurando respeito à Constituição, mas há de melhorar.

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