Mayra Andrade: “hoje as coisas estão a acontecer de forma muito mais rápida e democrática”
Um carrossel de realidades contribuiu para um grande ecletismo musical que traz uma sonoridade especial à voz de Mayra Andrade. A cantora cabo-verdiana, que está entre as principais atrações do Misty Fest, brindará o público português com concertos esta semana no Porto (dia 4), em Lisboa (dia 5) e em Figueira da Foz (dia 7).
Acabada de mudar-se para Lisboa Mayra Andrade conversou com a Conexão Lusófona com exclusividade. Na conversa, o novo nome da música cabo-verdiana revelou o que esperar dos concertos em Portugal e como a mistura de vivências pessoais teve influência na sua música.
Confira abaixo a entrevista completa:
O que esperar deste concerto? Como é que ele foi pensado?
É o concerto que eu tenho feito há dois anos. Portanto estamos a chegar ao fim da tour. Os concertos que eu fiz em Portugal em novembro de 2013 foram dos primeiros da tour do Lovely Difficult. Portanto, em dois anos, o concerto mudou muito. As músicas ganharam outra consistência, revimos muita coisa, acho que eu também já estou a cantar melhor as músicas, por que já me apropriei mais de cada uma. Será o repertório Lovely Difficult, mais as músicas mais conhecidas do primeiro disco (Navega), e para os concertos de Lisboa e do Porto tenho dois convidados: a Sara Tavares e o Pedro Moutinho. Então acho que vai ser bonito.
Nos últimos tempos, você teve uma agenda repleta de viagens. Sente falta de casa, ou por estar sempre na estrada,já não tem a sensação de “casa” com lugar nenhum?
Eu vivi 14 anos em Paris, onde tive muitas oportunidades, tive a sorte de concretizar muitas coisas, sou muito grata a esse país e a esse público, mas nunca me senti em casa em Paris. Portanto Paris foi sempre uma base, mas uma base muito rica, porque Paris é Paris e tudo passa por aí, que me alimentou muito, mas não no sentido de colo, o sentido de volta a casa. E é o que eu venho buscar agora em Lisboa (Mayra mudou-se para Lisboa há cerca de um mês). Casa para mim é Cabo Verde. Mas a partir daí, independentemente de onde eu estiver, eu tento estar o melhor possível onde eu estou. E penso que Lisboa é uma cidade que oferece muita qualidade de vida.
Essa chegada a Lisboa e os últimos concertos do álbum Lovely Difficult são já um assentar para criar o próximo trabalho?
O fim de uma coisa é sempre o início de outra coisa, mesmo se nós não sabemos exatamente o que é que é (risos). E é um bocado o caso. Porque eu não sei ainda o que é que vai ser o próximo disco, mas eu já estou a pensar que é preciso começar a pensar no próximo disco.
Você canta em criolo, português, francês, inglês… Que sentimentos cada uma dessas línguas desperta em você?
Acredito que a emoção vem mais da linha melódica da música, da harmonia, do que da língua. Mas o que é certo é que cada língua tem uma vibração diferente. E como intérprete acho que cada língua sai de um lugar diferente do meu corpo. Eu digo que o criolo sai das minhas entranhas sem dúvidas. Agora da onde é que sai o francês, da onde é que sai o inglês? Isso vai surgindo. Sai da cabeça, sai da garganta, às vezes do coração….
A sua carreira é repleta de colaborações muito especiais…
As participações são pontuações, são como bolhas de ar onde eu posso fugir do meu projeto a solo e por-me numa condição de “risco”, porque estou a prender coisas novas. É uma forma de eu me divertir também, porque um músico pode acompanhar vários cantores, vários projetos, mas um solista geralmente tem só o seu próprio projeto. E eu gosto de me por ao serviço de projetos paralelos, que trazem-me coisas musicalmente, mas trazem-me encontros humanos, pessoas que se tornam amigos depois, e laços que se criam e que se estendem ao longo dos anos. Por exemplo: o Tiganá Santana, é um artista brasileiro, baiano, que faz uma música muito particular e muito profunda, que eu adoro. O Tiganá foi-me apresentado pela Márcia Castro, gravei com ele há uns anos, cantei com ele em Paris… Nem todas as colaborações resultam em amizades, mas muitas resultam em grandes histórias, histórias de amor e de amizade, sim.
É possível dizer que vivemos um momento crescente das parcerias e interação entre os artistas de língua portuguesa?
Acho que as novas tecnologias, como o Youtube, o Facebook, o Instagram, têm permitido conexões muito diretas entre as pessoas. Para já, tem permitido termos acesso ao trabalho uns dos outros, porque nem sempre as editoras vão distribuir o disco de um no país de outro. Para haver interação, para haver pontes, é preciso conhecer a existência do outro. E depois, as redes sociais permitem que as pessoas comuniquem diretamente, mesmo sem se conhecer. Por exemplo: o Otto entrou em contato comigo através do Facebook, foi uma coincidência muito grande, e desde então a gente se comunica, temos o e-mail um do outro, temos ideias para eventualmente um dia cantarmos juntos, mas é só um exemplo para mostrar que essas coisas estão a acontecer de forma muito mais rápida e de forma muito mais democrática.
Seria um momento de maior independência e voz dos artistas em relação à indústria musical?
Sim, porque os esquemas mudaram, a indústria mudou. Todo o momento de crise é bom porque a arte torna-se mais forte. A essência torna-se mais concentrada, mais vivaz, com mais pujança. Quando está tudo muito confortável, muito abundante, as coisas tendem a tornar-se um bocado comerciais e monótonas. Acho que em termos de crise também isso faz com que um ser humano tenha que encontrar novas formas de existir, mesmo que seja difícil para quem está a viver. No futuro vamos olhar para trás e perceber que houve um movimento que surgiu nos anos 2010 até 2018, em tempos de crise…
Qual a parceria que mais marcou pessoalmente?
Todas as colaborações são importantes. Mas sem dúvida a participação no documentário do Dominguinhos marcou muito. Porque foi o momento em que eu o conheci, ali, no estúdio. Eu já conhecia o Hamilton, já conhecia o Yamandú, não tínhamos ensaiado, foi só procurar o tom em que eu cantava, tocar a música uma vez e o dominguinho chegou. Era uma homenagem em vida a um senhor que já estava muito doente, tinha feito muito pela música brasileira, principalmente pela música nordestina, e eu sabia que era a última vez que eu o ia ver. Portanto isso fez com que nos todos tivéssemos num estado de muita, muita emoção.
Pretende chegar aos 80 anos também a cantar?
(Risos) Espero que sim! Espero que sim, se a música ate lá ainda me preencher da forma como ela faz hoje. Eu espero ter a opção. Acho que o mais importante na vida é ter opção. Espero que nessa idade eu consiga cantar não para viver, mas apenas por prazer. Hoje em dia canto muito por prazer, mas essencialmente porque é minha profissão. Espero que eu possa fazer enquanto isso me fizer feliz.
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