Conexão Lusófona

40 anos de Independência de Moçambique aos olhos do neto de Samora Machel

(Imagem: Reprodução Debate)

 

“Nasci em 1986, no meio de uma guerra e no ano em que o meu avô, Samora Moisés Machel, partiu – num ano de transição da nossa história.

Era um bebé para entender o contexto da guerra ou das ideologias por detrás dela. Mas, passados poucos anos, aprendi o significado de bandidos armados (os maus) e dos soldados (os bons). Crescendo, comecei a ver que nem todos os bons eram assim tão bons, e nem todos os maus tão maus.

Ainda miúdo, conseguia perceber as diferenças económicas entre eu e os meninos de rua com quem brincava.

Tive acesso às tecnologias e cultura geral internacional (nos tempos do Capitão Planeta, as Tartarugas Ninjas, ou o Nintendo). Enfim, vivi num círculo privilegiado. A minha família nuclear (pai e mãe), não eram e nem são ricos, ao contrário da crença pública. Com muito esforço por parte da minha mãe tive a oportunidade de ter também uma educação privilegiada

Hoje, depois de ter acompanhado uma série de entrevistas nos “mídia”, gostaria de dar a minha opinião sobre o que significam os 40 anos de independência.

Achei muito interessante esta forma de recordarmos e documentarmos a nossa própria história. Uma forma de apreciar as conquistas dos mais velhos e de homenageá-los.

Khanimambo!

Contudo, fiquei um pouco desapontado com e pelos jovens que não foram entrevistados. Não vi nenhuma entrevista crítica e objectiva a um jovem, para perguntar o que os jovens de hoje querem ver nos próximos 40 anos? Ou, o que nós jovens pensamos do caminho que nos levou a este estado de coisas?

Essa palavra “independência” dá-me um aperto no coração porque não sei até que ponto estamos ´´independentes´. Bem, alguns de nós estamos ´´individualmente´´ independentes. Mas como nação os velhos fantasmas da unidade nacional, do sistema de produção capitalista e da pobreza ainda nos separam. Não sinto que vivo num país independente até garantirmos as condições de vida, até termos condições básicas que dignifiquem todos os nossos irmãos. A independência económica é a luta da minha geração, da geração sem voz.

Ao ouvir as histórias das personalidades que marcaram a nossa história, fiquei orgulhoso de ser Moçambicano. Mas, como jovem fico extremamente desapontado de como a história heróica do nosso povo se vem traduzindo nos últimos anos. Será que os nossos “mais velhos” ficaram tão velhos em todos os sentidos, que já se esqueceram da sua causa nobre e justa, ou se esqueceram de como é viver sem nada? Talvez o poema de combate do ideólogo Jorge Rebelo traduza o meu sentimento “não basta que seja pura e justa a nossa causa, é necessário que a pureza e a justiça existam dentro de nós“.

Um factor preocupante e que me marca como jovem e como neto de Samora é como a história recente de Moçambique anda à volta da sua personalidade. É um facto que o contexto de 2015 é diferente do de 1986. Contudo, grande parte dos políticos presentes no regime de Samora ainda estão vivos e continuam com bastante influência na arena política do país.

Há anos que choramos pela morte física de Samora e andamos à procura dos responsáveis. Sim, o país talvez haveria de estar num melhor caminho…, sim ele haveria de ser a pessoa ideal para aconselhar o nosso Nyusi…, mas a realidade em que estamos e vivemos é outra. Temos de aprender a viver o passado para confrontar o presente e construirmos o futuro.

Acho que nós matamos Samora todos os dias. Quando não lutamos pela igualdade de oportunidades, quando fechamos os olhos à corrupção, quando apoiamos políticas incorrectas, quando aceitamos que camaradas ponham em causa o bem-estar comum para satisfazer os seus interesses.

Agindo assim, estamos a dizer que quem matou Samora conseguiu atingir os seus objectivos. Imagino-me daqui a 40 anos numa entrevista com um jovem jornalista e ele a perguntar-me o que tu fizeste para que nós não tenhamos de pagar aquela factura de há 40 anos? Eu terei de lhe responder que nós fomos a geração que ficou calada, a geração sem voz, a geração sem espinha.

Precisa–se de se dar mais espaço aos jovens?

Não, porque os jovens de então souberam conquistar o seu espaço, porque não aceitaram aquela forma de vida, aquela sociedade de injustiças. Não estou a criticar a velha guarda, pois ainda temos muito para conquistar juntos, esperando que a eleição de Filipe Nyusi tenha sido um passo na direcção certa. Agora cabe a nós jovens mostrar-lhe a nossa visão do futuro, quais os riscos que nós não queremos correr. Já que “falhamos” como socialistas não devemos também falhar como capitalistas.

Se vamos fazer o jogo das políticas liberais, então vamos jogar limpo. Devemos exigir o controlo, o equilíbrio, a separação, a justiça em decisões políticas que afectam o nosso futuro.

A história não nos perdoará se mantivermos o presente status-quo. Sim, estou a falar do caso EMATUM e outros. Estaríamos a mentir a nós próprios, para um dia percebermos que os números não mentem. Isso será um crime contra as futuras gerações. Neste contexto, identifico-me com os jovens de 25 de Junho, que lutaram pelo sonho deles, contra um regime que não lhes deixava sonhar. Tive a oportunidade de ver outros mundos, e neles percebi que as aspirações de outros jovens como eu são as mesmas, por isso ocorrem os movimentos occupy, de luta contra os abusos dos financeiros e políticos”.

Agora a minha pergunta é: será que o sonho de um jovem Moçambicano deve-se limitar apenas a ter acesso à água, estrada, escola?

Muito obrigado, pela independência que nos deram. Estaremos eternamente gratos, mas como jovem acho que existe um pouco de chantagem emocional que é usada por alguns camaradas e combatentes para fazer e desfazer das leis que deviam ser aplicadas de igual forma a todos. Eu tenho 28 anos e já acompanhei várias entrevistas da Renamo e da Frelimo.

Não me recordo de um único momento simbólico em que as lideranças tenham pedido desculpas pelas atrocidades da guerra, ou por alguma posição política errada. Para mim, isso haveria de constituir um marco indelével dos 40 anos da independência.

Pelos erros que o meu avô cometeu, eu peço desculpas e obrigado pelo amor que o povo lhe tem. Para os próximos 40 anos espero que os jovens Moçambicanos consigam pôr os seus sonhos em prática como a geração de 25 Junho e que o verdadeiro sentido das palavras a Luta Continua.. Seja passado de geração para geração”.

 

Mantchiyani Samora Machel

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