“A escola deu-me um abraço”
Ao chegar a Portugal, diversos muros se constroem no caminho dos alunos imigrantes. Os professores concentram esforços para ajudar os estudantes a derrubar obstáculos, mas a tarefa por vezes poderá ser complicada
O toque de saída soa e a “escola rosinha” ganha vida. Mauro e Esperança, alunos do 8° A, saídos de uma palestra na biblioteca da escola, transportam-nos para o seu passado e contam um pouco sobre a sua chegada a Portugal. Oriundo de Angola, Mauro Gomes veio viver para Portugal em 2019. Atualmente, tem 16 anos e frequenta a Escola Básica Maria do Carmo Serrote, na Quinta do Conde, no concelho de Sesimbra. Como todos os emigrantes, a família do jovem veio para Portugal à procura de melhores condições financeiras, mas, como na maioria das situações, o início não foi fácil. Tentaram o Brasil, porém, voltaram para o território lusitano em 2019 devido a questões familiares, recomeçando uma nova vida.
A aprendizagem dos conteúdos escolares “foi do pior”. O sotaque angolano era muito acentuado e existiam muitas palavras da gíria portuguesa que desconhecia. “Uma beca, bueda… o que é isso?”, exemplifica. Ao iniciar a escola em Portugal, Mauro sentiu que lhe faltavam bases de aprendizagem que os colegas já teriam adquirido no 6° e 7° ano. Consequentemente, obtia classificações abaixo da média. Nos dias de hoje, tem notas “razoáveis” e atribui a si próprio o mérito de ter ultrapassado essa dificuldade. “Foi a minha luta e a minha vitória”, acredita.
Matemática e Português eram as disciplinas onde o aluno tinha maiores dificuldades. Apesar de se sentir à vontade na área das línguas, Mauro queixa-se da quantidade de regras da língua portuguesa e que até na aprendizagem do francês sentiu menor dificuldade. “No Português, houve alguma coisa que não apanhei bem. Seguramente, não vou decorar tudo. São muitas regras.”
Após a sua chegada, Mauro sentiu um enorme apoio por parte da escola. Logo no início, foi inscrito num “programa de mentores”, em que os alunos com classificações altas ajudam aqueles com dificuldades escolares, noutros apoios e teve direito a consultas de psicologia. “A escola deu-me um abraço”, conta.
No decorrer das aulas, Mauro diz preferir exercícios ou tarefas individuais a trabalhos coletivos: “Em trabalhos de grupo, sou aquele aluno que desconcentra”. Também tem aptidão para lições que envolvam a oralidade do estudante. O jovem menciona ainda que atividades práticas e visitas de estudo não são eficazes, visto que, no seu entender, “os alunos não têm intuito de aprender, mas sim de se divertir”.
É dado ao estudante a oportunidade de partilhar a sua cultura nas aulas, especialmente, nas de Geografia: “Foi-nos pedido um trabalho em que falássemos de diferentes culturas e, obviamente, falei da minha. É sempre uma maneira de chamar a atenção dos colegas para novos mundos. Achei interessante quando outros colegas falaram das suas origens e vi que eles conheciam outras culturas.”
O aluno considera que o país é bastante diferenciado de Angola, no nível da qualidade do ensino. “Portugal é um pouco mais organizado”. Como explica: “No meu país, os professores não mostram entusiasmo a ensinar, maioritariamente por receberam um salário baixo.” Ainda assim, também identifica professores portugueses com essa característica, porém, crê ser “por razões diferentes”. Mauro recorda que, no ensino angolano, tinha o mesmo professor para todas as matérias, algo que diz “não ser eficiente”.
Se permanecesse em África, o jovem angolano considera que não teria adquirido a quantidade de conhecimento que hoje diz possuir: “Em Portugal, abri os meus horizontes. Procura ajudar-nos a seguir o nosso caminho e presta atenção aos nossos talentos. Tenho irmãos que estudam fora graças a bolsas que ganharam e tenho família em Angola que recebeu o mesmo método de estudo.”
Barreira linguística facilmente quebrada
Nascida em Angola, Esperança Caiumbuca mudou-se para Portugal aos sete anos. De momento, tem 13 anos e é a melhor aluna da turma de Mauro. Na companhia da família, em 2017, Esperança viu-se obrigada a vir viver para Portugal devido à situação do seu irmão mais novo. Rossi Caiumbuca tem 12 anos, foi diagnosticado com autismo e a assistência médica de que necessita não é disponibilizada na antiga colónia portuguesa. Para além do mais, muitas das crianças que têm a mesma condição são associadas, pelos angolanos, a bruxaria e outras superstições. Consequentemente, os pais perceberam que o filho não teria um futuro digno naquele país. A família emigrou primeiro para o Brasil, mas Portugal foi o destino final.
Esperança conta que a sua adaptação ao ensino português foi positiva, uma vez que seria ainda relativamente nova. “Em Angola, não cheguei a aprender muita coisa. Sempre gostei de estudar, esforço-me desde o início, sem problemas de maior.” Inicialmente, confrontou-se com pequenas dificuldades na língua portuguesa, mas nada que o tempo não resolvesse.
A aluna atribui aos docentes a razão do seu sucesso escolar: “Os professores portugueses fazem de tudo para o aluno entender a matéria e os das escolas angolanas não demonstram a mesma preocupação. “Em Portugal, os professores preocupam-se mais com os alunos.”
As dificuldades escolares de Esperança são mais acentuadas na área da Matemática, mas as disciplinas em que apresenta melhores resultados têm um maior peso no balanço do desempenho escolar. É barra a Educação Visual e a Ciências Naturais. “Sempre gostei muito de desenhar e sempre fui uma aluna excelente a Educação Visual. Também gosto de Ciências. Interesso-me pela natureza e pelos animais”, justifica.
A aluna elogia o imenso apoio que recebe pela instituição de ensino que a acolhe: “As escolas portuguesas oferecem muitas oportunidades. Participo em diversos projetos. “Aqui, existe a unidade de educação especial, as crianças e os profissionais da escola aprendem a conviver com meninos especiais desde cedo, o que evita o bullying. Em Angola, a maioria destes jovens fica em casa e não vão à escola por causa dos preconceitos.”
A estudante, que já cresceu em Portugal, conta que já perdeu grande parte das suas raízes angolanas. “Não me sinto muito à vontade para falar da minha cultura”. Ainda assim, afirma gostar de viver em Portugal, mas admite as saudades de Angola: “Pode não ser o melhor país do mundo, mas é o meu país.”
A maneira como o irmão foi recebido em Portugal ficará para sempre guardada na memória: “Nesta escola, toda a gente conhece o Rossi. Atualmente, já fala muito, pede para ir à casa de banho, vai buscar a sua comida. Enfim, evoluiu muito, enquanto em Angola era excluído.”
O ponto de vista de uma luso-ucraniana
Andriana Kots tem 14 anos, mora em Oeiras e estuda na Escola Secundária de Miraflores. Descendente de pais ucranianos, como já nasceu em Portugal, a adolescente não evidencia tantas dificuldades como os alunos estrangeiros. No entanto, sempre foi colocada em turmas mistas por não ter tanta facilidade na aprendizagem da língua portuguesa. “Interpretar mais as coisas, os textos e o português é mesmo o meu calcanhar de Aquiles”, admite.
Uma vida inteira em Portugal parece não ter sido suficiente para Andriana Kots conseguir ultrapassar as barreiras linguísticas. Por vezes, uma simples palavra desestabiliza a concentração e impede a retenção da informação dada no resto da aula. Andriana expõe o ponto de vista dos colegas estrangeiros, referindo a dualidade das ajudas por parte dos docentes: “Há professores que explicam cada palavrinha. Mas também há outros que nem sabem que os colegas não falam português e não vão lá perguntar-lhes nada. Porque sabem que eles não vão perceber.”
A jovem admite sentir-se muito satisfeita quando os professores incentivam os alunos a falar sobre as suas culturas: “É um teste na língua da pessoa e em português. Seria um bom método para facilitar a aprendizagem do imigrante”, considera.
Do outro lado da sala de aula
Em frente ao olhar atento dos alunos, dezenas de professores esforçam-se, todos os dias, para derrubar as barreiras linguísticas que se impõem entre quem nasceu em Portugal e quem veio de outros cantos do mundo. Susana Santos Moura, 42 anos, reside em Oeiras e é diretora de uma turma conjunta do 9ºano, na Escola Secundária de Miraflores. Ter uma turma constituída por portugueses e estrangeiros dos vários países do globo é, considera a professora, “difícil, porém, engraçado”. A docente explica que “é difícil porque o profissional de ensino tem de lidar com muitas pessoas diferentes, muitas formas de estar distintas e com dificuldades diversas”. Mas é engraçado porque, diz, “ao mesmo tempo que eles aprendem connosco, nós também aprendemos muito com eles. Vamos aprendendo a lidar com eles e com as suas dificuldades na língua”, conta
Célia Martins, 52 anos, reside em Foros de Salvaterra e é professora na Escola Mouzinho da Silveira. Da experiência diária com jovens com origens diversas, a docente tem uma convicção que aplica no exercício profissional: “É necessário adotar estratégias diversificadas para conduzir pessoas diversificadas.”
A adaptação inicial dos alunos às aulas de Português, no que diz respeito à aprendizagem da matéria, é repleta de adversidades. Alguns dos seus alunos chegaram ao 7ºano sem saberem nem perceberem uma única palavra da língua: “Alguns tiveram mais dificuldade em aprender a língua, outros aprenderam mais depressa.”
A facilidade na aprendizagem da matéria coincide ainda com a origem do aluno e com a língua materna, para além das características individuais de cada estudante. Mas, de uma maneira geral, os alunos estrangeiros aprendem, refere a docente, “também ao comunicar uns com os outros e vão conseguindo assimilar a língua e as matérias com algumas estratégias educativas e adaptações”. De alguma forma, os professores encontram métodos para facilitar a aprendizagem destes jovens, mas a meta pode ser mais difícil de alcançar. Como afirma a professora Susana Santos Moura, “é sempre muito mais complicado para aprenderem as matérias da mesma forma que os outros”.
Célia Martins destaca ainda a parte socioeconómica que não acompanha os recursos disponíveis nas aulas. É necessário adquirir muitos materiais de apoio, recorrer a ferramentas e a aparelhos de conversão de línguas para facilitar a compreensão. A preparação das aulas para uma turma com alunos imigrantes exige o dobro do trabalho ao professor. Susana Santos Moura conta que “tem de se contar que o que é dito não é apreendido facilmente por todos os alunos, dado que a turma é constituída por jovens provenientes da Europa de Leste, do Bangladesh, de Cabo Verde, entre outros países”.
Ambas as profissionais de asseguram que os alunos sentem apoio dos professores, uma vez que garantem que as escolas estão mais sensibilizadas, atualmente, para este assunto. Os meios para ajudar os que vêm de fora variam e são exemplo a existência de uma professora de Português de Língua Não Materna, apoios em aulas extra letivas, ajuda psicológica entre outras ajudas. “Muitas vezes, os apoios são sempre insuficientes, mas fazemos aquilo que é possível tendo em conta os recursos humanos disponíveis”, refere a docente da Escola Secundária de Miraflores. Célia Martins afirma que é de extrema importância que os estudantes estrangeiros se integrem no estabelecimento de ensino: “O docente torna-se responsável por integrar os alunos de Língua Não Materna, criando uma forte ligação de proximidade. Estes elementos ajudam para contribuir a inserção de um aluno no sistema educativo.”
Uma realidade cruel
Apesar de inicialmente a integração ser complicada para aqueles que não sabem português, a convivência com os colegas lusófonos desenvolve o português destes alunos estrangeiros: “Eles tomam contacto com a língua também fora da sala de aula.”
Nem sempre o acolhimento entre os colegas corre como desejado. Célia Martins revela que, em muitos casos, os alunos filhos de imigrantes acabam por sofrer de bullying: são excluídos socialmente pelos alunos de língua materna. A profissional de ensino da Escola Mouzinho da Silveira revela que se não for por solicitação ou intervenção do professor, as vozes dos portugueses não se ouvem: “Se não for o docente a aproximar-se dos mesmos, os alunos estrangeiros mantêm-se reservados. Nota-se um grande clima de crueldade e hostilidade entre eles.”
Uma forma de aproximar os estudantes estrangeiros da escola portuguesa coincide com a partilha da cultura durante as aulas. “A intervenção dos alunos integra-os mais com o espaço educativo e fala-se, muitas vezes, nas diferenças culturais. Os estudantes gostam de partilhar e os profissionais de ensino também apreciam que eles o façam. Até porque é uma aprendizagem para os outros, que ficam a conhecer outras formas de estar em outras culturas e para nós também”, acrescenta.
Susana Santos Moura é defensora da existência de um ano “zero”, exclusivo aos alunos imigrantes. “A ideia seria aprenderem português para, nos anos seguintes, não terem tantas dificuldades com a língua. Um ano de aprendizagem do português seria bom, sem terem notas, sem a pressão das avaliações às outras disciplinas, só mesmo para aprender e conviver com os colegas. Seria uma das melhores maneiras para introduzir os estudantes na escola portuguesa.”
Por Guilherme Guedes, Mafalda Martins e Margarida Aragão, alunos da licenciatura em Jornalismo da Escola Superior de Comunicação Social de Lisboa.
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