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Um algoritmo chinês promete agitar o comércio eletrónico

Certos escritores são lembrados pela História por terem escrito milhões de palavras num pequeno período de tempo. Por esse feito quase sobre-humano os seus nomes ficaram registados no livro de recordes do Guinness. Três exemplos: o cirurgião brasileiro Ryoki Inoue (n. 1946) escreveu perto de 1000 novelas em 6 anos (em nome próprio ou através de pseudónimos); a inglesa Barbara Cartland (1901-2000) publicou 23 novelas num único ano; e a escritora espanhola Corín Tellado divulgou, entre 1946 e 2006, um total que ultrapassava as 5000 obras. Números impressionantes que, no entanto, parecem não conseguir concorrer contra o algoritmo que o gigante do comércio electrónico chinês Alibaba – só este ano a empresa gerou 95% de lucro líquido arrecadando uma receita global de 7,32 mil milhões de dólares – está a desenvolver no seu site com o apoio da Inteligência Artificial (IA).

 

Para um ser humano, escrever 20.000 linhas de texto num segundo é uma tarefa utópica. Mas é precisamente essa a função automatizada que os programadores da Alibaba (fundada por Jack Ma em 1999) pretendem delegar neste super-algoritmo capaz de criar, a uma escala industrial, milhares de descrições comerciais e imagens que remetem para a enorme quantidade de produtos à venda nos sites Taobao (maior mercado on-line da China) e Tmall (vocacionado para o mercado interno), plataformas digitais pertencentes a um dos maiores grupos de e-commerce do mundo.

 

Aprendendo eficazmente conceitos complexos associados à linguagem e à tecnologia, este dispositivo animado pela Inteligência Artificial liberta uma multidão imensa de pequenos robots responsáveis – com base nos clicks e no historial da pesquisa – por compreenderem e influenciarem o gosto, usos e preferências dos mais de 400 milhões de utilizadores que a gigante chinesa do comércio eletrónico dinamiza em todo o planeta. Basta que o utilizador abra a página do produto que deseja comprar para que, automaticamente, uma grande quantidade de informação adicional lhe sugira o interesse por outros itens semelhantes.

 

A gigante do e-commerce chinês recorre à Inteligência Artificial para recolher informação em massa dos seus utilizadores com o fim de criar perfis personalizados (Imagem: Reprodução Vedomosti)

 

A escrita de anúncios publicitários que este algoritmo empreende procura imediatamente captar a atenção pessoal. A pretensão final é a aquisição dos mais variados produtos disponíveis na plataforma, um fenómeno conhecido por «conversão». Desta forma, criando um perfil personalizado adaptado a cada usuário (através da recolha de dados pessoais fornecidos ao site), o algoritmo tem a capacidade de alcançar os principais objectivos da Alibaba: aumentar o volume de negócios, liderar o mercado digital e exponenciar as receitas acumuladas.

 

Contudo, este sistema algorítmico não é um exclusivo da empresa dirigida por Jack Ma. A sua concorrente directa, a JD.com, utiliza um algoritmo de características semelhantes que possui a capacidade de produzir aproximadamente 1000 peças de conteúdo relacionado com linguagem publicitária, elevando-a até a um discurso poético, descrevendo, por exemplo, a finalidade de um anel de noivado como «um santo casamento caído do céu». Para Mark Riedl, do Instituto Tecnológico da Georgia (EUA), no entanto, mais do que produzir textos publicitários através de algoritmos que reclamem o interesse e atenção dos utilizadores das grandes plataformas do comércio digital, a tarefa fundamental passa por demonstrar a razão pela qual alguém (um nicho da audiência) deve optar pela compra de um produto de uma determinada empresa em detrimento das suas concorrentes no mercado. O processo de personalização é ainda um problema para as competências da IA.

 

«Você não quer apenas afirmar que esta câmara tem estas características, você quer afirmar por que deve alguém comprá-la e por que esta câmara resolverá os problemas que outras câmaras não resolverão. Isso requer muito mais contexto. Você vai querer saber muito mais informação sobre o seu produto e muito mais informação sobre a sua audiência.»

 

Diferente opinião tem o cientista chinês Jun Wang, fundador da MediaGamma, uma empresa que ajuda os patrocinadores a desenvolverem conteúdos publicitários adaptados aos hábitos de cada utilizador. Assim, os anúncios patrocinados que os usuários visualizam nas páginas web serão sempre diferentes dado que se ajustam aos seus interesses pessoais. Os algoritmos da MediaGamma informam os patrocinadores da entrada de um novo utilizador num determinado site e, desta forma, se inicia uma espécie de “guerra publicitária” travada entre as grandes potências da publicidade pela atenção dos cibernautas. «Nós não sabemos necessariamente quem é você mas nós estamos a par da sua actividade on-line», conclui Jun Wang.

 

A Xinhua, agência de notícias chinesa ligada ao governo de Pequim, recorre à chamada «Inteligência Narrativa» para produzir conteúdos jornalísticos e disseminá-los nas redes digitais (Imagem: Reprodução Wild for Life)

 

É difícil, senão praticamente impossível, estar isolado no vasto universo da Internet. As principais redes de distribuição de publicidade no espaço digital – a Adsense, a Admob e a Doubleclick – são propriedade da Google que, por seu turno, monitoriza 75% de todas as páginas mais populares e consultadas na web. Mesmo que os algoritmos do motor de pesquisa manifestem dificuldade em detectá-lo no imenso mundo virtual, o Facebook, que controla 25% desses sites mais visualizados, conseguirá colmatar essa lacuna. Esses gigantes da tecnologia sabem, com base nos dados recolhidos pelos trackers (os “informadores”) nas inúmeras plataformas eletrónicas, por exemplo, aquilo que os utilizadores procuram, quais são os espaços na Internet que mais frequentam ou ainda quanto tempo passam em cada página consultada. Assente nesta lógica, os dispositivos dotados de Inteligência Artificial da MediaGamma tornam-se aptos a definir um padrão personalizado de consumidor consoante a sua actividade nas redes digitais. Neste contexto de disputa comercial é difícil que os utilizadores resistam às ofertas dos patrocinadores, considera Wang.

 

Mark Riedl, professor e investigador no Instituto Tecnológico da Georgia, nos Estados Unidos, considera que o futuro da Inteligência Artificial passa pelo crescente desenvolvimento da criatividade dos algoritmos (Imagem: Reprodução News Center)

 

Esse não é, porém, o foco essencial de Mark Riedl no que respeita às potenciais capacidades da IA. Mais do que uma natureza comercial ou publicitária, é a criatividade que deve ser progressivamente desenvolvida nos super-algoritmos. O objectivo de Riedl é criar aquilo que designa por «Inteligência Narrativa», isto é, «a capacidade de construir e entender histórias da mesma forma que os seres humanos entendem». Para isso, começou a desenvolver um novo sistema, chamado Sherazade (uma referência à lendária figura feminina que, em As Mil e Uma Noites, narra diariamente uma história ao sultão para sobreviver), que permite aos algoritmos produzirem breves narrativas de actividades humanas comuns – uma ida ao cinema, por exemplo – baseadas na triagem da massa de informação recolhida nas páginas mais pesquisadas pelos internautas. Este novo sistema de produção de narrativas a partir das máquinas conduzidas pela Inteligência Artificial pretende aproximar a natureza humana da tecnologia robótica com vista a uma harmonia mútua. Aliás, a propósito da inovadora introdução da Inteligência Narrativa nos algoritmos digitais, a agência de notícias estatal chinesa, Xinhua, admitiu já recorrer a esta nova ferramenta para a redacção de grande parte das suas reportagens e notícias, um método que começa a ser praticado também por outros órgãos de comunicação no mundo ocidental.

 

Jun Wang, fundador da MediaGamma, acredita no potencial da IA para gerar padrões de consumo eletrónico individuais (Imagem: Reprodução TED)

 

De qualquer das formas, a utilização das capacidades da IA, quer ao nível do crescimento exponencial do comércio eletrónico na China, quer no que diz respeito à escrita de pequenas narrativas e histórias jornalísticas, é uma realidade e uma promessa de futuro determinada a agitar a nossa percepção moderna da realidade virtualizada. O grande desafio talvez seja, em breve, transferir para as máquinas o grande desígnio da criação e da imaginação. Mas, nesse momento, seremos ainda humanos?

 

PS: O autor deste artigo obedece às regras do antigo acordo ortográfico.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

    

 

 

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