Comer. Em toda a parte do mundo, este acto quotidiano reveste o seu significado, tem os seus códigos, os seus rituais. Apesar da uniformização dos modos de vida, sobretudo nas grandes cidades, é bonito constatar que a maioria dos povos manteve uma forma de identidade culinária.
Como diz o velho ditado, «nós somos o que comemos». Eu completaria dizendo que «nós somos COMO comemos». E como em praticamente toda a parte neste planeta, em Angola, o que comemos, como comemos, define-nos.
Como muitos angolanos, vivi partes da minha vida no país, (maiores) partes fora dele, e não faltou curiosidade relativamente à cultura culinária dos países em que vivi. Na minha história pessoal, integrei pratos e hábitos alimentares portugueses e franceses.
De qualquer modo, é muito comum em qualquer família angolana comer-se um bacalhau à Braz, um cozido à portuguesa, rissóis de camarão ou pastéis de nata. Faz parte da herança de 500 anos de vivência comum. No meu caso, o boeuf bourguignon, a bavette à l’échalotte ou marrons glacés e foie gras em dias de festa, passaram também a fazer parte de mim. Com 20 anos vividos fora do meu país, tornei-me um cosmopolita alimentar.
Porém, o que ao longo dos anos me “manteve” angolano foram pequenos detalhes que para outros são insignificantes, mas não para nós, da banda.
Sabores, cores, imagens, odores capazes de nos transportar de volta a um sítio não geográfico, um sítio que nos é muito íntimo, e que só partilhamos com quem nos pode compreender nesse particular. Todo o tempo passado fora, a minha Mãe manteve o laço alimentar com a terra.
Do funge ao mufete*, do kalulu* às quitetas, da moamba ao caldo de peixe, da kifufutila* à ngonguenha*, não faltavam, uma vez por semana no mínimo, estes pitéus da terra tão propícios a atenuar a nostalgia.
Apesar de não serem as nossas sentadas* «em casa da tia com o quintal maior», como cantou a Pérola, reunir um grupo de amigos angolanos, onde quer que seja no mundo, para comer aquele funge de domingo, ao som daquelas músicas dos tempos, é reviver um pouco a nossa terra longe dela; é relembrar os sábados de azáfama na cozinha, o montar as mesas de plástico lá fora, acender o fogareiro a carvão, encher a caixa térmica de gelo e bebida, manter as moscas afastadas do peixe e ir para a mesa às 15h para não levantar antes das 21, a não ser para dançar…
O menu é rico e farto, para agradar todo o mundo: de cada casa vem uma panela, uma sobremesa, uma grade. Então, para não deixar ninguém ficar mal, tem que se acabar a comida, leve o tempo que levar… Numa sentada não se come, vai-se comendo! E se uns preferem o de bombó (Norte) e outros o de milho (Sul) se para alguns o kalulu é de peixo fresco, pra outros de peixe seco (geralmente põe-se os dois na panela e escolhe-se na hora de servir), o importante é reunir, partilhar, conviver, estarmos «etu mu dietu»*.
Especial agradecimento à Nanyca, que com os seus cozinhados e o seu blog, permite a quem estiver interessado aprender mais sobre culinária angolana.