Da fusão entre a cooperação para o desenvolvimento e a sustentabilidade ambiental, surge a Associação Lusófona de Energias Renováveis (ALER). Isabel Cancela de Abreu, mentora do projecto e directora executiva da organização, explica as suas motivações numa entrevista exclusiva à Conexão Lusófona.
O voluntariado no Niassa, em Moçambique, despertou-lhe o interesse para a promoção da melhoria das condições de vida de populações nos países em desenvolvimento, através de projectos em energias renováveis. A experiência como directora do departamento técnico da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN) e a passagem pela European Renewable Energy Council (EREC) deram-lhe as ferramentas necessárias para avançar num projecto internacional que une motivações pessoais e profissionais.
Isabel Cancela de Abreu confessa que “tinha conhecimento dos mercados nacional e europeu, e sabia que começava a estar muito limitado”. A dimensão do país e a própria evolução em termos de energias renováveis, assim como as questões técnicas de falta de interligações entre Espanha e França, fizeram-na olhar além fronteiras. “Os países lusófonos têm ainda uma grande procura deste tipo de soluções, não só ligadas à rede, mas também off-grid, para permitir acesso à energia a populações rurais isoladas”, acrescenta.
A ALER constitui-se numa associação internacional, que trabalha com entidades de todo o mundo e com as quais pretendem “desenvolver projectos” ou “criar acções de capacitação” nos países lusófonos, orientadas para o sector das energias renováveis.
Electrificação assimétrica
A falta de acesso à electricidade e serviços de energia, constitui uma das grandes assimetrias dos países lusófonos prioritários. Dados mais recentes do Renewables Global Status Report, mostram que “existem cerca de 33 milhões de cidadãos na CPLP (Comunidade dos países de língua portuguesa) sem acesso à electricidade e portanto temos taxas bastante baixas que rondam os 20%”, diz Isabel Cancela de Abreu.
País Taxa de electrificação
Guiné-Bissau 20%
Angola 30%
Moçambique 39%
São Tomé e Principe 59%
Guiné Equatorial 66%
Cabo Verde 94%
Timor-Leste —
Mesmo nos locais cujas populações têm acesso à electricidade, “a qualidade e fiabilidade do serviço não são as melhores”, assume a directora executiva da ALER. Nestes países “o défice tarifário é demasiadamente preocupante”, já que, taxas subsidiadas de energia permitem aos consumidores pagar muito aquém do custo real, fazendo com que o sistema não seja pago. “A incapacidade para investir na rede, melhorar o serviço e aumentar capacidade de produção”, justifica a fragilidade dos comercializadores de energia, explica Isabel Cancela de Abreu.
Em contraposição, Cabo Verde, detentor do principal projecto de energia eólica, da Caboeólica, “vende electricidade à rede a um preço inferior ao da produção convencional”.
“Em todo o caso, nestes países, onde as populações não têm acesso à rede, os sistemas de energias renováveis já são mais competitivos, nomeadamente os kits solares”, refere a directora executiva da ALER.
Cooperação activa
Dentre outros objectivos, a ALER pretende, desde a sua génese, acompanhar esta intensa fase de produção de legislação e regulamentação nestes países, “garantindo que o enquadramento é o mais favorável possível”, adverte Isabel Cancela de Abreu. “A lei base de electricidade de São tomé e Príncipe foi publicada a 31 de Dezembro do ano passado” e “apenas Moçambique tem uma tarifa feed-in definida para projectos abaixo de 10 MW, que foi publicada também no final do ano passado e ainda não está em implementação”, exemplifica.
Paralelamente, a ALER quer apostar na sensibilização de entidades financiadoras no sentido de vocacionarem verbas para os países prioritários da lusofonia e promoverem projectos piloto ou de demonstração, tal como já acontece nalguns países africanos como o Quénia e a Tanzânia.
Actualmente, existem programas muito interessantes, que “podem ser replicados nos países lusófonos”, diz a directora executiva da ALER. O SIDS DOCK, gerido pela IRENA e pela UNIDO, tem o objectivo de desenvolver soluções energeticamente sustentáveis em pequenas ilhas em desenvolvimento: Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Guiné Bissau e Timor Leste. A ALER juntou-se recentemente ao projecto SE4All, uma iniciativa lançada pelo Secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, que “pretende também levar energia sustentável a nível mundial, aplicando os objectivos do milénio e a nova agenda pós-2015 para o desenvolvimento, cujos objectivos são duplicar a taxa de renováveis, eficiência energética e de acesso universal à energia”, explicou Isabel Cancela de Abreu.
Cabo Verde, Moçambique e São Tomé e Príncipe
A primeira reunião de ministros da energia da CPLP, que antecedeu a I Conferência da Energia para o Desenvolvimento da CPLP, é um passo importante para o desenvolvimento do sector energético nesses países. “Serviu na sua essência como alerta de oportunidades e de experiências para que estes países comecem a colaborar entre si”, diz a directora executiva da ALER.
“O ministro Alfredo Pires de Timor Leste, que neste momento tem a presidência da CPLP e a presidência da reunião de ministros da energia, ficou muito impressionado com o desenvolvimento de Cabo Verde em termos de energias renováveis e surpreendido com os trabalhos do FUNAE em Moçambique”, acrescentou. No entender de Isabel Cancela de Abreu, Timor Leste poderia aproveitar a experiência de Cabo Verde e Moçambique para criar uma Conexão Lusófona das energias renováveis.
O início oficial das actividades da ALER está orientado para três, dos sete países prioritários. Cabo Verde, Moçambique e São Tomé e Príncipe serão alvo de um trabalho mais detalhado durante o segundo semestre deste ano. “Vamos organizar actividades concretas, nomeadamente a produção, desenvolvimento e publicação de relatórios nacionais sobre o ponto de situação das energias renováveis nestes três países”, refere Isabel Cancela de Abreu. Além dessa publicação, será lançado um directório de contactos, de empresas directa ou indirectamente relacionadas com o sector das energias renováveis. Está previsto também a organização de eventos, em cada um dos países prioritários, para apresentação e discussão dos relatórios.